segunda-feira, dezembro 31, 2007 

sábado, dezembro 29, 2007 

Timor vale a pena!

Quando cheguei a Lisboa em Setembro de 1970 - era então uma jovem de olhar algo assustado que havia deixado a família a quase 19 mil quilómetros de distância a querer descobrir a cidade grande e bela que era Lisboa -, fiquei de imediato amiga da Helena Torrado, a minha amiga Lena. Mesmo quando vivia em Lisboa, passava longos períodos em que não nos víamos regularmente e quando nos encontrávamos era certo e sabido que as horas todas eram poucas para pormos em dia as nossas conversas. É que nem os amigos deixam de o ser só porque estão longe, nem sempre é absolutamente verdade que “longe da vista, longe do coração”.
Há dias, fui surpreendida por um telefonema longínquo, era meio-dia em Díli, três da madrugada em Portugal. Era a Lena que, com outros amigos – entre os quais o Ricardo Carriço - tertuliava ao serão saborosa conversa ao som de boa música e, tenho a certeza, à volta de uma boa mesa talvez ainda contemplando o rio prateado daquela varanda de Constância, vila poema …
- Maria Ângela, quero que oiças isto. Tenho a certeza de que vais gostar! – disse-me ela.
Encostei o carro ao passeio e ouvi atentamente. Gostei, gostei muito e bem tentei fixar as palavras da canção dedicada a Timor-Leste libertado mas a emoção foi mais forte e a lágrima rolou fácil…
Recordei o cordão humano, as estátuas cobertas de branco, as velas acesas, os minutos de silêncio… enfim, em segundos vieram-me à memória as imagens da solidariedade portuguesa manifestada em 1999, mais evidenciada então mas numa sequência lógica do apoio português à causa de Timor em todos os anos da ocupação do território pela Indonésia.
Hoje, nada é assim. Hoje, Timor-Leste é um país independente, anda aos solavancos em busca de um caminho seguro, faz parte das frustrações dos grandes líderes mundiais que quiseram acreditar que os timorenses eram deuses e estavam imunes aos pecados normais dos seres humanos e criaram - porque lhes convinha e era oportuno -uma imagem de país de sucesso; como se fosse possível que, em dois anos, se pudessem ultrapassar as agruras de vinte e quatro anos ou se pudesse escapar imune ao sofrimento infligido pelo invasor e, qual resultado de acto milagreiro, surgisse como país independente sem falhas, sem erros, com certezas, diferentemente até dos países que nunca passaram pela experiência dolorosa de Timor-Leste!
Hoje, as atenções estão viradas para outras direcções. Atura-se mal a questão timorense, diz-se abertamente do agastamento sentido e quem tem poder vai avisando e prometendo castigo ao menino rabino de dedo esticado “olha, vê lá se te portas bem se queres um rebuçado!” E Timor-Leste, que nunca foi independente e viveu sempre sob domínio estrangeiro, aprende dificilmente como e o que é construir um país independente, cai, ergue-se, erra mas esforça-se por manter equilíbrio, por se manter direito não vá perder o rebuçado que é o apoio internacional…
Os timorenses sabem que perderam – convém que se diga que também por sua culpa – as simpatias acumuladas anos a fio e, ao conforto dos tempos em que éramos apontados como o povo guerreiro, heróico, massacrado, mártir e seres humanos de excepção (quase parecendo que não éramos deste Mundo como acreditava Rui Cinatti…) sucedeu-se a imagem de povo cheio de defeitos. Tantos que nem vale a pena enumerar…
Por isso as lágrimas que verti ao sol do meio dia naquela rua de Balide – por coincidência justamente próximo do edifico da antiga Comarca de Díli que é hoje a sede da CAVR (a Comissão para o Acolhimento, Verdade e Reconciliação) e onde tantos timorenses estiveram presos longos anos deixando como testemunhos da sua passagem grafittis naquelas paredes que ainda hoje transpiram dor e sofrimento - tiveram, de certa forma e a par da nostalgia das glórias de um outro dia, o sabor tonificante de abraço amigo numa clara mensagem de que Timor não passou de moda… Pelo menos para uma mão cheia de amigos cientes de que Timor continua a precisar de amigos, daqueles que, de mão dada, continuam solidariamente a pensar no país do Sol nascente…
José Pires e Deolinda (se me não falha a memória) do grupo Alma Lusa cantam por Timor Libertado. Vale a pena ouvir!
É reconfortante que, numa altura em que nos atirámos pedradas e quando nos arremessam tantas críticas pela nossa cambaleante construção nacional – fruto da nossa impreparação e talvez da nossa ignorância – haja quem continue a lembrar-se de Timor e que Timor lhes sirva de inspiração para a composição de uma bela melodia!
Bom Ano de 2008!

segunda-feira, dezembro 24, 2007 

Paz, Amor Saúde! Feliz Natal!

Paz, Amor, Saúde…
Pode ser um lugar comum dizê-las, tão vulgar como dizer-se que “devia ser Natal todos os dias!" Mas eu gosto das palavras e do seu significado e não me importo da vulgaridade de querer que seja Natal todos os dias…
Paz, Amor Saúde!
Feliz Natal!

segunda-feira, dezembro 17, 2007 

Espírito de Natal

A religiosidade e a festividade desta época do ano andam de mãos dadas com um visível consumismo, devendo ser esta a única altura do ano em que os timorenses, mercê de verdadeiro milagre da “multiplicação” dos seus parcos proventos, enchem os supermercados em busca de produtos próprios da grande festa natalícia.
Com a proximidade do Natal, a azáfama é enorme nos bairros onde os jovens se esmeram na preparação dos presépios, uma herança que ficou dos tempos da ocupação indonésia, quando, a par de outros subterfúgios com o mesmo objectivo, eram utilizados para manifestação da identidade timorense, marcando-se desta forma a diferença do ocupante.
Os moradores de cada bairro contribuem para a construção desses presépios. Surgem pequenas cabanas, de chão atapetado de relva ou de pedras brancas, por vezes rodeadas por um minúsculo jardim. O espaço é vedado a bambu ou com toros de madeira e a decoração está dependente do engenho e da arte de cada grupo. Mal estejam prontos, passam a ser, até à entrada do novo ano, a sala de visitas dos jovens que ali passam os dias e grande parte da noite em amena cavaqueira, quiçá em busca de necessário esquecimento de outros dias menos felizes, das dificuldades de uma vida falha de objectivos, quiçá talvez matando saudades dos tempos em que eram mais crianças e ouviam os mais velhos falando da Resistência, do adversário estrangeiro conhecido pela prática da violência como forma de vida, da unidade dos timorenses conseguida porque necessária para o êxito da luta, da unidade nascida em tempos que são já História, quase considerada hoje como algo fora de moda, saloia e sem préstimo…
Naturalmente que hoje os tempos são outros. Não há unidade mas há violência. E, sem a certeza de antigamente, ainda se vai falando do adversário estrangeiro como a raiz dos nossos problemas, quanto mais não seja pela violência deixada como herança desses tempos de cólera…
Porém, - ainda que timidamente, no desfecho do sempre difícil processo de reconhecimento de culpa própria… - começamos a interiorizar que nós, timorenses, somos em grande parte os culpados dos sarilhos em que estamos metidos.
Como encontrar uma saída?
Talvez fosse bom inspirarmo-nos nos doces tempos de Natal e trabalharmos pela Paz, pela estabilidade, pela concórdia;
Se calhar, era bom que voltássemos a estar unidos e nos consciencializássemos de que todos não somos demais para reconstruir a Nação timorense;
talvez devêssemos começar a cultivar o respeito e a tolerância pelo adversário político, seja ele estrangeiro ou nosso compatriota; provavelmente deveremos ser mais humildes;
talvez fosse positivo compenetrarmo-nos de que temos muito a aprender até com os jovens que – fazendo tréguas de uma luta sem sentido herdada de uma outra cuja razão de ser já quase ninguém se lembra … - preparam com esmero e arte os seus presépios de rua, numa clara manifestação de que eles, os jovens, também são capazes de construir coisas boas…


quinta-feira, dezembro 06, 2007 

Criminosos à solta


O dia estava calmo, o movimento na Avenida Nicolau Lobato era o normal de um dia de trabalho mas, no arranjo dos passeios
onde trabalham diariamente alguns homens, não havia ninguém; um popular esperava pacientemente a chegada de um táxi que o transportaria aos seus afazeres quando deu pela chegada de um homem de larga jaqueta negra, cara tapada, mãos caídas ao longo do corpo:
- Olha lá, sabes onde estão estes que trabalham aqui? - questionou o estranho ao popular quando este ia a entrar no táxi apontando para os ditos passeios.
Respondeu o popular que não vira ninguém, enquanto se metia no táxi. Mas, ainda o veículo não tinha arrancado e o popular e o taxista não devem ter ganho para o susto quando viram o homem da jaqueta negra levantar o braço. Nas mãos surgiu como que por artes mágicas uma faca com a qual desferiu, à queima-roupa, um golpe a um outro homem em tronco nu que entretanto se aproximara pelo mesmo passeio. O sangue jorrou, o homem esfaqueado correu para os lados do Palácio do Governo talvez procurando ajuda junto dos guardas e o homem da jaqueta desapareceu por detrás do “coilão” – colector a céu aberto - que dá para as traseiras do edifício do PNUD.
Aconteceu esta manhã, às 10H30. No centro da cidade de Díli.

domingo, dezembro 02, 2007 

Os tempos têm de ser de mudança!

Nos dias em que me mantive afastada do blogue, muita coisa se passou no país.
De repente, ocorreu-me que Timor voltara a estar na moda, que, afinal, não estávamos assim tão esquecidos, tantas eram as notícias, tantos e tão ilustres foram os visitantes.
Veio o Presidente da Comissão Europeia, veio uma delegação do Conselho de Segurança da ONU, um governante português palestrou sobre a importância do provedor dos direitos humanos, o Presidente da República não gostou do que disse um juiz internacional que também não gostou e respondeu ao Presidente, Mari diz que o governo tem de ser de grande inclusão e que não governa, John Howard perdeu o lugar e há quem tenha a ilusão de que a mudança australiana chegará a Díli, os militares autores do massacre dos polícias foram condenados, Reinado mostrou-se em Gleno todo poderoso com os seus homens que diz serem agora mais de setecentos e escreveu uma carta ao Secretário-Geral da ONU, o Governo prepara novo orçamento, entraram na moda as feiras de flores e de emprego, comemorou-se com pompa e circunstância o aniversário da independência unilateralmente proclamada pela FRETLIN a 28 de Novembro de 1975, o proclamador Xavier do Amaral foi internado no hospital nacional, realizaram-se manifestações de estudantes contra a lei da “pensão vitalícia” que os deputados da anterior legislatura se atribuíram, aconteceu guerra e paz entre os moradores dos bairros em conflito…
A crise está longe de estar acabada e continua a haver apedrejamentos quando menos se espera e por qualquer motivo, como aconteceu no dia 12 de Novembro a um amigos que não deram dinheiro para as velas pelas almas dos mortos do massacre de Santa Cruz por já o terem feito uns bairros antes, ou, noutras ocasiões, porque o condutor anda demasiado depressa ou demasiado devagar, porque o carro tem um emblema partidário ou é de uma determinada organização , foi confundido com outro, porque o António está bêbado, o José olhou para a namorada do amigo, etc., etc., etc.… Continua a ser muito cansativo andar em constante sobressalto com medo de pedra certeira…
Mas, ao ver as imagens que há dias a RTP passou sobre os incidentes protagonizados por jovens nalguns bairros de Paris e sobre a entrada da polícia num bairro de Lisboa onde encontrou armamento havendo até quem tivesse sido apedrejado por lá ter passado, não pude deixar de pensar que, afinal, no Mundo civilizado, “eles” também fazem alguns desacatos, queimam carros, provocam a polícia, atiram pedras e têm armas escondidas!
Ficámos a saber que os há tão destruidores como os de cá. É verdade que a constatação de que os há tão vândalos quanto os nossos não resolve o nosso problema nem nos traz consolo, até porque os vândalos dos países desenvolvidos – considerados civilizados - vivem em democracia há uma série de anos e as suas condições de vida nem de longe se comparam com as más condições em que vive a quase totalidade do povo de Timor-Leste, sendo claro que em França como em Lisboa os estragos feitos pelos vândalos não deixam o país em crise, enquanto que em Timor é o que se vê!
Assim sendo se concluirá que muito há a haver em Timor-Leste e por Timor-Leste.
Continuamos a precisar de apoio internacional. Mas, seria bom que todos interiorizássemos que o sucesso de Timor-Leste depende antes do mais, de nós próprios, timorenses. Pelo que é urgente que se comece pela educação. De pequenino, em casa (o que implica educação dos paizinhos) e na escola primária de forma a erradicar totalmente a apetência e o gosto pela violência que, sem nos darmos conta, começam pegajosamente a colar-se como traço - menos bom - da nossa cultura, do nosso carácter levando até que os antigos ocupantes o digam inchados de arrogância que nós é que fomos os maus da fita...
Os tempos têm de ser de mudança! Porque, como dizia um ilustre visitante, o povo timorense já sofreu tanto! Chega!