quinta-feira, agosto 31, 2006 

Casa roubada, trancas à porta...

Estamos agora vivendo um frenesi de segurança, de autêntica caça ao homem! Lá diz o ditado que “casa roubada, trancas à porta”…
Ao entardecer, os helicópteros militares voaram bastante tempo sobre o bairro, ora andando às voltas, ora parecendo planar por cima das colinas onde dizem que foram vistos dois homens fardados com mochilas às costas. Imaginação ou não, o alvitre mais comum foi o de que talvez fossem os passeantes de Bécora. Acrescento eu que durante todo este tempo de presença das tropas internacionais, se avistavam do bairro, vezes sem conta, homens fardados de camuflado junto do antigo depósito de água. Sempre pensei que fossem do contingente malaio.
Deviam ser 14h30 quando soou um estampido solitário. Pode ter sido um tiro no que foi uma ocorrência sem repetição. Mais tarde, já o sol se havia posto há muito por detrás das montanhas, quando se ouviu nova sessão de tiros. E de novo os helicópteros surgiram. Luzes vermelhas, voando baixo junto às colinas…Intuí que os tais dois homens não haviam sido ainda localizados.
As aldeias 30 de Agosto e 4 de Setembro situam-se bem próximo de umas colinas descarnadas que as rodeiam em três terços de um abraço. A vegetação é rasteira e a terra castanha, com mato do mesmo tom, agora que estamos em plena época seca.
As aldeias fazem parte do Suco de Malinamoc, Comoro, e distam do centro da cidade, precisamente 7 quilómetros.
A prisão de Bécora fica exactamente do lado oposto da cidade, poucas dezenas de quilómetros mais.
Às 15 horas de ontem, saíram das respectivas celas 57 homens em passo de relaxada caminhada.
Os timorenses são um povo andarilho, de pé ligeiro, calcorreiam e atravessam montes e vales em três tempos. Duvido, pois, seriamente que os passeantes em férias de Bécora tenham levado 24 longas horas a atravessar a cidade para se “esconderem” precisamente nas montanhas quase desérticas de Malinamoc, na mesma zona onde -talvez um mal medido quilómetro mais abaixo -, junto à estrada do aeroporto estão colocadas centenas de elementos das forças australianas! Parece-me demasiada desfaçatez!
Diz o comandante australiano que sabe onde eles estão. Por sua vez, o ministro neo-zelandês da Defesa afirma que as suas tropas não eram responsáveis pela segurança da prisão, negando que daí se tenham retirado há uns dias.
Finalmente, o ministro timorense da Justiça defende-se referindo total ignorância da situação, e contrapõe que os neo-zelandeses não avisaram o Governo de que iriam deixar de guardar a prisão… há uma semana. Soará a demasiada ingenuidade perguntar se o ministro da Justiça andava distraído, ou em reuniões constantes, ou a apanhar o ar da montanha ou a banhar-se na praia, ou, ou, ou… e se esqueceu de que havia uma prisão em Bécora que deveria estar guardada?
Está-me cá a parecer que a culpa vai morrer solteira… Mas, se realmente assim é, então a coisa é bem pior do que se imaginava. Parece estar tudo perdido. Pior, estamos todos perdidos!
Que nos resta? Nada?
Talvez não nos sobre outra solução excepto clamar por ajuda de entidades de um outro mundo oculto como os rai nain, os lulik, os matebian que olhem por esta “rai doben”* de Timor e completar a súplica erguendo as mãos aos céus redobrando o apelo de há dias por uma outra qualquer razão: que Deus nos acuda!

*Rai doben – terra amada

quarta-feira, agosto 30, 2006 

O país do referendo de 30 de Agosto de 1999

Fazia tenção de escrever hoje sobre o acontecimento mais importante da História recente de Timor: o Referendo de 30 de Agosto de 1999 que ditou o futuro do país. Mas, deveria ter pensado que nos dias de hoje de Timor-Leste não vale a pena fazer nem pequenos nem grandes propósitos.
Ia recordar a beleza daquele dia em que
éramos todos timorenses esperançados, unidos em torno de um sonho. Nesse dia, ninguém queria saber se eram puros, mestiços, se eram filhos, pais ou cônjuges de timorenses. Nesse dia ninguém ousaria sequer imaginar que poderia não ser no devir dos tempos considerado timorense. Não. Era bem o tempo dos sonhos e, por isso, éramos todos timorenses, sabíamo-lo!
Naquele dia, o Jardim Constantino em Lisboa encheu-se de uns dois ou três milhares de pessoas - muitas das quais não se viam há dezenas de anos, desde os bancos de escola - ligados pelo sonho de Timor independente. Sabíamos que todos os votos contavam para conseguir torná-lo realidade! Sentíamo-nos vencedores e estávamos impantes de orgulho da nossa condição timorense!
Passaram sete anos. O Timor de hoje traz muita dor. Dores provocadas por nós próprios, timorenses, cidadãos deste país que deixámos cair por terra todos os sonhos acumulados por longos anos de sofrimento e tornados autênticos, verdadeiros,
naquele dia radioso de 30 de Agosto de 1999!
Sete anos depois, são cidadãos de Timor-Leste aqueles que têm a sorte de conseguir o passaporte de Timor-Leste à primeira sem os habituais problemas que surgem do nada, por nada e para nada que não seja complicar a vida de quem é e se sente timorense;
Cidadãos timorenses são os que vencem pela persistência a luta da multiplicação ad eternum de requisitos exigidos de acordo com a simpatia ou a antipatia do funcionário pelo requerente da cidadania que, para conseguir o que lhe cabe por direito próprio, quase tem de pôr-se de joelhos para a “obter”, à cidadania avaramente concedida quando não sobra mais nenhuma desculpa para adiar a dádiva, presente do zeloso manga de alpaca vestido de deus de coisa nenhuma…
Sete anos que são passados, estamos assim na vida, sem orgulho, tristes, abatidos, displicentemente esperando que a calma se mantenha por mais uma hora. Entregues ao gozo do momento que se vive porque no segundo seguinte pode acontecer tudo.
Hoje, era dia de festa, relativa, discreta, mas mesmo assim, festa. O jardim do Palácio do Governo engalanou-se com faixas apelando à unidade, reiterando a certeza de um só Timor, um só povo…

Dia feriado, música ao vivo em perspectiva, sol radioso em céu azul sem nuvens, calma pelo menos aparente, mar azul sulcado por alguns barcos de bandeira desfraldada ao vento, o branco barco-hospital norte-americano ao largo, pássaros voando, crianças correndo na praia, os ramos dos gondoeiros
gingando ao ritmo da brisa leve, enfim, um dia a convidar à contemplação, ao descanso, à distracção.
Deve ter sido tanta a distracção, a contemplação e o deleite da natureza timorense que os elementos da força neo-zelandesa que montavam guarda à prisão de Bécora deixaram os portões abertos, as celas libertas de olhares indiscretos e um mudo e cúmplice convite endereçado a 57 presos que se levantassem, se espreguiçassem e desentorpecessem as pernas vindo até ao ar livre
para gozar merecidamente as delícias do feriado de 30 de Agosto!
Faz algum sentido, pois claro! É humano, pois claro! Revela sensibilidade, naturalmente!
E se não fosse dramático, daria até para rir. Se envolvesse apenas guardas timorenses não haveria de faltar quem concluísse num jeito superior de quem de nós tudo sabe que nós “timorenses, não fazemos nada de jeito”. E que, como também já ouvi, somos muito básicos! Mas não, há outros seres básicos que não fazem nada de jeito:para além da ausência dos guardas locais, os estrangeiros também não estavam presentes!
Numa mensagem curta fiquei a saber: Major Reinado fugiu há meia hora.
Refere uma notícia que o advogado de Reinado é o Dr. Paulo Remédios. Parei para pensar um bocado mas não há confusão. Paulo Remédios, o advogado timorense
vindo de Macau, é também o advogado de Rogério Lobato. Outra pausa - talvez também eu estivesse a deixar-me levar pelo ambiente envolvente… – e concluo que as acusações que sobre ambos impendem são opostas. Ou não?
E antes que pense e conclua que este país não existe, ou que está tudo virado do avesso,
que estamos todos loucos, que andamos todos enganados e a enganar-nos mutuamente, que nada faz sentido, que há quem queira o pior para este país, antes de tudo isso, vou terminar recordando o sonho feito realidade a 30 de Agosto de 1999.
Não consigo descartar alguma vergonha mesmo que com coisa nenhuma tenha, em consciência, contribuído para a situação actual; nem sequer me apetece disfarçar que adormeci por muito tempo o orgulho de ser cidadã deste país. Mas resta-me, apesar de tudo, um bom pedaço do sonho de que resultou o 30 de Agosto de 1999, o dia do Referendo, o dia da independência de Timor. É que acredito, quero e vou continuar a acreditar que a independência de Timor valerá sempre a pena. Apesar de tudo…

terça-feira, agosto 29, 2006 

Reconciliação, de novo

Fala-se de novo sobre ela, sobre a necessidade de reconciliação – mais uma faceta dela ou talvez uma totalmente nova, resultante de problemas novos - como forma de alcançar a paz depois de serenados os ânimos.
Porque estamos em fase de reconciliação, o Primeiro-Ministro defende a melhor forma de alocar orçamento para a Igreja. Ao mesmo tempo, o Governo marcou encontro com a hierarquia da Igreja Católica a quem caberá a difícil tarefa de convencer o povo a reconciliar-se.
Mas, D. Basílio do Nascimento já afirmou publicamente que a reconciliação não vai resolver todos os problemas uma vez que para além da reconciliação como “solução moral há muitos outros problemas políticos, judiciais, legais” que terão de ter solução. E para o Bispo de Baucau a reconciliação não deve ser usada para encobrir os problemas políticos ou judiciais.
Dizia hoje uma personalidade entrevistada na Rádio Católica Timor Kmanek, “fala-se muito de reconciliação, fala-se de reconstruir as casas que foram incendiadas (e do dinheiro a isso destinado) mas ninguém fala sobre a Justiça nem de meios para melhorar a sua qualidade. E, sem Justiça, não haverá verdadeira reconciliação”.
Prosseguindo, explicava então o entrevistado que “de nada servirá reconstruir as casas porque logo que haja novos incidentes, os filhos daqueles que sofreram aparecerão e destruirão tudo de novo. Logo, os culpados têm de ser castigados”.
No Parlamento também se debate sobre o perdão, a reconciliação e a justiça, defendendo-se a reconciliação desde que se faça Justiça. Feita esta a par de castigo para os culpados, venha então a reconciliação e o perdão.
Mas, verdade se diga, a Justiça, - que tão mal deve andar em Timor-Leste que até o embaixador dos EUA vem a público defender que a nova missão da ONU deve trazer assessores capazes de resolver os problemas que o povo enfrenta, como por exemplo, ajudar a melhorar o sistema judicial… - tem sido um bocado esquecida. Mais, ou não se aplica ou se adia.
Foi assim sobre os crimes de 1975, sobre os de 1999 e ensaia-se o mesmo para os crimes deste ano. Em cada um dos acontecimentos desses anos distintos, foram-se somando as vítimas e as correspondentes expectativas de que um dia se fizesse justiça. Enquanto os que sofreram clamam por ela para depois se chegar à reconciliação, outros há que preferem apostar na reconciliação por via da amizade e da verdade. Sem justiça. Não creio que resulte!

segunda-feira, agosto 28, 2006 

E o resultado está à vista!

À chegada de Bali, uma coluna de fumo bem negro acorda-me para a realidade. Ardia o segundo grupo de três casas. Como balanço, dizem uns que foram oito, outros apontam para dez e outros ainda asseguram que foram 12 os incêndios dessa manhã.
A violência continua. Todos dizem que querem paz, que estão cansados de insegurança mas, a verdade é que a continuação da violência vem provar que, afinal, não é bem assim. Andamos todos enganados. Ninguém sabe porquê mas desconfia-se que alguém comanda os executores de tanto vandalismo embora também ninguém compreenda o que se pretende com esta devastação que não pára e já se alastrou ao interior.
A fazer fé no que se ouve mas não foi noticiado, assim foi o caso de Garawai, uma pequena localidade do distrito de Baucau, onde foram incendiadas outras tantas casas. Razões? Desconhecem-se. Mas, porque em Garawai não há refugiados nem movimentação de pessoas para ou da cidade, há quem alvitre que se trata de quezílias entre partidos. Preocupante!
Reconhecida agora a sua capacidade e chamada a Igreja Católica para mediar ou criar as condições para a reconciliação, o Bispo de Baucau, D. Basílio do Nascimento, num convite à reflexão colectiva, coloca dúvidas que a reconciliação resolva alguma coisa. Afirma a propósito a ministra Ana Pessoa que “temos de acreditar em Deus e na autoridade”. Sendo certo que a autoridade não colhe nenhuma confiança, eis uma afirmação que embora bonita é pouco persuasiva, soa a falso. Para além de que peca por tardia a convicção e a crença no divino!
Entretanto e a propósito da manutenção da insegurança, da falta de respeito pelas autoridades que não vêem acatamento aos seus constantes apelos à paz e à reconciliação, um articulista defende hoje num diário que “chegou o tempo da geração mais nova avançar”. Porque, diz em Perspectiva o observador, “os políticos da geração mais velha fazem quase todos parte do problema que surgiu no país e não são a solução. Tudo isso fez com que o povo lhes perdesse o respeito, tornando-se deveras difícil escutá-los. Muitos fazem discursos imprudentes, sem medir nem pesar as consequências que poderão advir das suas palavras porque pensam que tudo o que dizem está certo e o povo engole tudo. Alguns são demagogos, prometem mundos e fundos mas não cumprem nada.”
Também em primeira página, embora apontando como razões que os veteranos, os mais velhos das FDTL devem ter o merecido “descanso e gozo da independência” defende um deputado que “chegou a hora da F-FDTL passar o testemunho à geração mais nova”. É que diz ele, “é altura de desenvolver umas forças armadas profissionais em vez de as filiar nos partidos políticos”.
Para além do descontentamento que transparece dos escritos destes dois semhores, fica-se com a impressão de que os mais velhos não souberam, efectivamente, manter o respeito da geração mais nova que deixou definitivamente de acreditar
na sua competência e nas suas capacidades de liderança .
Não sei se terão falhado conscientemente, se terão perdido a noção de que eram apenas homens e não deuses; voaram demasiado alto! Talvez tenha havido insensibilidade e distracção. Provavelmente terão pecado por desconhecerem ou ter-se-ão esquecido do carácter do povo de que fazem parte. Quase de certeza pela falta de comunicação, por arrogância, por desconsideração, por um escusado e fatal distanciamento de um povo inteiro, das pequenas e importantes coisas da vida desse povo. E o resultado está à vista!

sábado, agosto 26, 2006 

Amor sem barreiras (Continuação)

Da casa dos pais de Namadi exalava um bom cheirinho a café de lako acabadinho de fazer. Num lantém, algumas batatas doces e mandiocas cozidas e assadas, um doce manuten frito em óleo de coco completavam o lanche que a Mãe preparara. Servido o café, Foho sentiu-se logo mais à vontade e disse de sua justiça:
- Peço a vossa permissão para me casar com a Namadi. Farei da vossa filha a princesa mais amada e mais rica das redondezas. Prometo que a farei muito feliz. Vamos sentar-nos e combinar o dote. Serei generoso convosco. Mas se ela não puder casar por impedimento paterno, Gleno ficará submersa sob o reino das águas do reino de FohoRai e passará a ficar sob minha alçada! Voltarei dentro de uma semana para saber a vossa resposta! – falou o príncipe.
O pai e a mãe entreolharam-se. A decisão era difícil e havia necessidade de pensar calmamente na resposta pelo que assentiram que o melhor era dar a ansiada resposta alguns dias mais tarde.
A história tinha tal inverosimilhança que precisava de ser bem escalpelizada. Os pais e os irmãos de Namadi cogitaram profundamente sobre o assunto. Reuniu-se de novo o Conselho dos Velhos e dos Sábios, foram chamados os matan-dok de Gleno, mediram-se os prós e os contras.
Mas, uma jibóia dentro de água?
Seria mesmo jibóia ou tratar-se-ia de uma milenar enguia? Mas se o jovem dizia que o seu reino estava submerso, talvez ele tivesse um poder sobrenatural! Pois se ele também podia tomar a forma de um homem!
Lançaram-se as sortes, abriu-se um frango vivo com uma catana bem afiada e o Matan Dok mais experimentado espreitou atentamente as vísceras do animal. Tinha umas protuberâncias esquisitas e foi necessário abrir outro frango. O fígado desse, sim, estava limpo! Bem, olhando melhor, sempre aparentava um pequeno sinal diferente. Uma pequena saliência bem no meio do fígado. O coração não tinha qualquer problema. Vermelho vivo, o sangue ainda escorria do coração do frango para as mãos do Matan Dok quando este o levantou e o mostrou aos presentes, dando sinal de que estava tudo bem.
O destino de Namadi estava traçado. Afinal, os pais não tinham que se queixar. Eles não esperavam tanto! O Amor é um sentimento muito forte e ultrapassa todas as barreiras e um príncipe é sempre um príncipe e um reino, mesmo sob as águas, não deve ser desprezado! Por outro lado, não valia a pena correr o risco de ver Gleno sob as águas porque nem todos sabiam nadar e nem todos queriam submeter-se a nova regras, aderindo a um novo reino!
José - disse o pai ao emissário - vai dizer a Foho que venha cá saber a resposta. Ele que venha no domingo almoçar connosco!
O emissário partiu correndo para estava deitado preguiçosamente junto à nascente. José assustou-se um bocado com o tamanho imponente do príncipe –jibóia. Acordou-o cuidadosamente. A jibóia abriu a boca e José adivinhou-lhe um sorriso de satisfação!
E no domingo aprazado, lá foi Foho, na sua forma de gente, vestido com uma camisa branca e com um tais de cores garridas, perfumado com perfume de flores campestres esmagadas no momento.
- Foho – disse o pai de Namadi – nós aceitamos o teu pedido. Podes casar com ela. Mas pomos uma condição: queremos que o casamento seja abençoado por um religioso! Para além disso, pedimos-te que nos tragas a nossa filha de vez em quando para matarmos saudades dela!
O mais velho distribuiu tabaco e betel e todos cumpriram o ritual mascando e fumando e bebendo um tua sabu fresquinho. Sentados numa larga esteira, na qual também estavam presentes os conselheiros e os familiares mais velhos de Namadi, acertaram-se os pormenores do casamento. Foho, o príncipe-jibóia, Rai Na´in da ribeira Ponilala, retomou a sua forma original e deslizou veloz e silencioso por entre os arbustos, em direcção à nascente, prometendo voltar no domingo seguinte, ao fim da tarde. Antes, no seu jeito tímido, pedira ainda alguma discrição. Mas os pais espalharam a história aos quatro ventos.
Em menos de um ai, já toda a gente da aldeia sabia que, depois do casamento, FohoRai se transformaria em jibóia e deixaria a sua forma humana e que Namadi acompanharia o príncipe das águas para as profundezas de uma das nascentes onde se consumaria o acto de amor.
O povo discutiu acaloradamente as vantagens de Namadi optar pela forma de jibóia ou de manter a forma humana, apostando todos na felicidade da bela jovem de cabelos negros e lisos que se apaixonara pela jibóia imponente e dona das nascentes de Ermera!
Mataram-se alguns cabritos, porcos e uma vaca. Houve o cuidado de colocar numa pequena gaiola umas galinhas bem nutridas para satisfazer outro tipo de apetite do príncipe–jibóia. Dançava-se de manhã à noite. Os tambores não paravam de rufar , o tebedai juntava homens e mulheres.
No domingo aprazado, a aldeia fervilhava de gente. As meninas suspiravam de inveja pela sorte da sua amiga Namadi!
Perfumada com essência de flor de café, Namadi estava vestida com um tais azul-esverdeado. Os ulsukos da sua avó materna brilhavam entre o negrume dos seus cabelos artisticamente penteados.
De faixa branca em volta da cintura, com penas de galo nos tornozelos, vestido com um tais em tons acobreados e empunhando uma belíssima espada, Foho não enganava ninguém que era um liurai! Tinha um porte altivo e o kaibauk que trazia na cabeça fazia-o ainda mais bonito, apesar do ar sisudo ao aperceber-se de que não haveria privacidade nenhuma no seu casamento!
Ambos se sentaram defronte dos anciãos da aldeia e o casamento realizou-se testemunhado por imensa população jornalistas e por um religioso, num dia de chuva torrencial. Abriram-se as cataratas do céu e a água caiu durante duas horas, acompanhada de muito vento, relâmpagos e trovões.
Foi o castigo do príncipe-jibóia que, farto da publicidade feita à sua volta e da curiosidade dos terráqueos vulgares que andam por este Mundo a estragar uma bela história de amor, resolveu punir a curiosidade de quem quisera à viva força presenciar o seu casamento.
Também Namadi decidiu trocar as voltas aos curiosos resolvendo não responder a nada que fosse dito em português ou em inglês, remetendo-se ao silêncio, sorrindo apenas timidamente.
São vozes do povo mas diz-se que, enquanto chovia, o príncipe–jibóia e Namadi, a metamorfoseada princesa-jibóia das águas de Ponilala foram curtir a sua história de amor nas profundezas das nascentes, propositadamente com as águas revoltas e deixadas cheias de lama para que ninguém os seguisse.
Depois, quando o sol voltou a aparecer por alguns minutos antes de cair a noite, voltaram calmamente para casa sob a forma humana, montados num belíssimo cavalo branco em que o jeep branco se transformara, consumando o acto do casamento desta vez sob a forma humana e em terra seca.
No dia seguinte, manhã bem cedo, ainda mal o sol raiara, após uma bela noite de Amor consumada sob a forma humana e da louca aventura no mais profundo das águas da nascente, no reino de FohoRai, o principe-jibóia, Rai-Na´in de Ponilala, despediu-se da sua amada princesa, com destino a um reino distante, diz-se que em direcção a LoroMonu, ou Ocidente, ali onde o sol se põe e mais longe ainda que a nascente dos seus amores.
Em noites de luar, ouve-se um estranho marulhar provindo da nascente. Ninguém conseguiu ainda ver nada, mas há quem diga que os dois jovens continuam a encontrar-se discretamente nas profundezas das águas e que o príncipe de Ponilala visita a sua amada no mais completo segredo dos deuses.

sexta-feira, agosto 25, 2006 

Amor sem barreiras




Lá para os lados de Gleno, em Fatu Kero, uma aldeia remota do distrito de Ermera, uma bela jovem de cabelos compridos, lisos e negros, tez morena onde brilham olhos castanhos-escuros e amendoados, com um sorriso permanente nos lábios carnudos, apareceu um certo dia a falar fluentemente inglês e português.
Namadi - ou Noi Metan assim chamada devido aos seus belos cabelos negros e ao tom de pele -tinha 15 anos e andava na escola, onde já aprendia o português, falando-o de forma incipiente. Mas duas línguas estrangeiras, fluentemente faladas… bem, ali havia coisa! A família estranhou o facto e iniciou uma longa sessão inquisitorial até que Namadi acabou por contar a sua intrigante história.
Tinha dois amigos que lhe davam boleia diariamente de casa para a escola, conversavam imenso à beira da ribeira e foi assim que ela aprendeu as duas línguas.
Um dos amigos tem cabelos pretos, é alto, de raça branca, mas mais moreno que o outro, mais alto e mais loiro. Bem constituídos, sorriso aberto, os jovens são ambos malaes, ou seja, estrangeiros, e andam num carro branco. Ambos estão perdidamente apaixonados pela Namadi que já escolheu o dono do seu coração e não tem olhos para mais ninguém a não ser para o forasteiro de sua eleição.
Ao longe, algumas nuvens prenunciavam chuva; o dia estava quente, o sol brilhava e convidava a um passeio pelo que os dois amigos foram buscar Namadi.
Em conversa com ambos a quem entretanto falara da curiosidade familiar, Namadi mostrou-se pouco à vontade com o rumo que as coisas podiam tomar; os dois jovens ficaram igualmente apreensivos. Depois de algum tempo em que a troca de impressões aqueceu, decidiram-se por quebrar o sigilo dos passeios, optando por se apresentar à família:
- Vai dizer ao teu irmão que queremos falar com ele. Ficamos aqui à espera, debaixo desta madre-del-cacau.
E lá partiu ligeira Namadi em busca do irmão. Mal o encontrou, passou-lhe a mensagem:
- Vem, Mau Klau, os meus amigos do carro branco querem falar contigo. Vem comigo que eu levo-te até eles.
Não se via vivalma no caminho, nem se ouvia o habitual trinado dos pássaros quando os dois irmãos meteram pés a caminho correndo velozes por entre os cafezeiros em flor, sem parar nem um segundo.
- Vamos, irmã, o tempo está um bocado esquisito. Apressemo-nos! Não vá acontecer qualquer coisa!
- De que tens medo? – pergunta-lhe Namadi.
- Olha, o tempo já não é o que era, está demasiado calor, não há vento nenhum, lá ao fundo estão algumas nuvens bem escuras, a ribeira secou repentinamente e eu tenho receio de que venha uma tempestade ou que haja um tremor de terra! Vamos, temos de arrumar esta história!
Chegados ao local marcado para o encontro, suados e cansados, desejosos de um descanso merecido à sombra protectora da madre-del-cacau onde deveriam encontrar-se com os dois amigos, Namadi e Mau Klau olharam em redor e não viram nenhum ser humano.
- É estranho, eles disseram que ficavam aqui à espera! Mas o carro continua cá!- exclamou Namadi.
- Vamos lá ver! Mas, mas… que é isto? – gritou e gaguejou Mau Klau.
À sua espera, displicentemente deitadas à frente do carro, parado no leito da ribeira por onde não corria nem um fio de água, sobre as pedras estavam duas jibóias. Mau Klau abriu desmesuradamente os olhos, viu-as mas não queria acreditar no que os seus olhos mostravam e desatou a correr, só parando em casa.
- Pai, Mãe, está um carro parado na ribeira mas não está ninguém lá dentro. Só lá estão duas jibóias! Parece que os amigos de Namadi não existem!
Estabeleceu-se grande confusão na aldeia. Que mistério! Cogitava-se entre os mais velhos que devia haver alguma coisa errada naquela história. Bem todos acreditavam em mistérios, mas não estavam habituados a este tipo de manifestação, assim, sem mais nem menos, em pleno dia, aos olhos de dois jovens inexperientes!
Os pais da Namadi não estavam a gostar nada da história. A sua filha era ainda adolescente, “feto-ran”, que é como quem diz, virgem, e não podia estragar assim a sua reputação! Guardavam-na ciosa e cuidadosamente, na esperança de que um jovem, responsável e com algum dinheiro, a viesse pedir em casamento. Afinal, ela era tão bonita!
Reuniu-se o conselho familiar que decidiu ouvir a jovem. Seguiu-se mais uma sessão de perguntas a Namadi já que era necessário perceber quem eram os jovens que se permitiam a tanta loucura! Ir buscar Namadi a casa! Era só o que faltava! O que é que as pessoas iam dizer!
Os mais receosos iam-lhe dizendo que não valia a pena envolver-se com gente de fora. Então não havia tantos amigos na aldeia, qualquer deles com capacidade para a tomar por mulher e pagar por ela um bom dote?
O pai até lhe confidenciou que havia já sondado um jovem capaz de lhe dar um barlaque condigno!
- Mas eles só são meus amigos! Conversamos muito, eles ensinam-me a falar “malae nia li fuan” e eu acho que isso é muito bom para mim porque ganho mais conhecimentos! – tentava explicar a jovem, sem conseguir convencer ninguém da bondade daquela estranha amizade.
Em pranto, Namadi contou aos dois amigos os seus problemas familiares. Não sabia que fazer! Estava desorientada mas amava um deles e não queria perdê-lo por nada deste Mundo!
Foho, o dono do coração de Namadi, acariciava-lhe docemente o rosto enquanto beijava os seus cabelos negros e dizia-lhe baixinho:
- Namadi, minha doce princesa, não chores. Podes dizer abertamente aos teus pais quem eu sou. Na próxima sexta-feira, quando o sol estiver quase a desaparecer atrás das montanhas, eu vou lá apresentar-me e pedir-te em casamento. Quero-te ao pé de mim até ao resto dos meus dias!
Entre manifestações de ternura, Foho ofereceu-lhe uma pulseira em ouro porque era necessário sossegar os pais de Namadi sobre a sua condição. E Namadi sossegou e ensaiou a conversa que iria ter com os seus progenitores.
Era altura de abrir o jogo e Namadi falou. Contou aos pais, a toda a família, que se apaixonara por Foho porque ele era bonito, inteligente, alto, forte mas esguio, estranho, exótico. Enfim, ele era diferente!
Mostrou-lhes a pulseira de ouro que Foho lhe dera, à beira da nascente de água cristalina onde se haviam conhecido e onde costumavam ver-se trocando juras de amor eterno.
O tempo era o da verdade mas a voz da jovem Namadi tremeu um bocado quando ela decidiu falar. Foho viera de um reino diferente, um bocado distante e a entrada para esse reino era reservada a alguns e poucos tinham o privilégio de o conhecer. O outro jovem acompanhante de Foho era o seu preceptor e guarda. Tinha como obrigação acompanhá-lo para todo o lado..
A sua voz fez-se ouvir num fiozinho quando revelou que o reino do príncipe Foho ficava sob a nascente transparente que trazia a água para a aldeia.
Quase num sussurro disse que Foho não era um ser humano. Era uma cobra, uma jibóia e o seu nome verdadeiro era FohoRai; ele era um Rai-Na´in, dono da terra circundante e de todas as nascentes próximas, um príncipe. Ele preferia ser igual a si próprio e aparecer sob a sua forma original, só tomando forma de gente para não assustar ninguém nem levantar celeuma.
Em forma de gente, Foho era um belo rapaz moreno, de olhos castanhos rasgados e cabelo negro de azeviche e deslocava-se no carro branco, o tal que a ia buscar para os passeios de fim de tarde. Mas era um Rai-Na´in sério e queria casar com ela!


Continua amanhã

quarta-feira, agosto 23, 2006 

Fronteiras

Há muitos anos, quando Díli tinha 20 mil habitantes, a cidade terminava do lado de lá da ribeira de Comoro. Aqui, deste lado, precisamente até à ponte (na altura havia apenas as ruínas de uma ponte de antes da Segunda Guerra Mundial) estávamos em Bazar-Tete, fazíamos parte do posto de Bazar-Tete. Antes de Liquiçá ter passado a concelho, estas duas localidades estavam incluídas no Concelho de Ermera. Depois, Bazar-Tete ficou integrada no novo concelho de Liquiçá.
Já no tempo indonésio, com o crescimento da população urbana, foi preciso estender a cidade, o que se fez alargando a capital para estas bandas havendo, por consequência, que mudar as fronteiras. Foi assim que Comoro ficou sendo parte da cidade de Díli e que Tíbar marcava o princípio do concelho de Bazar-Tete.
Dizem os mais velhos que nesses tempos idos, as populações de Lorosae não se aventuravam por aqui. Vinham ao mercado, faziam negócio e voltavam para o Leste. Havendo naturalmente casos de pessoas que aqui viviam por estas bandas, parece que era na zona de Quintal Boot, Quintal Mascarenhas que se concentravam.
Nos tempos da ocupação indonésia, verificou-se alguma mudança com a maior mobilidade das populações de umas para outras zonas do país. Mesmo assim, os de Lorosae não passavam muito para além de Díli. Em 1999, depois do Referendo, grande parte das gentes do interior desceu à cidade. E foi já depois da independência que as populações do leste definitivamente se decidiram a criar raízes do lado de Loromonu, cujas habitantes se mantiveram dentro das fronteiras onde sempre haviam vivido.
Sabe-se que as soluções administrativas nem sempre são do agrado das populações locais. E, se a passagem de Liquiçá a concelho com a inclusão de Bazar-Tete foi pacífica – até por algum, pouco, desenvolvimento sócio-económico verificado– já o mesmo não se pode dizer da passagem de Comoro para o concelho e distrito de Díli.
Contrariados os de Loromonu pela vinda em massa dos habitantes de Lorosae, há , por parte da população do lado de cá, quem entenda ter havido por isso uma invasão de forasteiros de zonas consideradas suas, bem delimitadas, onde viviam e onde exerciam as suas actividades; há quem defenda, hoje, a reposição da anterior situação e que as coisas voltem ao que eram dantes. Ou seja, que Comoro volte a fazer parte do concelho de Bazar-Tete.
Percebe-se que a convivência entre as populações de Lorosae e Loromonu nunca foi nem muito acarinhada nem sequer aprofundada, tendo sido quase inexistente, não se querendo dizer com isso que essas sejam necessariamente razões para um conflito entre as populações das duas zonas geográficas de Timor-Leste. À falta de convivência também não terão sido alheias a falta de vias de comunicação, a distância entre as localidades e a própria morfologia do terreno. A isto soma-se a desconfiança natural entre gente que mal se conhece. E a percepção de que ninguém pensou ser urgente nem necessário para a construção da nação timorense a aproximação entre as populações de Lorosae e Loromonu.

terça-feira, agosto 22, 2006 

Que Deus nos acuda!


Para quem vive do lado de cá da cidade, antes da ribeira de Comoro, ir ao centro de Díli representa uma aventura. Quer se vá pela praia, quer se siga pela estrada do interior ou ainda quer se faça o trajecto via bairro Pité há o risco de ser apanhado no meio de uma briga em qualquer uma das dezenas de zonas de conflito.
Aqui em Comoro, todos os dias a cena repete-se. Os malaios guardam o local nos seus carros blindados enquanto os jovens do campo de refugiados próximo do aeroporto fazem de conta que estão muito atarefados tentando vender cartões de telemóvel aos automobilistas, tarefa a que se dedicam diariamente enquanto não chega a hora da troca de pedras que acontece mal os internacionais viram costas.

Atira-se uma pedra em direcção ao outro lado da rua onde moram outros jovens que, escondidos para não serem atingidos, esperam um bocado e respondem da mesma forma. Parece um jogo do gato e do rato! Quem precisa de se deslocar de carro ou espera que chegue o intervalo da luta, ou acelera… E a pé, não se anda. Mais vale ficar fechado em casa.
Hoje, na rotunda do aeroporto, ainda a manhã ia a meio e já a via estava cheia de pedras dos desacatos de fim de noite e do princípio da manhã. Contudo, parece que a sessão não foi suficiente e o tempo de descanso deve ter servido para preparar o ataque da tarde que, desta vez, visou os australianos. Diz a Lusa que os atacantes eram 30 jovens.
Ao fim da tarde fomos surpreendidos com alguns tiros (ficámos depois a saber que tinha sido a GNR para assustar
os delinquentes) quase em simultâneo com o ruído das sirenes. E logo a seguir o helicóptero voando baixo, procurando os transgressores. A área foi encerrada ao trânsito pela tropa australiana.
A essa hora já tinha terminado a reunião do Conselho de Estado. Não vai haver prorrogação das medidas de emergência. Não que a situação tenha melhorado. Acontece porém que enquanto a emergência durou, nunca desapareceram
os focos de violência. Ninguém respeita ninguém. E isto diz tudo.
Também por essa altura já eu tinha lido na primeira página do Suara Timor Lorosae que o líder parlamentar da FRETILIN propusera ao Parlamento a “constituição de uma comissão parlamentar de inquérito que investigue a veracidade relativamente a rumores de alegada posse de armas por alguns deputados, bem como sobre o seu envolvimento directo em assaltos ou na ordenação a populares do assalto a armazéns do Estado para além do envolvimento no caso da distribuição pela população civil para alargar a crise no país.”
Não está explícito na citação de que distribuição se trata mas tão grave isto me parece que o melhor é parar por aqui. Até porque, se a loucura tomou conta do país, então só nos resta mesmo esperar que Deus nos acuda!

segunda-feira, agosto 21, 2006 

Vou vender o peixe pelo preço que comprei


Têm entre 60 e 75 anos, fizeram parte do quadro do funcionalismo português. Quando se encontram, conversam sobre os tempos de antigamente, falando em bom português e disso mesmo se orgulham. Ao seu português associam as noções de respeito e de educação; não têm acanhamento em afirmar que têm saudades dos tempos em que eram mais novos e não havia violência. Criticam os jovens pela prática continuada da violência, pela falta de educação, pelo desrespeito pelas pessoas e também pela relutância em aprender a língua oficial, comentando que se esqueceram depressa do sofrimento do povo durante os 24 anos de ocupação. Estão deslidudidos e cansados!
Um mestre da zona de Manatuto, de farta cabeleira branca, olhar vivo, perspicaz, sobre a forma como lidava com o ocupante, conta que “No tempo da ocupação, falava em bahasa indonésio com os meus filhos quando estava em público. Mas, mal chegava a casa, só falávamos português. Assim os eduquei”. E frisa, “nunca me deixei esquecer da língua de Camões”.
Outro Katuas* de 65 anos de idade, cujo filho desapareceu aquando do massacre de Santa Cruz, sempre que quer contar algo que se lhe afigura importante mas do qual não está absolutamente certo, recorre ao conhecido: “vou vender o peixe pelo preço que comprei.”
É pegando nesta frase do Katuas e a propósito da violência que não pára, antes parece crescer a cada momento, que vou contar tal qual o que esta manhã ouvi a uma popular.
Dizem pra´í que nos bolsos de muitos jovens detidos há dinheiro, entre 30 e 50 dólares para além de que, também se diz, os bandos estão muito bem organizados e atacam preferencialmente de noite, aproveitando a escuridão; há ainda os que defendem que foram distribuídos drogas e que os autores dos actos de vandalismo actuam sob os seus efeitos. Estranhamente ou talvez não, por associação de ideias, isto faz-me lembrar outros tempos não muito longínquos em que o demónio andava à solta!
Por outro lado, há populares que estão a combinar a melhor forma de fazer frente aos atacantes que, asseveram, estão dentro dos campos de refugiados. Têm de se defender “porque os internacionais não estão a conseguir acabar com a violência” que irrompe diariamente em bairros diferenciados, sem qualquer explicação.
Diz ainda a popular que ontem, durante as horas em que não houve energia eléctrica, como que por artes mágicas, apareceu um corpo que jazia no meio da rua do bairro conturbado onde vive.
Ouve-se e diz-se muita coisa. Por se ter banalizado a ideia de que Timor é o país do rumor e do boato, quase sempre achamos que tudo o que se diz e se ouve é um exagero. Que nada corresponde à verdade; que “são mais as vozes que as nozes”, como gosta de dizer o catuas.
Mas, voltando agora a pegar numa frase do mestre de Manatuto, “não há fumo sem fogo”, pelo que talvez seja preferível levarmos mais a sério a voz do povo e prestarmos mais atenção ao que ele diz. Mesmo sabendo-se que, à boa maneira de Timor, a cada conto se acrescenta sempre um ponto!
Enquanto continuamos todos a querer acreditar que, apesar das evidências, ainda há controlo, sucedem-se os incêndios, as catanadas, os lançamentos de cocktail molotov e das rama ambom, os apedrejamentos, os tiros, os assaltos…
Talvez seja agora a altura de perguntar quem controla o quê, de procurar saber a quem importa que este país resvale definitivamente para a anarquia, para o descontrolo total e, finalmente, de saber a quem interessa que Timor-Leste seja um Estado falhado? Não acredito que haja um timorense que, no seu perfeito juízo, defenda isso!

* Katuas – velho, idoso

domingo, agosto 20, 2006 

O 31º aniversário das FALINTIL

Não foi assim há tanto tempo em que falar-se das F-FDTL implicava naturalmente recordar o passado glorioso das forças que as antecederam, as valorosas e lendárias FALINTIL!
Por coisa nenhuma, desperdiçou-se um passado de glória, de dádiva, de coragem e de entrega generosa pela nação timorense, pela pátria ocupada, humilhada, vilipendiada, sofrida. Por uma mão cheia de nada, desbaratou-se o respeito que lhes era devido por todo o povo timorense e do qual eram justamente merecedores.
Alcançada a independência, retornando à normalidade da vida de caserna, de tropa regular, esboroou-se, desapareceu como que por magia, a imagem que acompanhou os guerrilheiros na luta contra o ocupante. Perdeu-se a noção de disciplina que sempre os havia acompanhado no mato. Perdeu-se o conceito de grupo, a importância do trabalho de equipa. Enveredou-se por caminhos quiçá mais vulgares para os quais ninguém estava, percebeu-se tarde demais, preparado.
Talvez inadaptados, provavelmente desenraizados na sua terra, soçobraram a questões menores quando comparadas com a dureza da vida no mato. Talvez por terem tido finalmente a oportunidade de usufruir de bens de que se desabituaram nos longos anos de vida clandestina. Ou que nunca tenham tido, sequer! Talvez também porque ninguém tenha acompanhado, nem se tenha empenhado e trabalhado para a sua correcta reintegração na sociedade. Talvez ainda porque se tenha pensado que homens habituados a nada ter, continuassem a aceitar passivamente a tudo dar e a pouco ou nada receber.
Desfez-se o mito. Os homens quase-deuses são tão-só e apenas homens, sujeitos a fraquezas. E sendo embora um lugar comum, a verdade é que os homens erram. Erraram os homens das FALINTIL, os que integraram as Forças de Defesa de Timor-Leste bem com os que ficaram de fora, que não aguentaram continuar a ver-se rodeados de uma aura que ultrapassava a sua real dimensão.
Mas não foram só eles que erraram. Nem foram apenas eles que se deixaram levar por razões de importância menor. E também não foram só eles que se mostraram impreparados para levar a bom porto a difícil tarefa de reconstruir Timor-Leste.
É naturalmente doloroso reconhecê-lo. Mas impõe-se fazê-lo. Impõe-se exorcizar os males, compreender as razões do seu desalento, reconhecer os erros. E criar condições para que voltem a merecer o respeito e o carinho do povo a que pertencem, reabilitando a sua imagem. Porque os timorenses precisam de acreditar que existem, entre eles, seres de eleição, superiores na força moral, anímica. Para que ninguém mais se perca nem se desvaire. Para que desapareça a desconfiança e o medo que um homem fardado de F-FDTL agora transmite.
Que se salve, pois, o que puder ser salvo. E, apesar dos erros e das fraquezas, no 31º aniversário da criação das FALINTIL, parabéns FALINTIL-FDTL!

sábado, agosto 19, 2006 

Sortilégios da Mãe Natureza



Da janela da sala, olho o dia lá fora. É manhã cedo. O dia tem aquela luminosidade especial que o Sol lhe empresta quando ainda não subiu demasiado alto no céu.
E enquanto não oiço rádio, não tomo contacto com o Mundo real, mantenho-me em santa ignorância informativa e aproveito para divagar…
Descanso os olhos no verde das árvores do meu quintal. Detenho-me sobre uma papaieira em flor, das que vivem necessariamente ao lado das que dão papaias. A Natureza, na sua perfeição, tem alguns encantos curiosos. Por exemplo, há a papaieira-fêmea e a papaeira-macho que se completam e estão condenadas a viver juntas. De contrário, nem há ai-dilan funan(1) nem papaia madura.
A curiosidade é que no reino das papaieiras a fragilidade está com o macho. Papaieira florida é papaieira-macho. A flor é delicada, minúscula, de um tom verde-amarelado e é comestível.
Recuando uns largos anos, quando eu vivia em Lisboa, recordo a chegada do meu irmão João ao aeroporto da Portela numa delegação da Resistência timorense, com um belo ramo de flor-de-papaia a ser oferecido em gesto de delicadeza a uma mulher. E foram-na, sem dúvida. Logo nesse dia, as flores fizeram parte do meu almoço, depois de terem sido transformadas em modo-fila (2).
A fêmea, mais robusta, enche-se de papaias, umas redondas, outras mais alongadas, umas cor-de-laranja, outras mais cor-de-rosa. Africano que se preze como é o meu marido entende que há diferença entre as papaias. De acordo com a cor e o tamanho, umas são papaias, outras são mamões. Mas aqui em Timor a tudo se chama papaia, ai-dila, em tétum. E a propósito de ai-dila, alguém disse um dia que o nome da cidade de Díli, derivava precisamente da palavra ai-dila.
Da papaieira, tudo se aproveita, excepto o caule. A flor é óptima em modo-fila para o que também servem as folhas quando tenras. A papaia come-se verde ou madura. Quando verde e pequena, da ai-dila okir, faz-se igualmente modo-fila ou mistura-se com o milho, recheia-se com carne, come-se como se quiser.
O povo acredita nas virtudes medicinais da planta, que é um poderoso remédio contra a malária e que faz bem aos doentes diabéticos. E que também é um fortíssimo anti-oxidante. Assim, a água em que se cozem as flores, as ai-dila okir (3) e as folhas passa a chá medicinal.
O gosto… bem o gosto é muito particular. Há que gostar mesmo. Amargo, mas saboroso. Aliás, quem não aprecia o amargor coze a flor, a papaia e as folhas antes de as saltear para tornar o alimento mais leve, quero dizer, mais comestível…
E se à primeira experiência se torce o nariz, como tudo é uma questão de hábito, depressa se aprende a gostar. Refiro-me obviamente aos malais (4), de gosto ocidental. Porque os timorenses, de qualquer escalão social, desde que nasceram se habituaram ao prato de modo-fila de papaia, flor ou fruto, na sua mesa. E se dizem que não gostam, querem passar por malais ou estão muito halo-an(5), dirão os que reagem mal a essas tontices de gente sem memória nem identidade…
Há ainda a seiva, de um branco leitoso. Umas gotitas, mínimas, e a carne mais rija de um búfalo trisavô vira lombinho de vitela trineta!

(1) ai-dilan funan – flor de papaia
(2) modo-fila – legumes salteados em banha com alho esmagado com casca
(3) ai-dila okir – papaia tenra
(4) malais – estrangeiros
(5) halo-an – convencido, vaidoso


PS: Depois do texto pronto, fez-se luz! Estou sorridente: Já tenho INTERNET!!! Desde há dois minutos
.

sexta-feira, agosto 18, 2006 

Outra vez, nunca mais…

Teodoro tem 20 anos e viveu sempre num lugar perdido entre montes e vales, nas montanhas de Loromonu, de onde trouxe o falar baixo, o olhar sereno fixado sempre longe, sempre mais além. Ajudava o pai na horta e nunca pôde estudar. Os irmãos homens, todos mais velhos, há muito se fizeram à cidade grande, onde conheceram as modernas mulheres da cidade, das que já não usam lipa (1) e se converteram ao uso do vestido e das calças como os homens. Perderam-se de amores e com elas constituíram família. Não que isso tivesse sido do total agrado dos pais que preferiam moçoilas da montanha, mais afeitas ao trabalho rural. As da cidade, pensam os velhos da montanha, já não sabem trabalhar nos campos… Têm outras modas e modos…
Chegou o tempo de Teodoro partir. Disse adeus às lutas de galos, mirou e remirou as verdes montanhas que rodeavam o seu lugar, fez a trouxa de uma só camisa, de um só par de calças e veio para Díli. Apresentou-se ao trabalho, num lugar calmo, menos amplo que a sua montanha mas onde não lhe faltava o ar! Para seu descanso, ali trabalhavam outros amigos da sua montanha. Estava em família. Mas, família, família, eram os seus irmãos de quem ele estava cheio de saudades! E depois, o jovem queria passear, ansiava por ver o movimento de carros e de pessoas, tudo completamente diferente do seu lugar;lá, havia céu azul, sim, mas faltava o mar imenso para deleite dos seus olhos. Só de imaginar, os olhos de Teodoro brilhavam de deslumbramento!
Juntou duas folgas e, manhã cedo, mal se adivinhava o novo dia, ainda os pássaros mantinham as asas fechadas coladas ao corpo e mal haviam aberto os olhos, já o nosso amigo Teodoro se aprontara, camisa e calça domingueira, cheirando a Life Buoy, cabelo bem penteado para trás, peito para fora, quase parecendo um ba´i no(2) e pronto para a visita aos irmãos que não via desde que a crise rebentara.
Guilhermino, outro jovem a trabalhar há mais tempo na cidade, pacato e pouco dado a confusões, bem o avisou:
- Oh, Teodoro, olha que na capital as coisas não estão nada boas para passeios! Fica em casa! Aproveita para dormir…
Mas Teodoro não lhe ligou nenhuma. Olhou-o de alto a baixo, e afastou-se. Cogitando que, se onde ele trabalhava reinava uma certa acalmia, talvez o amigo estivesse a exagerar e, de certeza, na capital tudo estava na paz de Deus!
Em casa, todos ficaram apreensivos com a primeira saída do jovem montanhês pelo que, na noite anterior ao do regresso ao trabalho, os “tios”, gente também ela oriunda da montanha, amiga de infância e de folguedos dos pais dos dois rapazes, perguntaram a Guilhermino se o amigo Teodoro já havia voltado.
- Oh, tia, o Teodoro voltou esta manhã muito cedo e dormiu o dia todo! Ainda está a dormir! – respondeu Guilhermino sem conter uma risada.
- Então, vai acordá-lo, quero saber o que se passou - disse a tia velhota.
Passado algum tempo, um tempo bem longo, lá veio Teodoro, camisa e calças amarfanhadas, despenteado, olhos vermelhos, arrastando os pés, cabisbaixo e sem conseguir disfarçar o olhar assustado…
- Então, Teodoro, que te aconteceu?
E à fala habitualmente calma sobreveio o discurso em tom de voz elevado, rápido, atabalhoado, nervoso também.
- Bos nôte, tia!, bênção, tio! Não dormi nada! Aquilo é uma confusão. Durante a noite inteira eram só pedradas e gritos! Os de Lorosae todos os dias provocam os de Loromonu. Os de Loromonu têm de responder. Os meus irmãos estão cansados, não têm descanso! Tive medo. Foi só nascer o Sol e vim logo para casa! Agora, enquanto isto não sossegar, não saio mais. Prefiro gozar as minhas folgas aqui! Nunca mais!!!
Nunca mais, nunca mais… entreolharam-se os velhos tios recordados de outros dias de outros tantos nunca mais. Nunca mais é muito tempo! Um dia, tudo voltará a ficar calmo. Os homens hão-de cansar-se de tanta violência!
Os velhos viraram costas, dizendo, repetindo baixinho qual litania esperançada e lançada ao vento para espanto forçado do mal dos nossos dias, nunca mais, nunca mais… tanto tempo, muito tempo! Um dia… calma, calma… um dia voltará a calma, a paz… e nunca mais haverá crise nem guerra…
Pois, outra vez, nunca mais…

(1) – Lipa – Saia comprida e justa, enrolada em volta do corpo.
(2) ba´i no - jovem com certa formação escolar, pouco dado ao trabalho, diz Luís Costa

quarta-feira, agosto 16, 2006 

Vergonha

Nos tempos da ocupação indonésia, a cidade de Díli mostrava movimentação apenas quando o sol brilhava.
À noite e com o demónio à solta, os timorenses, sabendo que corriam o risco de desaparecimento por artes mágicas, preferiam manter-se fechados em suas casas, não fosse o diabo tecê-las!
Mas, mesmo durante o dia, as ruas estavam repletas de indonésios, militares, funcionários e transmigrantes. A noite pertencia totalmente aos militares. O país era deles.
Os timorenses escondiam-se, falavam baixo se alguém se lhes dirigia em tétum e suavam de medo olhando para todos os lados sempre que alguém com eles falasse em português.
Estava em curso toda uma preparação cuidada para acabar com a identidade timorense e criar um homem novo que deveria viver sob a batuta da ordem de Suharto.
Veio a independência e, com ela, o clima parecia de paz. As ruas regurgitavam de gente atarefada, o tráfego automóvel conhecia quase 12 horas de ponta, viajava-se de Lorosae a Loromonu, de Taci Feto a Taci Mane passando por Rai Klaran, indo ao Ataúro e a Oécussi, quase sem problemas.
Certo, sem dúvida, que aqui e além pontuassem alguns sinais de instabilidade. Entre estes, recorde-se a colocação de troncos de árvores nas estradas por populares de algumas regiões e consequente exigência de pagamento de direito de trânsito, as infiltrações de milícias na fronteira e os assaltos sazonais.
Certo ainda que das razões de descontentamento provocado pela mal conseguida governação se falava apenas em surdina. Nada era contudo determinante para manter ninguém fechado, nem se pôs em causa a liberdade de movimento das populações. Até Abril de 2006.
Com os acontecimentos violentos que se sucedem dia após dia, com os boatos que atravessam o país tão depressa como o vento, com a nossa incapacidade para vivermos em paz, participando na construção do país, para o que seria necessário que todos fôssemos considerados timorenses dilectos, de uma só classe, voltámos ao ambiente de antes de 1999. O medo tomou conta dos timorenses!
Mal se põe o sol, o povo resguarda-se entre portas. Não de suas casas, mas dos campos. E a terra fica sendo de ninguém. O demónio continua à solta e pode ter cara de anjo!
Durante o dia, escolhe-se com dificuldade cada vez maior, a via menos perigosa, a que esteja menos próxima das zonas de apedrejamentos. Anda-se na rua apenas se for de absoluta necessidade fazê-lo. Conversa-se enquanto se olha para o lado, sempre receando um qualquer ouvido espião que oiça e deturpe o que se diz. Ninguém viaja para os distritos a menos que se seja oriundo da zona. Todos têm medo de uma bala perdida.
O descontrolo interiorizou-se de tal forma que se acredita sem parar uns segundos para reflectir na razoabilidade do que é transmitido. Ainda há dias corria o boato de que a cidade iria ser sacudida por um violento sismo com dia, hora e magnitude predeterminados!
O descontentamento e a desvergonha chegaram a tal ponto que já se lêem confessadamente e se ouvem com um nada mais de discrição as opiniões de uns em manifesta e tortuosa saudade dos tempos anteriores à entrada das forças internacionais de 1999.
Quase parece ter-se varrido da memória de quem se mostra tão saudoso dos ocupantes todo o sofrimento por estes infligido aos timorenses!
Se se mantiver este clima de loucura e de desnorte de muitos e de desvergonha de outros tantos, não tarda nada surgirá um saudoso suficientemente desavergonhado e, certamente amnésico, a propor que algozes de ontem se façam heróis de hoje!
Por pior que tenha sido a governação dos primeiros anos de independência, ainda que o descontentamento tenha tomado tamanha proporção, nada justifica que se tente, sequer, aligeirar a culpa de quem ocupou, espezinhou e matou milhares de timorenses durante as duas décadas de presença no país. E menos ainda que alguém tenha a veleidade de aflorar sequer as suas “virtudes”.
Os que morreram por este país, desde 1975 e durante todo o período da ocupação indonésia que culminou no desvario de 1999, não merecem tamanha afronta!
E todos nós que estamos vivos e não perdemos a memória, de certeza nos sentimos cobertos de vergonha. Tanta vergonha que não admiraria que o sol ficasse oculto por um manto negro e, mais veloz que o vento do boato ou do rumor, o dia se fizesse noite escura!

segunda-feira, agosto 14, 2006 

Identidade Cultural Timorense

Na primeira página do diário STL, a manchete de um dia da semana passada referia a frase do Primeiro-Ministro proferida numa visita à GNR que “se não fosse Portugal, não seríamos hoje independentes”.
Noutra ocasião e mencionando a GNR, o ministro do Interior, Alcino Baris, esclareceu que a sua presença, a par das outras forças internacionais, resultou de um pedido das autoridades timorenses.
Pertinente, sem dúvida, o esclarecimento dos dois governantes, agora que os comentários negativos sobre a intervenção portuguesa em Timor começaram a fazer-se ouvir mais amiúde. O desconhecimento da História a que se junta a conduta leviana, irreflectida de um grupo de pessoas interessado em manter a insegurança parece estar na origem da contestação.
É pertinente que se esclareça particularmente a geração mais nova que nasceu no tempo da ocupação que a luta pela independência não se fez apenas dentro do território. Contou com os timorenses que viviam no estrangeiro, melhor, que foram obrigados a procurar nova forma de vida lá fora – Portugal, Austrália e alguns PALOP - e, sobretudo, importa dizer que não fomos apenas nós, timorenses, que lutámos por ela. Tivemos muitos apoios e Portugal está, sem dúvida, à cabeça dos países que nos ajudaram a conseguir a independência, ainda que se saiba que havia alguns interessados em entregar o ouro ao bandido.
Mas, porque desses fracos não reza a História, é melhor que se deixe bem adormecida a sua triste e também leviana intervenção e ignorá-los até porque no cômputo final, Portugal saiu a ganhar e os timorenses sabem-no bem. Não passou assim tanto tempo sobre os acontecimentos de 1999 e as imagens da solidariedade portuguesa ainda estão bem presentes!
Porquê o descontentamento timorense? Sem aprofundar muito, se houvesse uma lista, dela constaria, entre muitos outros pontos, a difícil situação económica do país, a consequente precariedade das condições de vida e a altíssima percentagem de desemprego que incide justamente sobre os jovens.
Quem hoje contesta a presença portuguesa do país conhece apenas superficialmente a História mais recuada de Timor. No tempo da Indonésia, só a história deste país tinha importância. Portugal era o país então apontado como a potência colonialista que havia deixado Timor-Timur sem estradas, sem energia eléctrica, subdesenvolvido.
Por outro lado, a potência ocupante empenhava-se esforçadamente para que os timorenses mais jovens se convencessem de que sempre haviam feito parte da grande nação indonésia, apenas dela se afastando por causa de Portugal.
Educados no sistema indonésio, falando fluentemente o bahasa indonésio, gozados também pela qualidade menor das suas licenciaturas – ficou conhecido o ilustrativo epíteto sarjana supermin atribuído por Mari Alkatiri - e ignorando completamente a língua oficial consignada na Constituição, o português, esses jovens têm grandes dificuldades para singrar profissionalmente.
Pecando pela ligeireza de raciocínio, ou olhando só para a causa mais próxima, são justamente esses jovens que durante o tempo da ocupação indonésia foram os seus mais ferozes detractores e que tardam em falar português – também porque ninguém cuidou da sua integração no novo Timor, o da independência - que contestam a presença da GNR.
Talvez por isso fosse também indispensável – a par do que aqui se chama “socialização” -, sensibilizar esses jovens para a importância essencial da identidade cultural de um país. Timor-Leste tem uma cultura própria, rica. É um país cheio de tradições. Tem História. Mas isso também as mais de duas dezenas de províncias indonésias têm e por isso a Indonésia fala da “unidade na diversidade” do país!
O que torna Timor-Leste distinto, são dois componentes basilares que fizeram de nós diferentes dos timorenses do outro lado da ilha, o Loromonu de Timor, o Timor indonésio, a província de Nusa Tenngara Timur. Não fosse a língua portuguesa e a Religião Católica em que a nossa identidade cultural está alicerçada e seríamos hoje e sem contestação parte integrante da Indonésia!

domingo, agosto 13, 2006 

Casamento em Timor

Duas questões de pormenor e a continuação de falta de acesso à INTERNET, porque ainda agora estão a abrir as valas para a colocação de cabos, fizeram com que por dois dias não tivesse oportunidade de postar.
Há mais de uma semana que tínhamos viagem marcada para Denpasar, Bali e desde logo ficámos em lista de espera. Na sexta-feira, dirigimo-nos três horas antes da chegada do avião esperando que, por um golpe de sorte, fôssemos chamados a embarcar. Mas foi em vão. Depois dessas três horas em pé à espera do tal golpe de sorte, voltámos para casa tão cansados como se tivéssemos feito uma viagem de oito horas até à praia de Tutuala.
Já lá foi o tempo em que havia sempre lugar. Mas, desde que a companhia indonésia descobriu que o número de passageiros descera dos 85 para 65 – logo, se tornara menos rentável -, reduziu a frequência diária dos voos para quatro dias por semana. Para além disso, porque a pista do aeroporto não é suficientemente comprida, em vez dos 120 passageiros que comporta o avião, apenas transporta 100 e tudo se torna ainda mais difícil.
Apesar de tudo, o avião da companhia indonésia tem um tamanho razoável e é confortável. O mesmo não acontece com o da companhia australiana Airnorth. O elevado preço do bilhete não corresponde às condições do avião que, de tão pequeno – não estou certa mas creio que transporta entre 10 a 15 pessoas - a ninguém é permitido levar mais do que 13 quilos na bagagem, muito embora tenha direito a 20 kg. E é bom rezar a todos os santos que nos poupem a uma contratempo fisiológico pois nem sequer há casa-de-banho!
É o que faz sermos tão dependentes…

Ontem, o dia foi diferente. Tinha convite para dois casamentos realizados quase à mesma hora. Mas, como não tenho o dom da ubiquidade, apenas pude ir a um, ao da filha do Nazário. Liliane, a noiva e Gerson, o noivo, vieram casar-se a Timor. Vivem no Reino Unido, destino que, a par da Irlanda, um vasto grupo de timorenses jovens escolheu para trabalhar já depois da independência. Da Austrália, vieram os padrinhos emigrados em Melbourne desde 1975, outro ano de má memória na História de Timor.
O tempo em que as festas duravam até às tantas, com música ininterrupta “até ao raiar do sol” faz parte do passado. Ainda que estejamos a falar de um passado bem recente de três meses, nunca mais as noites habitualmente silenciosas da cidade, cortadas pelo ruído dos grilos, morcegos ou toqués, foram interrompidas pelo som da música que abafava qualquer outro ruído nocturno...
Com a insegurança instalada, as festas de agora começam cedo e terminam antes do anoitecer. Mas, como dizia Anito Matos, o animador de serviço, devíamos aproveitar bem as poucas horas que tínhamos para conviver, divertir-nos, comer e dançar, até porque a segurança do recinto estava garantida.
Diga-se contudo que, já antes da crise, mais concretamente nos primeiros tempos da transição para a independência e mesmo depois dela, era preciso avisar a polícia e contratar seguranças para precaver e evitar os apedrejamentos de jovens em fúria que viam goradas as suas tentativas de participar nas festas utilizando o estilo “penetra”. Conta-se que irrompiam de imprevisto pelo salão sem cerimónia nenhuma. Se lhes apetecia, dançavam. Se a cólera que os atacava era superior à vontade de um pé de dança, dirigiam-se à cozinha e davam cabo de tudo, não sem levar consigo tachos e panelas cheios de comida, perante a incapacidade de reacção e a estupefacção dos presentes.
Um casamento timorense é sempre um espectáculo de luz, som, cor e fartura de comida e de convidados. A capacidade financeira da família não é determinante para o maior ou menor número de convidados e menos ainda para o fausto da cerimónia e dia de casamento é dia em que as diferenças sociais se esbatem e as dificuldades se tornam inexistentes… até ao dia seguinte.
Depois de concluídos e combinados os pormenores decididos nas longas reuniões de família, todos os parentes contribuem para que a festa seja um sucesso, o que acontece normalmente porque as várias pessoas encarregadas cada uma delas de uma tarefa precisa na complexa organização da festa se esforça para o esplendor e o brilho da cerimónia.
Hoje, nada faltou a não ser que diminuiu o número de convivas. Em vez dos mil a três mil habituais estavam 600 pessoas. E foi com pompa e circunstância que a cerimónia se iniciou em ambiente solene na Igreja de Motael, com missa acompanhada por um coro entoando a preceito canções adequadas ao momento.
Ninguém atropela ninguém, respeita-se o lugar na fila para a longa mesa cheia de pitéus de sabor timorense, português, chinês e indiano, tudo fazendo parte da gastronomia local e, em menos de nada, todos estão servidos. Depois, como também é usual e mandam as regras, a mesa do banquete, deve continuar bem apresentada, repleta.
Os convidados apresentam-se vestidos a rigor. Ressaltam as crianças nos seus fatos de tule ou chiffon branco, rosa ou azul e as jovens, elegantes, bonitas, pouco pintadas, bem penteadas, cabelos escuros apanhados na nuca ou soltos pelas costas, trajando vaporoso fato comprido condizendo com sapatos de salto de dez centímetros de altura, meneando-se em contínua passagem de modelos, dançando sucessivamente, sorrindo, seduzindo, deixando-se levar voluptuosamente nos braços dos rapazes igualmente elegantes, sedutores e bem vestidos, gel no cabelo onde por vezes e à moda pontuam nuances loiras, brinco na orelha…
A animação toma conta de todos e nem os katuas* escapam ao clima de festa. A pista enche-se e todos dançam ao ritmo de música tão diversa como “Suru Boek”, “La cumparsita”, “I can´t stop loving you”, “O bailinho da Madeira”, “Olha a marcha do Benfica”, “Cartas de Amor” ou “Encosta a tua cabecinha no meu ombro e chora”.
De tão natural é o recurso a canções em português do tempo antigo, o da colonização portuguesa, que ninguém repara que o cantor é jovem , nasceu no tempo da ocupação indonésia e mal fala português… Talvez também porque, como a feijoada, a caldeirada de cabrito, o pão-de-ló ou o pudim são já pratos típicos de Timor, se acredite que essas canções são da autoria de um timorense do mais recôndito, profundo e escondido canto de uma montanha perdida de Timor-Leste…


* katuas - velho

quinta-feira, agosto 10, 2006 

Crenças e crendices

A violência grassa pelas ruas da cidade, sobem de tom as provocações e os insultos, banalizam-se os apedrejamentos e os ataques com armas tradicionais.
E à grosseira manifestação da vontade de quem não tem mais nada que fazer se não passar o tempo postado na berma da via pública à espreita de um qualquer pretexto para intervir, os rapazes acrescentaram agora outra modalidade ao rol da sua extensa lista de malvadez com a escrita de palavras ofensivas na via pública em português vernáculo, como hoje vi junto da ponte de Comoro, adivinhando-se bem a quem se dirigem.
As histórias que se vão contando à boca pequena, de tão mal engendradas espantam qualquer pessoa. No entanto, elas passam de boca em boca e de tão repetidas passam a perigosas verdades e não há nada que convença os atentos ouvidores dessas histórias de que não devem ser tão crédulos.
A quem pode servir o arrastamento desta crise? Quem estará tão interessado que em Timor se aplique o dito de “quanto pior, melhor”?
Esta sensação de constante insegurança cansa e envergonha! Tanto cansa e envergonha que vou fazer uma pausa, nem vou falar do cansaço e da vergonha, antes vou contar uma outra história de quando em Timor-Leste tudo era esperança, tudo eram sonhos. Não foi assim há tanto tempo. O tempo era de convicções e nós estávamos no limiar da nossa independência.

Depois de alguns meses a viver em casa do meu irmão João, mudámo-nos para a casa acabada de construir da minha irmã mais nova. Ainda não havia jardim nem pomar. Nada. O quintal ainda era só de pedras e pedaços de madeira espalhados aqui e ali. Nos terrenos circundantes era mato.
A varanda da casa, com chão de azulejo branco, convidava ao descanso. Ali ficava horas a fio olhando a colina onde em tempos havia uma casa. A da minha mãe. E de que nada resta senão o chão em cimento cinzento e uma vista lindíssima sobre mar com o Ataúro, Alor ao fundo. E, obviamente, recordações e saudades de um outro tempo.
Caía a tarde e eu recolhera-me por momentos. Mal pus de novo o pé na varanda, vi uma cobra pra´i de metro e meio, preta, comprida, feia. A cobra escorregava no chão brilhante, não conseguindo sair do mesmo sítio. Gritei de medo, naturalmente! Tanto que dois empregados se aproximaram numa correria, pensando que um malfeitor se havia introduzido em casa. (Na altura por malfeitor entendia-se milícia…)
O Marcelino, sem medo, pegou na cobra. Fez de conta que me perguntava que fazer com o bicho mas foi ditando a sentença: vou largá-la no mato. Ela vai ter a casa dela.
O episódio fez história e alimentou a imaginação da gente das redondezas. O ano de 1999 estava tão perto que ainda ninguém esquecera o horror desses dias!
Olhando-me de soslaio, perguntou a Bety, mal me viu: a senhora matou a cobra? Respondi-lhe que não e ela retorquiu: Ainda bem, porque se o tivesse feito, a família dela, os pais e os filhos da cobra, vinham procurá-la. Respirei aliviada!
A Isa dizia-me que podia tratar-se da incarnação de uma das vítimas das milícias. Portanto, para sossegar a alma errante feita cobra, deveria pedir a um padre que benzesse a casa.
Outro mais velho, animista, foi-me avisando: isto pode ser inveja! Ele é o diabo! O melhor é fazer um lulik para salvar a senhora e a casa de qualquer mau-olhado!
Nestas coisas do outro mundo, eu não meto prego nem estopa. Sou uma ignorante e cumpro rigorosamente o que há para fazer. Nem discuto! Eles é que sabem!
Falei com o padre e em dia aprazado benzeu-se cada canto da casa e do quintal numa bela cerimónia em que todos participámos de vela acesa na mão acompanhando a reza e a bênção. No fim, à boa maneira timorense, reunimo-nos à mesa. Chegara o tempo de confortar o estômago.
O Filomeno meteu uma cunha a um especialista do burgo na arte de espantar maus-olhados; pela calada da noite próximo da madrugada, fez as suas rezas, espalhou as mezinhas pelos quatro cantos da casa e deu de comer aos bichinhos que encontrou: grilos, carochas, formigas. Manhã cedo soube que estava tudo resolvido. Estávamos salvos da cobra, homem feito animal, alma penada ou belzebu, sei lá!
O que sei é que quando nos mudámos para a nossa casa nova, também sem flores, sem árvores, com pedras e paus, nem fiquei à espera que a prima da cobra de há quatro anos aparecesse! Cumpri tudo à risca! Até hoje, deu certo!

terça-feira, agosto 08, 2006 

A ignorância é muito atrevida

Não era assim no tempo da colonização portuguesa. Porém, durante os vinte e quatro anos de presença indonésia e com a saída do país de grande número de timorenses em 1975, introduziram-se novas práticas de vida entre as quais a ocupação e apropriação indevida de bens que se tornaram um hábito banal no país.
Durante esses anos, muitas casas foram ocupadas por cidadãos indonésios. Outros, que escolheram a então 27ª província para viver, foram adquirindo bens imóveis a verdadeiros donos ou a outros que como tal se consideravam. Bens que deixaram para trás quando regressaram em fuga ao seu país devido aos acontecimentos de 1999. Com esse êxodo, acrescido ao da saída de refugiados timorenses para o Timor indonésio, e com a vinda para a cidade de grande número de habitantes do interior de Timor, deu-se nova ocupação de casas.
Já é tempo da independência mas, antes sendo displicentemente ignorado, permanece sem resolução um grande número de situações umas complexas, outras nem tanto. Alguns proprietários conseguiram reaver os seus bens; não foi tarefa fácil nem mesmo com a intervenção da Justiça, uma vez que os novos ocupantes se negavam a prescindir do que já consideravam seu.
São inúmeros os casos conhecidos em que o verdadeiro dono de uma casa ou de um terreno tem de indemnizar o novo morador não só pelo uso da casa como também pelo plantio instantâneo de uma bananeira apenas para marcar terreno ou de uma horta que lhe deu proveito. Sobre qualquer coisa o novo morador entende dever receber algum ganho porque “tenki selu hau nian kole no servisu”*.
Por outro lado, nos vários bairros, os moradores de Loromonu e de Lorosae - mesmo que o não fossem desde sempre, eram-no há muito mais tempo - consideram como forasteiros quem chegou à cidade em 1999. E estes vieram quase todos do Leste, de Lorosae. Novos no meio, ignorando as regras e desconhecendo quem era ou não proprietário – talvez também pela interpretação errada do conceito independência -, foram ocupando casas no centro da cidade e nos arredores, fazendo hortas, criando raízes, por isso começando a ser mais tolerados e melhor aceites pela população mais antiga.
Os acontecimentos deste ano ditaram o retrocesso e os mais novos passaram a ser uma vez mais considerados forasteiros. Muitos voltaram para as suas terras de origem. Outros, em maior número, refugiaram-se nos vários campos de acolhimento. Aeroporto, Hospital e Porto de Díli são justamente os campos onde se nota maior ocorrência de incidentes entre refugiados e moradores das respectivas zonas.
Com a promessa de realojamento dos deslocados pelo Primeiro-Ministro e simultâneo pedido de regresso a suas casas, muitas delas ocupadas indevidamente disso havendo conhecimento e desleixo das autoridades.
Com a intransigência dos outros habitantes desses bairros. Com os incidentes que diariamente se registam no Bairro Pité, na área interior da Praia dos Coqueiros, em Tuana Laran, em Comoro,(de Fatu Hada até Taci Tolu passando por Manleuana, Ai Mutin, Delta, Bebonuk, Hudi Laran etc, etc.) em Bécora, em Bidau (Massau, Lecidere, Santana), em Taibesse…
Com a conclusão determinante do subsecretário de Estado norte-americano ao defender que "os deslocados têm de sair dentro de um mês ou dois, porque não podem ficar indefinidamente nos campos”, e porque, segundo o mesmo, cabe às autoridades timorenses trabalhar em primeiro lugar para criar um clima de segurança.
Quem pode garantir – particularmente depois do recrudescimento da violência nestes últimos dias – que em dois meses tudo voltará ao que era dantes, que as populações se aceitem e relevem as provocações, ataques e insultos mútuos? Quem e como se garante a reintegração de todos quantos têm de viver lado a lado?
Uma tomada de decisão no sentido de fazer regressar as populações deslocadas deverá sê-lo alicerçada na reposição de valores como o respeito, a tolerância e a educação.
Dois meses representam muito pouco tempo para uma solução em que o objectivo seja a criação e restabelecimento de paz. Se, pelo contrário, tudo se fizer apenas para cumprir calendário, mantendo todas as situações nunca resolvidas pelo governo anterior, a paz, se imposta institucionalmente, não interiorizada nem sentida pelas pessoas, continuará a ser podre.
Ampliada pela crise persistirá escondido mais um argumento para o renascer sem hora marcada da violência originada pela estúpida, gratuita e insensata questão criada em torno da divisão geográfica Lorosae, Loromonu. Uma questão exacerbada e posta em prática precisamente porque a Justiça, devidamente aplicada - e apesar de muitos discursos, muito debate e muita controvérsia -foi nestes anos considerada um bem excedentário. E, obviamente, quem nasceu sob o signo da violência, habituou-se a viver e a tudo fazer sem regras, impunemente, sob o olhar superior, distante da classe dirigente entediada com essas pequenas coisas do povo…
Satisfazemo-nos com os números, os fundos depositados, regozijamo-nos pelo facto de não termos dívidas. Entretanto e enquanto se negligencia a qualidade de vida de quem hoje é adolescente e adulto, se mantém descurada e adiada a educação cívica da actual população que deveria estar preparada para a transmitir aos mais novos, defende-se que os nossos netos terão outra qualidade de vida.
Mas, se a educação, o respeito e a tolerância não constam dos atributos da população actual, quem irá passar o testemunho aos netos? E que testemunho, que herança, serão transmitidos?

* Tenki selu hau nian kole no servisu – Deve pagar-me o meu esforço e trabalho

segunda-feira, agosto 07, 2006 

Há medos e medos

Ontem à noite estávamos na cama, no escuro, a ouvir os ecos de gritos e de ferros a bater uns nos outros ao longe, e a minha mulher começou a contar-me como o ruído dos metais a fazia lembrar do que aontecera na terra dela, Liquiçá, em 1999. Perante a aproximação das hordas dos assassinos pirómanos da milícia Besi Merah Putih, os habitantes batiam nos ferros que arranjassem ou nos postes de electricidade para tentar atrair socorro.
Pensei no que seria crescer a sentir medo, senti um nó na garganta. Em 1999, em Portugal, eu era membro de associações de direitos humanos, de ONGs, de movimentos de solidariedade, e tinha muitos anos de convívio com a comunidade timorense aí exilada. No “Setembro Negro” estava em Bissau, num projecto de formação de professores, e quando ía à Guiné Telecom ver o meu e.mail tinha a caixa de correio cheia de mensagens de uma lista de discussão de timorenses de que era membro onde se cruzavam agora informações sobre o paradeiro de familiares de amigos meus da diáspora. Fulano tal foi morto, sicrano desapareceu mas a tia de tal disse que o viu a fugir para Dare, ou para Atambua, ou para uma valeta qualquer...
Estava solidário e triste com as dores e a ansiedade dos meus amigos, mas não estava directamente implicado. Ontem, com a cabeça da minha mulher apoiada no meu ombro, perguntei-me como era possível tantos timorenses continuarem a arranjar coragem de recomeçar de novo depois de tantas vezes terem perdido tudo: casa, bens, entes queridos... Lembrei-me de como no nosso casamento, lá em Liquiçá, ela me apresentava às amigas da escola e depois de algumas delas se afastarem acrescentava “O pai dela foi morto em 99”.
Um perfume suave emanava dos seus cabelos e continuou a falar, explicou-me que depois do massacre na Igreja se ficava agoniado com o cheiro a sangue quando ainda se estava longe do recinto.
Perguntei-lhe se agora tinha medo como nessa altura. Respondeu-me que em 99 os polícias e militares eram indonésios, os pedidos de socorro eram inúteis, o medo era sem esperança, agora é diferente, agora há a GNR.

 

Quem olha por Díli?

Em 1999, Díli estava deserta e a maior parte das casas estava abandonada pelo êxodo forçado dos seus locatários. A insegurança, tal como hoje, obrigava a fugas tão imprevistas quão desesperadas. Uns deixaram tudo para trás e refugiaram-se no outro lado da ilha. Outros, os imigrantes indonésios, retornaram ao seu país. Outros ainda, também eles fugindo das milícias que semeavam o terror com a aquiescência das tropas indonésias, desceram das montanhas. Vieram para a cidade e aqui se deixaram ficar, ocupando as casas que haviam sido abandonadas. Havia ainda quem não se tivesse abrigado em nenhuma casa de pedra e cal antes preferindo recriar na cidade o seu modo de vida da montanha.
Quem esteve em Timor-Leste nesse ano de 1999, há-de lembrar-se, certamente que, ali defronte do Palácio do Governo, bem junto ao mar, em menos de um ai nasceu um aglomerado de cabanas, onde não faltavam os “amigos” porcos para completar o quadro bucólico da montanha.
Díli, quase totalmente destruída, era um dó de alma. Pior que hoje. Umas às outras seguiam-se as casas incendiadas. Umas atrás de outras calcorreavam-se as ruas, em busca de um sítio para abrigar-se do sol, para comer e dormir ou comprar qualquer bem básico. Havia também os que percorriam os cantos todos, incansavelmente à procura de uma casa-de-banho. E, quem a encontrasse, chamava-lhe sua, dela guardando máximo segredo se tanto partilhado por mais uns dois ou três elementos de confiança!
Convém recordar que, de acordo com quem ficou na cidade, enquanto os refugiados saíram com a roupa no corpo, os militares transportavam nos camiões para o porto de Díli tudo o que encontravam, incluindo colchões, mobílias, torneiras, portas, sanitas…
À procura de casa-de-banho não precisavam de andar os novos moradores do jardim fronteiro ao Palácio. Afinal, o mar estava mesmo ali…
A imponência do Palácio do Governo ficou por uns tempos reduzida. O que então sobressaía na paisagem era o aglomerado de cabanas e as pessoas de olhar vago, errante, inadaptado, provavelmente perdido na lonjura do mar recordando o que haviam deixado na montanha. Contemplava-se o mar e dele se fazia a sua casa-de-banho, tal como o espaço vazio à sua volta.
Lembrei-me disto ao passar defronte do mercado improvisado que se estende pela marginal de Díli, próximo do mar e das embaixadas. Ali, as pessoas não têm o olhar perdido de 1999, tempo sobre o qual passaram já seis anos. Andam todos numa lufa-lufa, arranjando o melhor que podem as suas bancas de peixe, fruta, legumes, cocos ou roupa, imperturbáveis perante a vã tentativa de fuga dos frangos e galinhas das gaiolas em que os guardam apertados. Mas, de olhar ansioso, perscrutam à sua volta e não perdem pitada de nada. São quase todos de Lorosae e mantêm-se de sobreaviso.
Também ali, o mar se espraia e se oferece a quem nele queira descansar os olhos. E aquele mar que se contempla de olhar esquecido serve igualmente de casa-de-banho, como aliás o campo junto da Pertamina.
Em Agosto, os dias estão mais frescos, há quase sempre uma brisa no ar, vento forte algumas vezes, mas o sol continua a queimar! E porque não chove, os cheiros, bons e maus, tornam-se ainda mais intensos. Infelizmente, naquele mercado, os cheiros maus sobrepõem-se a tudo.
E se isso acontece numa zona de eleição, escolhida para acolher as embaixadas, onde também moram figuras públicas como o administrador da cidade, imagine-se o que será noutros locais menos evidentes!
Talvez fosse de aproveitar este momento para se lavar, rearrumar, rearranjar e planificar a cidade de Díli, aproveitando-se para construir, finalmente, instalações capazes para esses vendedores. O que só será possível se houver regras definidas para a ocupação dessas instalações. E, claro, desde que todos tenham casa, única forma de evitar que façam de um qualquer espaço vago casa, local de trabalho, dormitório, refeitório, sanitários, curral e galinheiro. Tudo no meio da rua.
Quanto às casas e sua ocupação arbitrária, isso dará para mais uma conversa. Amanhã…

sábado, agosto 05, 2006 

Um conto e um ponto mais...

Em menos de 24 horas, Christopher Hill, o subsecretário de Estado norte-americano para o Sudeste Asiático e Pacífico visitou Díli, falou com o PR e com o Governo e tirou as conclusões.
Ficámos a saber que os EUA acompanham com preocupação a situação e vão continuar a apoiar as autoridades timorenses na resolução da crise que é, no seu entendimento, um problema interno e não internacional. E como a resolução da crise "é claramente mais um trabalho de natureza policial do que de natureza militar", está aberto o caminho para a vinda de uma força policial em detrimento de "capacetes azuis" na futura missão da ONU.
As forças internacionais estão para ajudar e não para ficar, diz Christopher Hill que deixa o aviso de que Timor-Leste tem de trabalhar para criar um clima de segurança, resolver com urgência o problema dos refugiados que deverão abandonar os campos de acolhimento dentro de um mês ou dois, - porque não podem lá permanecer indefinidamente - convencê-los a voltar para suas casas e esperar que os moradores que permaneceram nesses bairros aceitem serenamente o seu regresso.
Não sei até que ponto se conseguirá resolver a questão a contento de todos e em tão curto espaço de tempo. Cada dia que passa, aumentam as provocações, os incidentes, os espancamentos, os apedrejamentos. Apesar das forças internacionais.
Em quase todas as zonas onde persistem os problemas, a maior parte das vezes não se vêem, mas estando por perto, deixam-se estar sentados, de braços cruzados, a observar a cena. Como aconteceu hoje de manhã, em Comoro quando, lá do alto dos tanques de guerra, os da força malaia assistiam impávidos os apedrejamentos entre os jovens do bairro situado do lado de cima da rua contra outros jovens refugiados no campo junto ao aeroporto.
Idêntica postura é a dos australianos. Aliás, a Austrália anunciou já o início da redução do número das suas tropas - mas, só o faz porque a situação da segurança no país está a evoluir favoravelmente -, o que vai de encontro às declarações do subsecretário de Estado norte-americano. Em clara e perfeita sintonia reconhece-se que a situação no terreno exige essencialmente operações da polícia.
De fora, ficam os “Bravos” da GNR. Actuam quando é preciso e têm fama de maus, mas impõem respeito.
Coincidência ou talvez não, há por aí entre a população umas histórias sobre a parcialidade da força portuguesa. Dizem então uns que “os da GNR nunca prendem ninguém de Lorosae, só os do Loromonu, coisa que não fazem os australianos que actuam de forma isenta”. Quando se pergunta “como é que eles, os da GNR, reconhecem uns e outros?”, a resposta vem rápida, “é que há três timorenses integrados na força”.
Quem conta a história fá-lo muito a medo e consciente de que “não viu, mas também já ouviu falar”, dando razão à velha questão do ponto aumentado ao conto e do segredo recontado, repetido, tudo em murmúrio muito sussurrado, contribuindo para a dimensão multiplicada do rumor.
Não sei porquê, fiquei desconfiada. Podendo também ser acusada de facciosismo, está a parecer-me que também há por aí quem esteja interessado em que a GNR não fique em Timor-Leste… E já agora, e ainda que mal pareEm menos de 24 horas, Christopher Hill, o subsecretário de Estado norte-americano para o Sudeste Asiático e Pacífico visitou Díli, falou com o PR e com o Governo e tirou as conclusões.
Ficámos a saber que os EUA acompanham com preocupação a situação e vão continuar a apoiar as autoridades timorenses na resolução da crise que é, no seu entendimento, um problema interno e não internacional. E como a resolução da crise "é claramente mais um trabalho de natureza policial do que de natureza militar", está aberto o caminho para a vinda de uma força policial em detrimento de "capacetes azuis" na futura missão da ONU.
As forças internacionais estão para ajudar e não para ficar, diz Christopher Hill que deixa o aviso de que Timor-Leste tem de trabalhar para criar um clima de segurança, resolver com urgência o problema dos refugiados que deverão abandonar os campos de acolhimento dentro de um mês ou dois, - porque não podem lá permanecer indefinidamente - convencê-los a voltar para suas casas e esperar que os moradores que permaneceram nesses bairros aceitem serenamente o seu regresso.
Não sei até que ponto se conseguirá resolver a questão a contento de todos e em tão curto espaço de tempo. Cada dia que passa, aumentam as provocações, os incidentes, os espancamentos, os apedrejamentos. Apesar das forças internacionais.
Em quase todas as zonas onde persistem os problemas, a maior parte das vezes não se vêem, mas estando por perto, deixam-se estar sentados, de braços cruzados, a observar a cena. Como aconteceu hoje de manhã, em Comoro quando, lá do alto dos tanques de guerra, os da força malaia assistiam impávidos os apedrejamentos entre os jovens do bairro situado do lado de cima da rua contra outros jovens refugiados no campo junto ao aeroporto.
Idêntica postura é a dos australianos. Aliás, a Austrália anunciou já o início da redução do número das suas tropas - mas, só o faz porque a situação da segurança no país está a evoluir favoravelmente -, o que vai de encontro às declarações do subsecretário de Estado norte-americano. Em clara e perfeita sintonia reconhece-se que a situação no terreno exige essencialmente operações da polícia.
De fora, ficam os “Bravos” da GNR. Actuam quando é preciso e têm fama de maus, mas impõem respeito.
Coincidência ou talvez não, há por aí entre a população umas histórias sobre a parcialidade da força portuguesa. Dizem então uns que “os da GNR nunca prendem ninguém de Lorosae, só os do Loromonu, coisa que não fazem os australianos que actuam de forma isenta”. Quando se pergunta “como é que eles, os da GNR, reconhecem uns e outros?”, a resposta vem rápida, “é que há três timorenses integrados na força”.
Quem conta a história fá-lo muito a medo e consciente de que “não viu, mas também já ouviu falar”, dando razão à velha questão do ponto aumentado ao conto e do segredo recontado, repetido, tudo em murmúrio muito sussurrado, contribuindo para a dimensão multiplicada do rumor.
Não sei porquê, fiquei desconfiada. Podendo também ser acusada de facciosismo, está a parecer-me que também há por aí quem esteja interessado em que a GNR não fique em Timor-Leste… E já agora, e ainda que mal pareça, fica a pergunta: a GNR é uma força policial, não é?

sexta-feira, agosto 04, 2006 

Mais violência, mais insegurança

Reacenderam-se os focos de violência em vários pontos de Díli. Aqui, na rotunda do aeroporto, a via está pejada de pedras. Diz-se que houve mais uma vítima de catanada no mercado de Comoro. De acordo com moradores das redondezas do hospital, a ordem é de bloquear a passagem a transeuntes do exterior do campo de refugiados quer sejam crianças ou adultas. Mas, a insegurança que Timor-Leste vive desde Abril deixou de estar circunscrita à capital e as suas consequências também se fazem sentir nos outros distritos.
As populações do interior vivem sob o medo de que a guerra explícita chegue às montanhas. São muitas as histórias que se contam ouvidas daqueles que têm de se deslocar a Díli, o que se afigura normal, sabendo-se da apetência popular para fantasiar o mais pequeno pormenor de um facto corriqueiro e porque vivemos num país em que também se considera natural a falta de acesso à comunicação. A rádio e a televisão e os jornais não chegam às montanhas. Quase parece que se quer perpetuar a ignorância das populações!
As microletes, pequenos autocarros e as biskotas, os autocarros maiores, que faziam o transporte de pessoas e víveres, subiram o preço das viagens – em certos casos triplicaram-no - e, em paralelo, diminuíram a sua frequência, dificultando assim o transporte de víveres inexistentes nas zonas montanhosas como a arroz, o óleo, o supermin. Ou de velas, gasóleo, sabão… Nos kios, a versão indonésia de quiosque, escasseiam os bens mais básicos.
E como ainda não é tempo de colheita do milho e da mandioca, as populações calcorreiam as encostas das montanhas em busca de alimento que a natureza generosa de Timor-Leste lhes dá.
A esta dificuldade, facilmente transposta se a situação fosse de normalidade, soma-se o medo como resultado de quem apenas conhece a realidade através do ponto aumentado por quem contou um conto: é voz corrente que as montanhas de mata cerrada estão cheias de gente estranha, armada e também ela em busca de alimento. Logo, até o chefe de família mais corajoso das recônditas aldeias timorenses se fecha em casa, não vá apanhar um tiro resultante de uma bala perdida.
A verdade é que só as causas do medo mudaram. Olhando um pouco para trás, já depois da independência se considerava perigoso viajar para algumas zonas do interior do país.
Em alguns pontos, as estradas eram bloqueadas com grandes troncos de árvores e só o pagamento de uma determinada quantia estipulada pelos autores da proeza, alguns deles surgindo de cara coberta, permitia a sua passagem depois de arredado o tronco da via pública.
Como pano de fundo, surge a precariedade em que vive o povo. A fome anda de mãos dadas com a pobreza. Se a isto somarmos a ignorância e o desemprego, para além da displicência com que foram olhados desde os primeiros dias da independência as dificuldades dessa gente simples – a quem apenas é permitida a preocupação com o estado do tempo, com o preço e a má distribuição dos bens que produzem sem direito a resposta e resolução dos seus problemas - bem teremos de entender as razões do seu descontentamento, medo e raiva. E, como é óbvio, não restará outra alternativa senão resolver urgentemente e com prontidão os problemas das pessoas!

quinta-feira, agosto 03, 2006 

Paz Podre

Não está fácil o restabelecimento da normalidade.
Dir-se-ia que vivemos uma paz podre. As histórias, todas elas à roda da violência e do ódio que já assentaram arraiais, acabam por ser quase todas iguais. Aliás, na capital, em particular nos bairros mais populosos, a insegurança nunca deixou de existir, só está melhor mascarada; os apedrejamentos mantêm-se entre bandos rivais numa constante marcação de território; nos campos de acolhimento, os refugiados e os moradores da zona vivem em constante provocação. Não será exagero dizer-se que as palavras soam como arma de arremesso, retinem como espadas bem afiadas.
Quando as forças internacionais se aproximam das zonas de conflito, vive-se em fugaz e aparente normalidade mas, basta que se afastem do local para que a violência recomece. Presumo até que, a exemplo do que sucedeu no dia 28 de Abril passado aquando dos desacatos junto do Palácio do Governo e do Parlamento Nacional, os jovens talhados pela violência se vestem momentaneamente de pele de cordeiro, olhando placidamente em volta, com o olhar perdido no espaço, como se não pertencessem a este mundo.
Ontem, pela manhã, na zona exterior do hospital que alberga muitos deslocados, um estudante misto-chinês foi por eles espancado violentamente.
Outro jovem que fora esfaqueado uns dias antes em Fatuhada, próximo do mercado de Comoro, sucumbiu aos ferimentos no hospital.
Há histórias de violação de raparigas no campo de refugiados do aeroporto.
Em nome de coisa nenhuma, a violência transformou-se num entrenimento, num desporto praticado por pessoas desocupadas, de escalão etário e social variados, de entre os quais se salientam os jovens - parte deles fazendo-se transportar acelerando em veículos motorizados - prontos para dar asas à fúria que sempre fez parte da sua vida, armados de pedra na mão, portadores habituais das rama ambon, lenço atado em triângulo na cabeça, calças de ganga preferencialmente rasgadas, a manga da t-shirt bem arregaçada para que se possa imaginar algum minúsculo músculo que ao de leve se destaque dos corpos franzinos mas que – julgam eles - atemorize o adversário.
Recuando no tempo, mais concretamente aos fins dos anos 80 e princípios de 90, quando os jovens surgiram de peito aberto enfrentando as forças de ocupação, empunhando cartazes durante as visitas de diplomatas internacionais, os jovens de então foram vistos como a esperança de Timor independente. Recordo as palavras do meu amigo Adelino Gomes sobre a adivinhada brevidade da independência timorense com a determinante intervenção dos jovens, interpretando o descontentamento de quem tinha nascido justamente durante o violento período indonésio e apenas tivesse tido contacto com essa realidade como uma mais valia para a causa da independência.
Agora que somos independentes, quase apetece perguntar que objectivos perseguem os jovens de hoje que repetem até à exaustão os gestos de violência, sem se dar tempo a reflectir nos seus actos de destruição continuada.
Faltam, certamente, uma referência, uma bandeira que nos una, um objectivo comum com o qual nos sintamos todos identificados. E isso passa, obrigatoriamente, pelo esforço e participação de todos os timorenses na construção do país, pela imposição da paz, da estabilidade, da segurança. Só assim todos nos sentiremos parte da Nação timorense e só assim será possível mantermos a independência.