Quando teremos paz?
Vivemos há dois meses em situação de conflito grave; o país está praticamente paralisado à espera de uma saída da qual possa resultar o retorno à tranquilidade. E já quase ninguém se lembra da razão inicial desta crise.
Reinado, Salsinha, distribuição de armamento, crise militar, tudo isso são imagens enevoadas na vida do comum da população timorense. Perdeu-se a rotina de uma vida simples, no ramerrão casa, trabalho, missa dominical, convívio familiar, mercado, luta de galo. Deitar cedo e cedo erguer. Perdeu-se o sossego. Ganhou-se medo, insegurança.
Embora as forças internacionais patrulhem a cidade de ponta a ponta, os distúrbios continuam a marcar o quotidiano da capital.
É certo que não se verificam muitos incidentes nas ruas principais, mais rasgadas, melhor delineadas. Aí, é mais fácil aos veículos militares circular.
O problema reside nos emaranhados bairros populares, de construção indonésia, com casas encostadas umas às outras e com ruas tão estreitas que é necessário recuar se surgir um carro em sentido contrário. Mas o rebuliço também está presente nos bairros cujas casas surgem do nada, isoladas, perdidas entre os extensos campos de bananas ou de outro tipo de denso arvoredo à mercê de desordeiros que aí se escondem quando passa a patrulha militar.
A maior parte dos habitantes desses bairros encontra-se refugiada nos campos de acolhimento. As suas casas desabitadas são alvo fácil para o saque e posterior incêndio.
Há quem confesse ter medo mas se recuse a deixar para trás os seus bens.
Não querem perder pela terceira vez – recordam os anos de 1975, 1999 e, agora, em 2006 - o que foram sacrificadamente construindo uma vez após outra. Estão cansados de fugir, de recomeçar.
S., uma professora viúva natural de Lospalos, está refugiada na Catedral. Em curta mensagem, S. dá conta do ocorrido. Primeiro roubaram-lhe os móveis, hoje terminaram a obra incendiando-lhe a habitação.
N., natural de Same, está muito assustado mas nega-se a sair de casa; tem uma família numerosa à qual se acrescentam inúmeros afilhados vindos da sua região, a quem N. paga os estudos. A sua casa situa-se entre outras de habitantes de Lorosae. E vai dizendo “Se saio, incendeiam-me a casa. Para onde levo a minha família? Só que eu moro numa zona complicada…”
M. é de Díli. Vive numa zona onde se cruzam tiros esporádicos e pedradas atiradas vezes sem conta por grupos rivais. Resolveu refugiar-se na Catedral. Entrou em depressão. E vai desabafando que “roubem o que quiserem mas não queimem. Custa muito reconstruir tudo de novo…”
B. é natural da ilha de Ataúro. Refugiou-se no porto e, quando achou que a situação estava controlada, voltou com a família para casa. Com a repetição de cenas diárias de tumultos, gritos, pedradas, correrias, B. sofreu um ataque cardíaco. Está internado há mais de uma semana no hospital nacional.
D., de Tíbar, a quem assaltaram e esvaziaram a casa pobre, suspira num desabafo: até o cão me levaram!
Muitos contraíram empréstimo bancário para o arranjo das suas casas.
Todos têm famílias extensas a seu cargo. São os filhos, os genros, noras, netos, afilhados, os avós… gente simples, gente sofrida. Passaram pelos conflitos de 1975 e de 1999. Todos comungavam da esperança de que a paz e a estabilidade se tornariam uma certeza duradoura no Timor independente pelo qual lutaram com coragem. Hoje, estão assustados, descrentes e desiludidos. Nenhum deles quer a discórdia. Todos apostam na paz. Só que já ninguém se atreve a vaticinar uma data para o retorno à paz ansiada…