quarta-feira, janeiro 31, 2007 

O património de Com


Ali para os lados de Lautém, próximo de Com, na ponta leste da ilha, as colinas junto à praia surgem-nos com um tom diferente do normal, a contrastar com o verde seco das árvores. Um bocado antes de se chegar ao Com há um desvio que nos leva a uma pequena colina pedregosa, de estranhas pedras de tom esbranquiçado. Faz-se o caminho a pé até ao cimo da colina onde nos deparamos com uma pequena lagoa, inacessível, a uns bons metros abaixo do sítio onde nos encontramos. O imaginário timorense fala-nos de imediato da presença de crocodilos na dita lagoa. Mais reais são os macacos que se escondem mal se apercebem de presença estranha.
Sentimo-nos transportados a um período muito remoto da ilha de Timor. Olha-se com atenção e é impossível não ficar de boca bem aberta quando nos deparamos com os restos fossilizados de conchas, umas gigantes, outras tantas minúsculas! Ou seja, o mar chegava ali!
Estamos em crise mas, já antes dela, quando ainda não se vislumbravam sinais de crise e se falava muito das potencialidades turísticas de Timor, aquele sítio estava muito abandonado; tanto que, uma das coisas que chama a atenção é o amontoado organizado de pedras (serão pedras ou corais?) iguais às que formam o muro do complexo turístico de Com.
A colina de Com é bem sinal de como andamos distraídos. Isto para não termos de dizer que não damos importância nenhuma ao nosso património, pouco nos importando com o que, para além do petróleo, também faz parte da riqueza deste país!
…Terei ouvido bem? Concordo com a voz - quiçá trazida pelo vento de uma conchita fossilizada! - em suave murmúrio: faz parte da riqueza (será que cultura é riqueza?) mas não traz tanto dinheiro como o petróleo… Pois não!

terça-feira, janeiro 30, 2007 

Desalento

No Bairro Pité arderam umas quantas casas. E há quem assevere ter ouvido tiros. As forças internacionais apareceram muito depois de terem sido chamadas, mas não intervieram.
A população nem dormiu.
De entre os vários comentários ouvidos da gente mais jovem, não há dúvida de que são os "vadios" que se prestam a esta tarefa de amedrontar, queimar, matar...e, quem está por detrás dos destruidores, sabe muito bem que os jovens vadios são sensíveis a uma gorgeta... mais claramente, são comprados por quem possui meios suficientes para os esbanjar na compra de tanto bandido. E, tendo em conta que esta situação de permanente instabilidade dura há quase um ano, deve ser alguém com muitos meios!
Dizia uma jovem que é uma pena que os vadios-incendiários-vândalos-selvagens não consigam compreender que "estão a destruir o que é nosso" e que "somos todos pobres mas atacamo-nos e destruimos o pouco que outro pobre tem".
Num desabafo, vou dizendo que este povo que destrói e mata, o nosso povo, pouco tem a ver com o povo da minha infância. E recordo que então era possível deixar coisas na varanda, deixar a porta apenas fechada no trinco, que toda a gente se cumprimentava na rua, que havia respeito pelo próximo; ainda lhes digo que também havia alguns bandidos, mesmo sabendo que os daquele tempo eram meninos de coro quando comparados com os bandidos de hoje...
Os jovens olham-me de soslaio. Custa-lhes a crer que essa tenha sido a realidade timorense ainda que muito recuada. A experiência deles é diferente da minha. Eu sou fruto da colonização portuguesa, eles são-no da ocupação indonésia. Nos dias da ocupação indonésia, dizem-me, as portas tinham de estar fechadas a sete chaves!
Grande parte dos jovens que hoje se perdem nas ruas criando o terror, tem pouco mais de doze, treze anos. São a geração UNTAET, que cresceu na rua, arranjando facilmente dinheiro com a lavagem de carros, ou a "securitie"... Outros, são os meninos da independência, que sabem tirar partido das suas simpatias "clubísticas", fazendo mal ao parceiro do lado pertencente a outro clube...
Mas um dos jovens com quem conversava, fez questão de me dizer que nem todos os jovens são bandidos e, depois de se distanciar dos vândalos que "não querem fazer nada senão vadiar e fazer asneiras" deixa no ar uma triste constatação:
"Portas abertas, respeito? Isso era no seu tempo! Hoje, até o conceito de família desapareceu e os pais nem se atrevem a chamar a atenção aos filhos porque podem levar uma bofetada, para além de serem violentamente insultados!
Acabo a conversa. É demasiado frustrante e nem sempre me sinto com capacidade para aguentar de cara alegre as histórias tristes que nada mais ilustram senão traços de carácter menos bom do povo a que pertenço.

segunda-feira, janeiro 29, 2007 

Vira o disco e toca o mesmo





Os jovens continuam à porrada e a matar-se uns aos outros. A Fátima, uma amiga minha malai que por cá anda há muito tempo, e que tal como eu ama esta terra, dizia-me há uns tempos que já se estava a habituar à violência e que isso a fazia triste. Eu contrapus com exemplos de outros países onde a violência faz parte da rotina quotidiana e nos quais as pessoas continuam a levar a sua vida para a frente na mesma, mas a verdade é que não estava muito convencido com os meus próprios argumentos. As pessoas aqui tinham voltado a ter esperança, muitas tinham reconstruído a casa queimada pelos indonésios em 1999, tinham juntado dinheiro e adquirido alguns móveis, uma televisão... No período de alguns meses que se seguiu à manifestação dos peticionários de Abril de 2006 muita gente voltou a perder tudo. E, ainda que a chamada “crise política-militar” tenha acabado há já algum tempo (já não há tropas e polícias aos tiros uns aos outros), a população continua a viver no medo. Agora os confrontos entre jovens de ocidente e de oriente estão a diminuir, mas irrompeu uma “guerra fria” entre alguns grupos de artes marciais e similares.



No meu bairro, no qual a maior parte das famílias é de ocidente, e onde também houve pancadaria nos últimos dias, uma vizinha explicava-nos assim os acontecimentos: “Primeiro os jovens andaram acolá a partir e a roubar aquelas casas que eram de pessoas do leste. Depois juntavam-se todos para ir arranjar confusão com os jovens daquele bairro lá, agora decidiram começar a andar à porrada uns com os outros do próprio bairro”. Algumas pessoas de leste que tinham fugido já voltaram entretanto para o bairro, e não foram molestadas. O que parece é que estes jovens gostam de andar à porrada, independentemente de quem seja o inimigo disponível em cada circunstância. Quando não andam a arranjar sarilhos, passam os dias sentados em grupo a ver quem passa ou a beber tua-sabu (aguardente local que sabe a diluente) ou, quando o dinheiro chega, “General Roland”, uma marca de uísque indonésio barato (US$2,25/garrafa) e chunga. Andar à porrada permite-lhes sentir que há uma dimensão heróica na sua vida, que estão a defender os do seu grupo contra os “outros”, “os maus”.



Na blogosfera os adeptos de teorias da conspiração consideram que há uns cérebros criminosos na sombra, uma espécie de Doutores Moriarty, que organizam os jovens para se matarem uns aos outros. Eu acho que é racista considerar que os jovens timorenses não podem ser bestas quadradas por iniciativa própria. Na França, jovens delinquentes incendiaram milhares de carros nos últimos anos, e chegaram a pôr fogo a autocarros com gente lá dentro. Nos Estados Unidos, as gangues de jovens infestam muitas das principais cidades do país, e usam armas automáticas nos seus confrontos de rua (em vez de catanas, flechas, pedras e canos de ferro, como os grupos daqui). Não vejo esses bloguistas a inventarem conspiradores que tenham por objectivo organizar a bestialidade dos moços criminosos franceses, ou dos americanos. Para serem coerentes, talvez devessem defender que quem dirige as actividades criminosas das gangues nos E.U.A. são os canadianos, ou os Democratas, ou os Republicanos, ou o próprio Bush, ou quem sabe alguma igreja baptista daquelas que cantam muito... O que chateia esses comentadores tão intelectuais e bem informados é que possa haver timorenses a não caber nos perfis em que esses “especialistas” gostam de os pôr: os “nativos tão amorosos”, os “guerrilheiros tão dignos e imaculados”, as “vítimas tão sofredoras”... Timor-Leste é um país muito mais colorido do que pensam esses peritos que vêem tudo a preto e branco, e, como no resto do mundo, há aqui pessoas de todos os géneros, incluindo alguns que deviam estar na prisão.


Muitos “analistas” instantâneos desses da Internet confundem os filmes que estão a ver. Quando dois grupos de jovens andam à porrada isso na maior parte das vezes é um mero caso de polícia e não tem nada a ver com a embrulhada d“As aventuras de Alfredo – Parte 5”. Fiquei surpreendido por ninguém ter arranjado uma teoria para explicar o crime de Maubara (quando três mulheres foram assassinadas acusadas de serem bruxas) pondo a culpa nos australianos, ou na oposição ou no Governo. Por vezes os comentadores bem-intencionados pecam por desculpabilizar os criminosos (arranjam sempre um “culpado” que está por trás de tudo o que acontece de mal), e o resultado é um discurso comum na opinião pública em que ninguém assume a responsabilidade pelos seus actos. Uma pessoa anda num bairro onde a UNPOL esteja a levar a cabo uma operação de captura de criminosos dos que andam à porrada com catanas e arcos e flechas, e ouve muita gente, mesmo adultos, a resmungar por os polícias malais prenderem os seus filhos, que na sua opinião são umas vítimas inocentes, os “boot sira” [os líderes do país] é que são culpados de tudo, dizem eles. E já ouvi pessoas do povo (devem ser os “mauberes” do Prof. Mattoso) a defenderem ‘o direito’ dos seus filhos a queimarem casas de famílias onde haja algum moço que é membro desta ou daquela organização de artes marciais. Às vezes a situação aqui faz lembrar o cenário dos livros de Mario Puzzo na Sicília das vendetas e da “omerta”.



Em relação às artes marciais é justo lembrar que há em Timor muitas que, nestes quase seis anos de residência em Díli, nunca ouvi mencionar como estando ligadas à violência de rua. Falo, por exemplo, do caraté, do taekwondo, e, dentro do pencak silat, do Perisai Diri, do Merpatih Putih, do Pajajaran, e do THS/THM, apesar de um membro desta última organização ter sido assassinado há dias (mas a família enlutada e os colegas da sua organização vieram à televisão dizer que não queriam vinganças). Há por outro lado estilos cujos praticantes aparecem regularmente envolvidos em conflitos desde há muitos anos: PSHT, KORK, Kera Sakti,... Isto também não significa que toda a gente dessas estruturas seja delinquente, conheço pacatos e sensatos chefes de família que militam nessas organizações para aprender autodefesa ou exercitar o corpo e o espírito e que nunca se metem em sarilhos. Há uns tempos houve declarações públicas de líderes de algumas estruturas que anunciavam o estabelecimento de uma espécie de coligação do que eles chamavam “artes marciais rain-na’in” [nativas]. Estas organizações ‘autóctones’ incluiam os “sete-sete”, os KORK (Kmanek Oan Rai Klaran), os Kolimau 2000, e pareciam eleger como adversário comum os SH (Setia Hati), um estilo fundado há quase um século na Indonésia. Não sei no entanto até que ponto é exacto falar dos Kolimau 2000 como sendo um grupo de artes marciais, só se começou a chamar-lhes isso há poucos meses, não faço ideia se realmente treinam algum estilo tradicional de combate ou não. Algumas pessoas na blogosfera tentam explicar os conflitos recentes recorrendo a conspiradores escondidos, uns acham que é tudo promovido pelos australianos, outros põem a culpa nos diversos actores políticos no país (e mencionam que há um partido, a Fretilin, que tem uma organização de artes marciais própria). Eu pessoalmente acho que estão errados, e que os líderes destes grupos não conseguem controlar os seus membros. Recentemente apareceram todos na televisão numa reunião de diálogo com cumprimentos e abraços, após a qual cada um deles interpelou directamente os elementos da sua organização, olhando para a câmara, proibindo mais actos de violência. No diário de grande tiragem “Timor Post” de 19 de Dezembro último, pág. 11, aparece um dos líderes da PSHT numa entrevista extensa na qual defende que «quem viola a lei tem que sofrer as consequências legais [dos seus actos]» e que «o Governo tem que tomar medidas como numa semi-ditadura. Quem violar a lei e a ordem de qualquer forma deve ser capturado e punido ou por exemplo “tiru tohar tiha nia ain atu bele kria kondisaun ou estabilidade ba rain ne’e” [dispare-se para lhe partir as pernas para poder criar condições ou estabilidade nesta terra]». Apesar dos apelos dos dirigentes, muitos jovens exaltados continuam a procurar confrontações letais. Nos jornais “STL” e “Timor Post” de 24 de Janeiro os líderes da PSHT e dos “sete-sete”, respectivamente Jaime Xavier e Estevão, explicam que estão sitiados, que têm medo de sair das suas casas, por causa dos bloqueios nas estradas feitos por elementos de organizações rivais. E cada um deles diz que a sua gente é vítima, que os outros é que são os agressores.


Mudando de assunto, vira o disco e toca o mesmo sobre outro “bicho papão”. Em Timor-Leste ainda há muito quem pense que os comunistas comem criancinhas, e agora anda – mais uma vez! – uma polémica na comunicação social sobre o ‘perigo’ que Timor corre com o envio de centenas de jovens para estudar medicina em Cuba, de onde supostamente virão todos transformados em terríveis revolucionários marxistas-leninistas especialistas em guerra subversiva. Estes debates só não são cómicos porque há pessoas que ficam verdadeiramente angustiadas com estas acusações. Há uma moça da família da minha mulher que está lá a estudar para médica e que nos manda regularmente por correio electrónico fotografias do padre da paróquia e das suas idas à missa, junto com cartas compungentes para entregarmos à sua mãe onde explica que ainda acredita em Deus e vai à missa e que não se transformou numa pérfida comunista. Acho estranho como ninguém se importa com as centenas de jovens timorenses que estão a estudar na Indonésia e que têm cadeiras sobre o Pancasila onde aprendem a ser bons cidadãos indonésios. De resto, no tempo da Orde Baru também havia manipulação ideológica dos estudantes nas escolas e faculdades e a mocidade de Timor soube pensar pela sua própria cabeça e fundar estruturas como a Renetil, em vez de aceitar simplesmente tudo aquilo que lhe diziam. Aliás, na Indonésia agora também já voltou a haver comunistas, ainda que sejam mais ou menos discretos. Em Portugal também os há, e lá talvez o comunismo seja até mais apelativo porque é uma utopia bonita (fim da exploração do homem pelo homem) que não é confrontada com a realidade dura e crua como em Cuba (além de que os jovens da JCP ou do Bloco de Esquerda são normalmente gente mais interessante do que os betinhos de pulôver pendurado nas costas da JSD ou das Gerações Populares). Não houve clamor público com a ida de trezentos bolseiros, ou coisa parecida, para Portugal há uns anos. E há uma diferença enorme, em termos de desenvolvimento de Timor-Leste, entre os bolseiros que foram para Portugal e os que vão para Cuba. Os primeiros conseguiram a nacionalidade portuguesa por filiação e quase todos abandonaram os cursos e emigraram para trabalhar como mão-de-obra não qualificada na Irlanda e Inglaterra, os que estão em Cuba ou estudam e voltam para cá médicos, ou não estudam e voltam para cá na mesma sem curso, mas de Cuba não podem emigrar para lado nenhum. Se isso fosse fácil, muitos cubanos iriam precedê-los, já que os bolseiros não vão conviver apenas com gente que acha que Fidel lhes deu o paraíso mas também com cidadãos descontentes ou fartos do regime. Conheço timorenses que moravam em Portugal e foram a Cuba a um encontro internacional de juventude onde naturalmente o Governo apostava fortemente na propaganda, mas durante o breve período que lá passaram ouviram pessoas comuns a queixarem-se do comunismo, imagine-se o que ouvirão os estudantes timorenses durante sete anos. E depois, pensemos lá... Com a violência e a pobreza que grassa em Timor os pais ficam aliviados quando conseguem mandar os filhos para Cuba! De vez em quando aparecem aqui algumas bolsas de estudo para os Estados Unidos da América, um país onde a lei permite aos civis, cidadãos comuns, comprarem armas automáticas (como M16, p.ex.) em lojas. Que tal denunciar nos jornais o perigo que Timor corre enviando bolseiros para lá? Imagine-se que eles vêm de lá a querer espalhar armas nas mãos de civis?!?


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domingo, janeiro 28, 2007 

Um pequeno desabafo

Todos os dias falta a energia eléctrica deste lado da cidade, em Comoro, duas ou três vezes e umas quantas horas de cada vez. Li há dias no jornal que será assim até Fevereiro, altura em que haverá melhoria do serviço.
Promessa. Mais uma. Duvido que alguém dê muito crédito a estas promessas. Digo isto porque me lembro que, há uns dois ou três anos, o anterior Primeiro-Ministro prometeu e assegurou que não mais iria faltar energia eléctrica e que os geradores passariam a peças de museu.

Não foi assim.

Passaram dois ou três anos e todos os dias, há sinfonia de geradores, uns mais potentes que outros, uns a gasóleo, outros a gasolina, todos eles avariando volta e meia cansados de tanto trabalhar e todos eles constituindo a nossa música de fundo para o pequeno-almoço, almoço e jantar. Ou sendo a nossa canção de embalar, quando falta de madrugada…
Com tantas falhas, tantos cortes, é natural que a insegurança aumente.
Também não há electrodoméstico que resista. Mas, pior que isso, a é que também já não há paciência.
Naturalmente, há coisas piores… Há os que só têm uma refeição por dia, que bem pode ser um copo de água. Também há, por exemplo, os refugiados acolhidos no edifício da antiga Associação Chinesa, junto à marginal, com bastante menos sorte que os que têm de aguentar o barulho ensurdecedor do gerador porque não têm energia eléctrica e andam a pedir a todos os comerciantes da zona que os ajudem a fazer a baixada da energia para seu sítio, dando-lhes dinheiro. O pior é que de entre eles há uns vândalos que se vingam de quem não quer contribuir, partindo os vidros das lojas que ameaçam incendiar. Por isso, há dias, dizia uma lojista amedrontada que o melhor era aceder ao seu pedido. E assim se vai acrescentando mais uma faceta à crise em que vivemos desde Abril do ano passado.
Mas, hoje, se não se importam, vou esquecer por uns momentos, a crise profunda que se instalou no país, os refugiados, os vândalos, os medos de andar na cidade, os apedrejamentos, as ameaças e os insultos, as rama ambon, as fisgas, as catanas.
Hoje, quero dar-me ao luxo de reclamar como se a situação fosse normal, como se vivesse num país tranquilo, com os serviços a funcionar em pleno. Como cidadã, quero exercer o meu direito à indignação e exigir que a energia eléctrica funcione vinte e quatro horas por dia, sem cortes, sem falhas. Porque pago impostos e os impostos devem ser canalizados para a melhoria da qualidade de vida dos cidadãos!
E mesmo que ninguém me ligue nenhuma, termino dizendo: bolas, é demais!

quinta-feira, janeiro 25, 2007 

Sem comentários

Labadain, um dos arguidos a prestar declarações no julgamento do caso da alegada distribuição de armas a civis, não comprende bem o português e explica que não é por não gostar dos advogados da CPLP que falam português, sejam eles homens ou mulheres.
Do que ele não gostou foi que o seu advogado, falante de língua portuguesa, o tivesse levado para um "quarto" onde o aconselhou a "não falar muito".

Apesar do seu deficiente conhecimento da língua portuguesa, Labadain percebeu e não gostou do conselho. E por isso resolveu substituir o advogado CPLP por um timorense.

Balanço de uma semana de violência na capital - apenas dos que estão registados no Hospitall Nacional: cinco mortos,de idades compreendidas entre os 17 e os 55 anos;seis feridos por apedrejamento;sete feridos por espancamento;dois feridos por rama ambon;sete feridos por facadas e um ferido a tiro.



terça-feira, janeiro 23, 2007 

Pior a emenda que o soneto!

A tensão subiu de tom. O medo adormecido por uns dias voltou à cidade onde se multiplicam os incidentes entre grupos rivais. Os “inimigos” são friamente abatidos a tiro. Quase por desporto. Matam-se hoje uns quantos, amanhã retalia-se a sua morte, morrem outros tantos e assim se cumpre a rotina…
As armas, lê-se constantemente, são muitas e andam por esse país fora, espalhadas. Sabe-se lá em quantas mãos! Sabe-se que Alfredo Reinado - disse-o ele na TV - não ficará quieto se os australianos o forçarem a render-se e ripostará com tiros; que Eusébio Salsinha, o ex-chefe de Gabinete de Rogério Lobato, confessou em tribunal ter distribuído armas a civis cumprindo armas do ex-ministro do Interior, ainda que a intenção fosse apoiar a Polícia Nacional, em particular a Unidade de Intervenção Rápida; que Labadain afirmou igualmente haver muitas armas em Ermera para além de umas quantas de que ele fizera entrega em tempo oportuno… Armas, armas, armas!

A situação é dramática, o que não quer dizer que, por vezes, não haja histórias, no mínimo, curiosas como esta.

Há dias, noticiava um diário que Alfredo Reinado recebera uma carta escrita por um tal Dr. Rodrigues Peralta. Cubano, de nacionalidade, o médico revelava a Reinado que os estudantes timorenses não estavam em Cuba para estudar medicina mas antes estavam aprendendo a ideologia comunista que depois poriam em prática quando regressassem a Timor.
Levantou celeuma, naturalmente. O gabinete do PM repudiou o teor da notícia; propaganda barata considerou-a o Presidente do Parlamento Nacional; manipulação, disse o ministro da Saúde enaltecendo a solidariedade cubana e acrescentando que não há nenhum médico cubano registado com o nome de Rodrigues Peralta; pois não, e estão a denegrir a imagem de Cuba, insurgiu-se o embaixador cubano!
Antes de prosseguir é necessário que, num breve parêntesis, se refira que os médicos cubanos no Hospital de Díli se empenham a sério no seu trabalho justamente reconhecido e considerado de qualidade.
A coisa poderia ter ficado por aqui, mas conhecendo-se Timor e os timorenses, adivinha-se o sururu, os editoriais, as conversas de rua… Aliás, convém que se diga que há já algum tempo reina sobre isso algum desassossego, que se fala muito, ainda que à boca pequena, sobre a ida de centenas de estudantes de medicina para Cuba. Estão lá 500, partiram há dias mais cem e dentro de uns dias seguirão outros cem.
O melhor é esclarecer bem a coisa, deve ter pensado o ministro. E vai daí, o ministro da Saúde – estou sempre a fazer fé em declarações transcritas nos jornais diários – entendeu por bem elucidar que, em simultâneo com o exercício da sua profissão, “ la os novidade mediku kubanu halekar komunista” que é o mesmo que dizer “não é novidade para ninguém que os médicos cubanos espalhem o comunismo”.
Elucidados? Talvez sim. Mas, e o sururu, acabou? Duvido…

segunda-feira, janeiro 22, 2007 

Crianças


São muitas as crianças de Timor-Leste. Delas se diz que são o futuro da Nação.
Todos os dias se vêem centenas de crianças que, embora menos do que antes da crise, enchem as ruas com as suas fardas multicores. De entre essas que frequentam a escola, há algumas que, não tendo de forma nenhuma invejável qualidade de vida, ostentam um ar mais feliz, menos pobre e fazem parte do grupo de pessoas que, num país normal, tem três refeições por dia. Em Timor-Leste, isso é um luxo!
Mas o grosso das crianças timorenses que andam na escola têm uma refeição diária e são filhas de pais que percorrem a cidade vendendo todo o género de legumes em busca dos almejados cinco dólares para pagamento da mensalidade escolar.
Há ainda outro tipo. São as que também vivem fora da cidade e, ao fim-de-semana descem à capital carregados de mangas, ananases, maracujás, bananas, etc., etc., porque precisam de ajudar em casa e porque também têm de juntar dinheiro para a escola…
Outro género são as crianças que não estudam. Enquanto os pais tratam da horta, elas substituem-nos na venda dos legumes, a elas lhes cabendo a difícil responsabilidade de conseguir diariamente dinheiro para o sustento da família. Há outras ainda a quem cabe ir ao mato ou à montanha buscar lenha que transportam sobre a cabeça, sem se queixar do peso que provoca inevitáveis problemas na coluna.
Também as há crianças de rua. Entregues a si próprias, sem eira nem beira, inventam mil e uma coisas para conseguir uns cêntimos. Lavam sujando carros com uma garrafa de água e oferecem-se para fazer segurança ao carro. Muitas destas nem sabem onde andam os pais. Alguns miúdos são filhos de pais problemáticos, dos que não trabalham, dos “vadios”.
As crianças andam sujas, andrajosas, quase sempre de ranho amarelado a pingar do nariz e não pedem nada de extraordinário. São apreciadores de um gelado, de uma boa maçã, sempre preferível a uma qualquer fruta tropical que por aqui abunde … alguns, mais afoitos, pedem uma camisola, umas bolachas. E dos que trabalham de sol a sol, surge muitas vezes o pedido de uma garrafa de água.
Mais discretos, menos visíveis, existem os órfãos que somam uns largos milhares. Esses são pobres, mas têm, por enquanto, algo que pode assemelhar-se ao aconchego de um lar e, ainda que tenham de trabalhar, ao mesmo tempo que lhes é dada a hipótese de estudar, têm três refeições diárias.
Nem sempre de rua, antes sendo propensos à asneira, existem os malandros e malcriados. Daqueles que insultam quem não falando tétum não lhes dá o que querem e ameaçam os timorenses que também não estão dispostos a contribuir para o fortalecimento da futura geração gang de Timor-Leste.
As crianças entregues a si próprias são uma herança dos tempos da UNTAET. Provavelmente, muitas dessas crianças que dormiam sob as arcadas do Palácio do Governo transformaram-se nos selvagens de hoje, dos que queimam, apedrejam, amedrontam, matam …
De entre o triste panorama das crianças que pulam pelas ruas de Díli, há aos miúdos que são jogadores de futebol, dos que dominam o futebolês e sabem muito bem quem o Ronaldo, Ronaldinho ou o Figo... ou as que se agarram a uma viola a acompanhar canções da moda, em tétum ou em português... E não faltam as que cantam afinadamente no coro da Igreja onde também há as que acompnaham à missa.
Mais ou menos felizes, crianças de rua, pedintes, malandros e malcriados são apenas crianças mas, à maior parte deles, é-lhes negada o direito de serem crianças, de brincarem e de estudarem.
Timor-Leste assinou a Convenção dos Direitos da Criança. Mas, em boa verdade, o Estado timorense não lhes tem prestado a devida atenção, nem à violação dos seus direitos.
Quase parece que se aceita de ânimo leve a existência de trabalho infa
ntil. Porque toda a gente sabe e vê como as crianças trabalham!
Talvez porque os homens de hoje se julguem imortais, talvez porque pensem que o futuro será deles eternamente, talvez porque as crianças não votam, poucos há que por eles se interessem e quase ninguém aposta na sua valorização.
A criança não é prioridade em Timor-Leste.
A impressão com que se fica é que os homens e as mulheres de hoje, preferem antes fechar os olhos e deixar que as crianças timorenses cresçam ao deus-dará, sem disciplina, sem referências a não ser aquelas com as quais convivem no seu quotidiano de rua e essas, inevitavelmente, farão delas os agitadores e os vândalos de amanhã.

PS: Está lenta, muito lenta a Internet. Enervantemente lenta! A lentidão não se prende todavia com o calor intenso que é normal nesta altura do ano, é a razão lógica de ser da nossa indolência e nos tolhe os movimentos…

quinta-feira, janeiro 18, 2007 

Timor,temor, terror, rumor...

Em 1999, quando a questão de Timor chegou ao rubro e o então território ocupado se encheu de jornalistas, o rumor era um dos problemas com que os profissionais da comunição social se deparavam. Rumor rimando, dia e noite, com Timor, Temor substituindo o Timor-Amor, usado durante os anteriores dolorosos anos da ocupação indonésia.
Era preciso separar o trigo do joio, testar esmiuçadamente
cada informação, procurar a verdade era como querer encontrar agulha em palheiro, o que tornava ainda muito mais difícil noticiar os acontecimentos...
Estamos no 5º ano da nossa independência. Os tempos são, deveriam ser outros. Mas, nem tudo mudou, infelizmente.
Timor-Amor nunca mais voltou; mantém-se o apertado amplexo entre Timor-Temor, Timor-Rumor...
Quer dizer, quando é preciso criar um facto, inventando-o, de preferência para se denegrir ou destruir alguém, põe-se a circular um boato. O rumor extravasa das paredes de uma casa, atravessa quintais mais veloz que o vento e, daí a pouco, todo o Timor é conhecedor do novo facto inventado que, de tão repetido, passa muitas vezes a verdade.
Com a proliferação dos telemóveis no país, vulgarizaram-se as SMS transmitindo célere e sempre de forma anónima a mentira conveniente, oportuna, urgente e sempre terrorista...
Um dos jornais diários de hoje noticia justamente um caso destes.
Inventa-se o assassínio de alguém, constrói-se uma pequena história que se atribui a um grupo de pessoas sobre as quais se criam instantaneamente laços e interesses comuns e toca a difundir a atoarda!
Desta vez, porém, o autor da brincadeira teve menos sorte porque um dos visados, político, dirigente de um partido, decidiu apresentar queixa à polícia a quem solicitou
uma investigação séria ao caso.
Espero que seja rapidamente encontrado o terrorista e que, de uma vez por todas, o temor-Timor-rumor desapareça e dê lugar a Timor-Amor dos tempos de paz, de respeito e de tolerância pelo próximo...

quarta-feira, janeiro 17, 2007 

Sol de pouca dura!

O ano começou com alguma tranquilidade mas foi sol de pouca dura e a morte do jovem cujo corpo foi encontrado no domingo passado marcou o início das hostilidades. Volta e meia há notícia de que em determinados bairros andam aos tiros, se batem, se insultam, se violentam, se matam…
Agora, até nas ruas da zona mais central da cidade, os jovens criam desacatos, apedrejam edifícios e ameaçam quem não lhes dá dinheiro para as mãos. Foi o que aconteceu na semana passada junto ao edifício da ACAIT, onde se situa a Embaixada de Portugal. Num dos atalhos transversais à Avenida, junto ao esgoto que corre a céu aberto, os jovens juntam-se, embebedam-se e, de seguida, afrontam quem quer que lhes surja pela frente na Avenida principal.
Há dias, um grupo teve a ousadia de entrar num edifício onde funciona um pequeno hotel e, dirigiu-se a um dos quartos do 1º andar, exigindo dinheiro ao hóspede que, por considerar estar-se ainda em época festiva, decidiu dar-lhes uma nota de vinte dólares. O grupo não aceitou, achando pouco a oferta, exigiu que lhes fossem oferecidas bebidas alcoólicas e, como ninguém lhes deu o que pretendiam, afastaram-se não sem antes ameaçar o hóspede de que iriam voltar mais tarde…
Uns dias mais tarde, o mesmo grupo, de novo completamente embriagado, procurava atemorizar o dono do hotel gritando que iria incendiar o edifício.
Nas duas ocasiões, chamou-se a polícia que nada resolveu… e os vândalos conscientes de que há impunidade total, vão semeando a violência e somando asneiras.
Não sei se estes jovens selvagens que continuam a intimidar a população fazem todos parte dos inúmeros grupos de artes marciais que são herança dos tempos da ocupação e cresceram como cogumelos depois da independência, sendo alguns deles bastante acarinhados.
Mas, serão apenas eles? E, se forem, com tanta polícia internacional no país, será assim tão difícil parar com os confrontos que se verificam entre grupos? E, se os autores destes confrontos constantes não forem só elementos dos grupos de artes marciais, será assim tão difícil descobrir-se quem continua apostado na destruição e na violência, contribuindo para o descrédito total deste país? Ou será que é isso mesmo que se pretende?

segunda-feira, janeiro 15, 2007 

Os senhores deputados não têm vergonha?

O Parlamento Nacional está muito preocupado com o futuro.
Não, não fui suficientemente clara e vou refazer a frase: O Parlamento Nacional está muito preocupado com o futuro deles, dos deputados e de outros titulares de cargos políticos.
Nas suas mentes devem bailar alternadamente os ditos sobre que “o futuro a Deus pertence” mas ““homem prevenido vale por dois”.
E porque não há nada como cada qual precaver-se, o Parlamento Nacional - que resultou da transformação instântanea de Assembleia Constituinte em Parlamento Nacional -, consciente de que ainda não tem mão no porvir, tão preocupado que está com os dias que aí vêm podendo ensombrar os dias sempre luminosos da classe política, deitou mãos ao trabalho!
Os deputados têm suado as estopinhas, têm-se esforçado dia e noite para poderem descansar quando acabar esta legislatura! Trabalhar cansa, pois claro...
Por outro lado, todos sabem o sacríficio que representa ter de estar no Poder – que enfado, as luzes da ribalta, o nome nos jornais! Que canseira! - não ignorando ninguém que a coisa pública/política exige muito trabalho, muito esforço, algumas sestas não dormidas e outras tantas sextas-feiras a trabalhar até ao fim da tarde!
Eles pensam que merecem o melhor. E se merecem porque não trabalhar seriamente e muito profundamente sobre uma lei que cuide do seu futuro, dos seus privilégios?
O povo deve compreender que os deputados se têm desdobrado para resolver os seus problemas.
O povo sabe que eles são os seu representantes, a sua voz. Por isso, com certeza comprenderá que, deputados e órgãos de soberania, resultando de um conceito muito específico de Povo, são especiais, são diferentes do resto do povo timorense... essa sofrida mole imensa, gente indistinta que, contudo, tem o dever de compreender o porquê das coisas.
O povo tem obrigação de saber qual a razão pela qual o Parlamento trabalhou tanto, gastou tanta energia eléctrica para manter o hemiciclo fresco com os aparelhos de ar condicionado enquanto eles, os do povo, vendiam cordas de mangas, ananases e legumes na rua ou o homem do cancu passa dias inteiros com água atè à cintura tratando da horta pantanosa para ganhar um ou dois dólares por dia...
Claro que faltava energia horas a fio em bairros inteiros tal como é claro que era preciso aos senhores deputados ter as melhores condições para poderem produzir a melhor lei em defesa dos seus próprios interesses!
O povo sabe que eles já foram a Portugal, ao Brasil, à China, à Indonésia, aos EUA, a muitos países da União Europeia, ao Japão e alguns até a Cuba, a Taiwan, etc, etc, para aprender, sofrendo com o jet lag, com os fusos horários que lhes deram cabo de muitas horas de sono para além da hora da sesta! Tudo em nome do povo! Coitados dos deputados...
O povo também sabe que os deputados podem importar um veículo sem pagar os impostos que paga o resto do povo que os elegeu. É um privilégio pequeno, pois é...
E sempre em nome do povo, eles, os titulares de cargos públicos e políticos, irão prestar-se para ser as “cobaias” do doloroso “projecto piloto” que está agora em debate na Universidade Nacional. A ver se as pessoas se esclarecem, se entendem e se sensibilizam com a necessidade inadiável e a urgência da lei que tem de ser aprovada já, porque eles, os deputados e outros titulares de cargos públicos e políticos estão esgotados e merecem ter um resto de vida muito descansado!
Daqui a um 20, 30 anos, depois dos senhores deputados e outros titulares de cargos públicos e políticos terem interiorizado as mordomias, os privilégios, então será altura de pensar no resto do povo timorense. Agora, não!
Agora, a atribuição de reforma vitalícia é só para eles, os insignes deputados e outros titulares de cargos públicos e políticos. É para isso que os timorenses – os 10 por cento que trabalham – descontam mensalmente se ganharem mais de 100 USD. Os outros 90 por cento, de todos os escalões etários, os que não trabalham, esperem que haja emprego! Até porque Timor é o país mais pobre da Ásia e não faz sentido pensar agora em atribuir qualquer tipo de benefício ao povo...
E estamos em crise. Ou não estamos?
Agora, quem precisa são eles, os deputados e os outros titulares de cargos públicos/políticos. Que também precisam de ter carro, casa, telemóvel. Porque “trabalharam” para o povo, pelo povo e devem ser recompensados.
O resto do povo sofre? Que importa! Eles ficarão bem!
O resto do povo não tem emprego? Que importa! Eles têm a sobrevivência garantida!
O povo não sabe bem o que é a segurança social? Ainda bem para não exigir nada...
Quem trabalha também quer ter direito a reforma ? Um dia mais tarde, muito mais tarde, lá para as calendas... agora, não, que é altura de, sacrificadamente, “ajudar a reconstruir a Nação”.
Dizem os jornais que esta lei serve para engordar os deputados enquanto o povo sofre, os refugiados apodrecem nos campos e correm o risco de ficar sem ajuda do Governo. Dizem os jornais que é uma lei imoral. Contrariamente, pensam os deputados que se julgam merecedores de recompensa!
Por muito que pareça ficção, estou a falar de Timor-Leste e da legislação que prevê a atribuição de reforma vitalícia aos deputados e a outros titulares de cargos públicos/políticos, a quem não deve faltar casa, carro e telemóvel.
Os deputados, estes deputados, foram eleitos pelo povo para a Assembleia Constituinte o que não deixa de ser bizarro porque escreveram uma Constituição tão profusamente rica em “povo” mas esqueceram-se dele muito depressa!
A pobreza é extrema, o povo vive na miséria, a mortalidade infantil é altíssima, as crianças trabalham, as crianças viraram pedintes e dormem na rua, as pessoas passam fome e muitos não têm casa, os idosos dependem inteiramente dos familiares, não há emprego, os jovens não têm objectivos num país em crise: crise de valores, crise económica, crise social, crise política, crise militar...
Mas os deputados e outros detentores de cargos públicos e políticos vão ficar bem, muito bem! Cuidaram muito bem deles e atribuem-se direitos e privilégios com que outros timorenses nem se atrevem a sonhar!
Apetece-me perguntar: senhores deputados e outros senhores titulares de cargos públicos e políticos, os senhores não têm vergonha?

sexta-feira, janeiro 12, 2007 

Generosidade, a quanto obrigas...

Pensava eu que os casos de poligamia faziam parte de um passado distante, convencida que estava de que o aumento de católicos a partir do tempo da ocupação indonésia havia servido para dissuadir os homens de coleccionar mulheres.
Estava bem enganada. Os homens continuam a ser polígamos; alguns deles dizem que só praticam a poligamis para assegurar que deixam descendentes, mas outros assumem que gostam de ter muitas mulheres, assim haja poder económico, que é como quem diz, assim haja muitos terrenos, casas e animais onde possa estar cada uma delas cuidando e esperando o seu dia - a sua vez - de ver o homem generoso...
Há dias, contava-se em conversa de amigos que Robertino, havia casado com a mais velha de um grupo de irmãs. Passaram-se uns anos e Josefa, a mulher, não conseguia engravidar. Robertino desejava imenso um filho e, depois de muitas conversas com toda a família, pediu autorização à mulher pra desposar uma das outras irmãs mais novas, Josefina.
Foi-lhe concedida a devida licença.
Realizou-se o casório e Josefina engravidou logo de seguida.
Quis o destino, porém, que Josefa - finalmente! - também engravidasse de Robertino. Não se pense, contudo, que houve choro e ranger de dentes! Nada disso! Houve, sim, festa lá em casa e hoje vivem os três, na mesma casa, com os filhos de ambos, que são mais do que dois das duas mulheres, em perfeita harmonia!
***
Mau Kraek é já um "velho" de 60 anos. Tem 15 filhos. Continua ostentando o nome gentílico porque não se baptizou.
Mau Kraek encontrou um velho amigo que não via há muito tempo, pelo que era necessário actualizarem a conversa.
P - Mau Kraek, tantos filhos!
R - Sim, mas eu tenho duas mulheres. São filhos das duas! Mas o que eu queria, era ser como o meu pai que tinha quatro mulheres. Só que eu não tenho horta suficiente para distribuir pelas quatro...
P - Então, tu não te baptizaste?
R - Eu queria baptizar-me mas, sabes qual é o problema? É que se eu me baptizasse não podia ter as minhas duas mulheres! E eu quero mantê-las comigo!

quarta-feira, janeiro 10, 2007 

E se a moda pega?

Acusadas de feitiçaria, três mulheres foram queimadas, assassinadas, em Maubara, uma bonita região que se estende do mar à montanha e dista uma hora de Díli.
Com o julgamento do ex-ministro do Interior, esta notícia passou ao de leve. No entanto, ela afigura-se-me preocupante.
Em Timor, desde sempre o ser humano viveu em natural coabitação
com seres do outro mundo, invísiveis mas presentes na vida quotidiana da aldeia, do suco e até mesmo da cidade.
Mais certo é que sempre coabitou com pessoas, como bruxos, feiticeiros e fantasmas, a quem eram atribuídos poderes recebidos, herdados de alguém de um Mundo desconhecido.
Alguns dos bruxos viviam sob o mesmo tecto; tal como no caso das três mulheres (avó, filha, e neta), se o pai ou a mãe eram “buan”,- o termo em tétum para bruxo ou feiticeiro -, o mais certo é que a família herdava o dom... Claro que, como também facilmente se depreende, numa sociedade fechada, com pouco contacto com o exterior, o “poder” dos feiticeiros era tido em alta consideração para além do receio normal que inspiravam. Mas daí
a serem mortos...
Por não ter ideia de cenas como esta nos tempos da minha meninice, resolvi perguntar à minha volta se assim era em tempos idos.
José falou-me de um caso idêntico em 2000, em Lospalos, frisando que
o assassino da pobre vítima foi parar à prisão.
Marta diz-me que, no tempo dos portugueses, nos sucos mais
recônditos, por vezes os feiticeiros eram espancados, acrescentando que “a notícia nem chegava a Díli”. Marta dá-me conta ainda de que, no tempo da ocupação indonésia, era hábito meter a vítima num saco, transportando-a “como se faz aos porcos” e espancá-la até à morte...
Carlos concorda e acrescenta que no tempo da Indonésia era assim: volta e meia desaparecia alguém por ser feiticeiro...
Como bem questionam os três, quem tem evidências sobre o facto de se ser ou não bruxo e dos seus respectivos actos de bruxaria? E, porque bruxos e feiticeiros sempre os houve em Timor, adiantam que pode bem ser uma manobra de diversão, para distrair a atenção das pessoas, ao mesmo tempo que vão dizendo que, forçosamente, tem de haver qualquer outra razão para este crime desumano e hediondo. É, dizem, um mau prenúncio!
Entendendo a perigosidade da coisa que nada tem de ligeiro, especialmente agora que os ânimos andam tão exaltados e o desvairo anda à solta, todos eles deixam no ar a pergunta: E se a moda pega?

segunda-feira, janeiro 08, 2007 

Ataúro

Nunca fui ao Ataúro mas sei que este é o lado da ilha de Ataúro que não é habitado. Na outra banda, do lado de lá, há belas praias de água azul transparente que fazem as delícias dos mergulhadores.
Ataúro é uma ilha pequena, pobre e, no entanto, cheia de curiosidades, de mistérios.
Foi destino para os deportados políticos do tempo de Salazar que “precisavam” de reflectir melhor, mais profundamente sobre o sentido da vida, como foi o caso do Senhor Mário Lopes, deportado de São Tomé e Príncipe e do meu pai.
Mais tarde, no tempo da ocupação, para lá foram desterrados os timorenses indesejados do regime indonésio que por ali se deixaram ficar com as suas famílias. Diziam esses populares que viam bastas vezes homens vestidos de fato negro bem justo saindo das águas, com uns pés grandes “do tipo dos sapos”. Fantasia ou não, isto prende-se com o que também se diz da ilha de Ataúro. De formação recente, tem a forma de um cogumelo, sob o qual se constituiu natural e seguro porto para submarinos…
Em Ataúro, diz-se, não há ladrões. Porque existe uma cobra, de pequeno porte, que adivinha tudo e, com o seu veneno, ataca o gatuno e mata-o com a sua picada mortífera…
Outro aspecto curioso é a existência de católicos e protestantes em pacata coabitação. Mas, não há bela sem senão: na praia, há um resort, um conjunto de cabanas típicas, explorado por uma senhora fundamentalista religiosa australiana que já lá vive há umas dezenas de anos. Talvez devido ao isolamento ou à provecta idade, a dita senhora – contam os turistas que lá vão - anda a convencer os locais de que não devem permitir que as mulheres mostrem o corpo quando se põem em biquini…

domingo, janeiro 07, 2007 

Verde, esperança...

A paisagem já mudou de vestimenta. O castanho terroso das montanhas que circundam a cidade foi substituído pelo verde. O chão está atapetado de verde e as árvores surgem mais frondosas. O mar é uma mescla de azul e verde, transparente, menos bonançoso …
Verde, verde… esperança, para além da paisagem, onde moras?
A montanha transfigurou-se . O timorense é que ainda não. É pena que ninguém acredite na continuidade do sossego que desde o Natal quase se tornou real. Ou que o mesmo ainda não esteja suficientemente interiorizado para que, sob, a sua protecção, se possa passear por este belíssimo país que é Timor-Leste. Não sendo isso possível, dá-se a voltinha dos tristes que é como quem diz, vai-se à Areia Branca pela marginal e pela marginal se regressa que esta, mesmo descuidada, continua sendo um regalo para os olhos…
Num curto passeio até à Areia Branca cruzámo-nos com bastantes autocarros vindos da Posta Leste, de Lorosae. Percebi então a razão de tanto autocarro estacionado imediatamente antes da ponte de Bidau. É que o novo terminal mudou de Becora para ali. Explicam-me que assim é porque ninguém quer passar pela estrada de Fatu Ahi, onde houve problemas sérios entre o grupo de Alfredo Reinado e as FDTL lideradas pelo coronel Lere e o medo, bem como as más recordações desses Abril e Maio, ainda não desapareceram.
Reparo num um conjunto de casas em pedra ainda inacabadas. Bonitas, por sinal. Uma delas está literalmente em cima da estrada. Deixou de haver passeio e, se alguém por ali passar a pé, terá de se afastar para a via pública arriscando-se a ser atropelado. Se isso acontecer, de quem será a responsabilidade?
Um bocado mais à frente, junto à praia, umas quantas árvores foram derrubadas. Ouvi dizer a um morador do lugar que ali vai nascer outra discoteca. Aliás, aquela zona está a tornar-se muito “in”, muito movimentada, com discotecas e restaurantes junto à praia onde é agradável comer-se um bom peixe grelhado ouvindo o marulhar das ondas do mar.
Há momentos em que sabe bem perder-me com estas descrições de Timor, pedaço de paraíso! É pouco, mas transporta-me aos tempos de quietude timorense e isso me basta para me esquecer, pelo menos momentaneamente, que a energia eléctrica continua a faltar umas quantas horas por dia, que o lixo se amontoa na berma das estradas até que o cheiro nauseabundo acorde o responsável pelo saneamento da cidade, que posso ser apedrejada ao fundo da minha rua, que os grupos rivais continuam a conflituar-se, que os campos de refugiados continuam cheios, que a paz pode ser apenas uma miragem…
Ai, Timor Lorosae!

sábado, janeiro 06, 2007 

Braço de Ferro?

A transferência dos refugiados/deslocados para os locais de acolhimento preparados pelo governo parecia estar a efectuar-se sem problemas. Contudo, o número dos que aceitaram regressar aos distritos, voltar para as antigas moradas ou acolher-se nos locais de acolhimento do Governo é de pouco mais de 1.500 pessoas, correspondentes a 229 famílias, cumprindo a sua parte numa acção que está a ser desenvolvida pelo Ministério do Trabalho e da Reinserção Comunitária, com o apoio do Ministério das Obras Públicas e das Forças Armadas.
O plano do governo previa o reforço das condições de segurança nos bairros da capital, a criação de um programa de apoio que previa o transporte para os distritos ou aldeias de origem e a entrega de dose reforçada de ajuda alimentar e de materiais de construção, para recuperação ou criação de novas residências.
Mas, números são números: são quase 30 mil os que se negam a sair dos campos. Em causa, estão os direitos. Diz o porta-voz dos grupos de refugiados/deslocados dos vários campos espalhados pela cidade que a actuação do Governo constitui uma violação dos seus direitos, uma vez que, dizem, a mudança se iniciou sem seu prévio consentimento e sem terem sido criadas as necessárias condições de segurança. Ninguém lhes perguntou nada e eles entendem que têm uma palavra a dizer.
Os refugiados/deslocados negam-se a sair das suas tendas ainda que as condições de habitabilidade dos respectivos campos tenham piorado desde que começou a época das chuvas, mesmo que volte a acontecer o que se viu há dias, em noite de intenso vendaval, quando muitas das tendas voaram e os seus habitantes ficaram à mercê da chuva e do vento e mesmo sabendo que não vão continuar a receber ajuda alimentar.
No noticiário da RTTL, numa zona onde vai surgir um novo bairro popular, um dos populares queixava-se de que nada lhe haviam dito, ao mesmo que se lamentava do destino inglório da sua horta de uma dezena de pés de milho. O Ministro das Obras Públicas esforçava-se por explicar que tudo se fez de acordo com a vontade dos refugiados/deslocados assegurando manter a horta até à colheita do milho.
Para além de muitas outras possíveis considerações, o que daqui ressalta é que ninguém está satisfeito. Também parece que ninguém se deixou sensibilizar pela iniciativa governamental, preferindo continuar a viver nas precárias condições dos campos, sem segurança, sem ajudas, na miséria.
E a impressão com que se fica é que se está a assistir a um braço de ferro o que sugere que anda no ar nova faceta da crise… Infelizmente!

sexta-feira, janeiro 05, 2007 

A crise tem destas coisas!

Acrescento, ao que nos leva a crise, Santo Deus!
Digo isto porque, perante a notícia de um assalto a uma casa particular me passou pela cabeça que isso representa, de certa forma, o regresso à quase normalidade da vida de uma qualquer cidade!
Achei até que significava uma melhoria nos dias conturbados das nossas vidas em Timor-Leste. Pois se até sobra tempo aos ladrões para engendrarem um assalto a uma casa com quatro ou cinco cães de guarda!
Desagradável foi o facto de os donos da casa ficaram sem telemóvel e dinheiro levados por amigos do alheio pouco interessados em rádio, televisão ou computadores.
Há por aqui uma crença que diz que, para uma casa não ser assaltada, se deve colocar uma bacia cheia de água junto à porta da entrada da casa, onde também deve figurar uma vassoura virada ao contrário. O ladrão assusta-se com a sua imagem reflectida na água, os donos da casa acordam e o gatuno foge antes de ser apanhado. Contou-me uma antiga colega de liceu que “lá em casa, todas noites, pomos uma bacia de água em frente de cada porta ou janela e até agora não fomos assaltados!”.
No assalto à tal casa, os donos da casa, os dois afilhados e os cães dormiam todos a sono solto, dando tempo a que os ladrões escolhessem o que haviam de levar com eles, passeando-se pelo quarto, levando um par de calças do dono da casa para a sala delas retirando a carteira e deitando fora o estojo de beleza da senhora, preferindo o porta moedas e os óculos escuros que de nada lhes vão servir porque são graduados.
Os dois afilhados acordaram quando a energia eléctrica voltou depois de umas horas de normal ausência nocturna ou diária conforme apeteça à EDTL e ainda viram fugir os ladrões, reparando que tinham as caras encapuzadas. Pensando bem, a situação ainda não está normalizada. É que há assaltos ainda mais sofisticados, diferentes deste, que levam mais tempo na preparação.
Há uma outra teoria que versa sobre os assaltos efectuados por homens nus que assim assustam os cães e os deixam mudos e quedos, sem acção. Diz-se que utilizam uns pozinhos – há quem assevere ser cal viva e ossos humanos moídos - que transporta toda a gente para um profundíssimo sono do qual os adormecidos só acordarão quando eles, os ladrões, tiverem levado tudo quanto lhes apetecer.
Parece história mas tem algum fundo de verdade e quem me ler e já passou por isso sabe do que falo!
Conta-se a propósito a história de pessoas que acreditavam ser inatacáveis porque tinham segurança capaz, porque acordavam até com o esvoaçar de uma mosca e, afinal, se deixaram transportar para o tal sono profundo e foram roubados sem dar conta de nada, a não ser quando, por exemplo, queriam saber as horas e não apanhavam o relógio na mesinha de cabeceira…
De tal sono preferiria eu não acordar! Acho que morreria de susto!

quinta-feira, janeiro 04, 2007 

Tranquilidade

O ano de 2007 começou tranquilo. Entrou de forma discreta, tímida, contrariamente aos anos anteriores, longe da euforia das noites de festa animadas por conjuntos populares a quebrar o silêncio nocturno. Em Díli, apenas o rebentamento de fogo de artifício que isoladamente se ouvia marcou a chegada do novo ano.
A violência marcou presença na noite da passagem do ano e o Hospital de Díli prestou assistência a 28 pessoas feridas, a maior parte vítima de conflitos que fazem parte da nova forma de estar de muitos moradores jovens de alguns bairros da capital.
A cidade continua meio vazia, meio adormecida, com as repartições públicas a funcionar a meio gás e as ruas pouco movimentadas. Os estrangeiros saíram, na sua maioria, de Timor-Leste, indo gozar as festas noutras paragens mais apetecíveis e os timorenses ainda não regressaram dos distritos, da montanha, da terra, para onde partiram na semana do Natal.
Deixei-me ficar em Díli. Noite calma, manhã de ano bom mais agitada. Tive o meu baptismo de pedradas-e-vidros-partidos -de que, aliás, já falei em comentário ao texto anterior a este - logo no dia 1, quando assistia pela RTP-I os festejos da passagem do ano em Portugal. Eram 9 horas.
O ano vai ser muito agitado! Vamos ter eleições, vamos ter julgamentos, estamos a assistir a alguma relutância dos 28 mil deslocados em saírem dos campos e aceitarem o acolhimento temporário em locais preparados pelo Governo, mesmo sabendo que, a partir de agora, deixam de contar com o apoio das agências da ONU e de organizações não governamentais, o que significa o fim da distribuição de ajuda alimentar nos campos, bem como do abastecimento de água e electricidade.
É cedo, não devia talvez precipitar-me – até para não espantar a sorte e tendo em conta que há muita poeira no ar!- mas apetece-me terminar o primeiro post deste novo ano dizendo que espero que a tranquilidade, ainda que relativa, destes primeiros dias seja um bom prenúncio para o ano de 2007 em Timor-Leste!
Paz!
Quem me dera!