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segunda-feira, agosto 07, 2006 

Quem olha por Díli?

Em 1999, Díli estava deserta e a maior parte das casas estava abandonada pelo êxodo forçado dos seus locatários. A insegurança, tal como hoje, obrigava a fugas tão imprevistas quão desesperadas. Uns deixaram tudo para trás e refugiaram-se no outro lado da ilha. Outros, os imigrantes indonésios, retornaram ao seu país. Outros ainda, também eles fugindo das milícias que semeavam o terror com a aquiescência das tropas indonésias, desceram das montanhas. Vieram para a cidade e aqui se deixaram ficar, ocupando as casas que haviam sido abandonadas. Havia ainda quem não se tivesse abrigado em nenhuma casa de pedra e cal antes preferindo recriar na cidade o seu modo de vida da montanha.
Quem esteve em Timor-Leste nesse ano de 1999, há-de lembrar-se, certamente que, ali defronte do Palácio do Governo, bem junto ao mar, em menos de um ai nasceu um aglomerado de cabanas, onde não faltavam os “amigos” porcos para completar o quadro bucólico da montanha.
Díli, quase totalmente destruída, era um dó de alma. Pior que hoje. Umas às outras seguiam-se as casas incendiadas. Umas atrás de outras calcorreavam-se as ruas, em busca de um sítio para abrigar-se do sol, para comer e dormir ou comprar qualquer bem básico. Havia também os que percorriam os cantos todos, incansavelmente à procura de uma casa-de-banho. E, quem a encontrasse, chamava-lhe sua, dela guardando máximo segredo se tanto partilhado por mais uns dois ou três elementos de confiança!
Convém recordar que, de acordo com quem ficou na cidade, enquanto os refugiados saíram com a roupa no corpo, os militares transportavam nos camiões para o porto de Díli tudo o que encontravam, incluindo colchões, mobílias, torneiras, portas, sanitas…
À procura de casa-de-banho não precisavam de andar os novos moradores do jardim fronteiro ao Palácio. Afinal, o mar estava mesmo ali…
A imponência do Palácio do Governo ficou por uns tempos reduzida. O que então sobressaía na paisagem era o aglomerado de cabanas e as pessoas de olhar vago, errante, inadaptado, provavelmente perdido na lonjura do mar recordando o que haviam deixado na montanha. Contemplava-se o mar e dele se fazia a sua casa-de-banho, tal como o espaço vazio à sua volta.
Lembrei-me disto ao passar defronte do mercado improvisado que se estende pela marginal de Díli, próximo do mar e das embaixadas. Ali, as pessoas não têm o olhar perdido de 1999, tempo sobre o qual passaram já seis anos. Andam todos numa lufa-lufa, arranjando o melhor que podem as suas bancas de peixe, fruta, legumes, cocos ou roupa, imperturbáveis perante a vã tentativa de fuga dos frangos e galinhas das gaiolas em que os guardam apertados. Mas, de olhar ansioso, perscrutam à sua volta e não perdem pitada de nada. São quase todos de Lorosae e mantêm-se de sobreaviso.
Também ali, o mar se espraia e se oferece a quem nele queira descansar os olhos. E aquele mar que se contempla de olhar esquecido serve igualmente de casa-de-banho, como aliás o campo junto da Pertamina.
Em Agosto, os dias estão mais frescos, há quase sempre uma brisa no ar, vento forte algumas vezes, mas o sol continua a queimar! E porque não chove, os cheiros, bons e maus, tornam-se ainda mais intensos. Infelizmente, naquele mercado, os cheiros maus sobrepõem-se a tudo.
E se isso acontece numa zona de eleição, escolhida para acolher as embaixadas, onde também moram figuras públicas como o administrador da cidade, imagine-se o que será noutros locais menos evidentes!
Talvez fosse de aproveitar este momento para se lavar, rearrumar, rearranjar e planificar a cidade de Díli, aproveitando-se para construir, finalmente, instalações capazes para esses vendedores. O que só será possível se houver regras definidas para a ocupação dessas instalações. E, claro, desde que todos tenham casa, única forma de evitar que façam de um qualquer espaço vago casa, local de trabalho, dormitório, refeitório, sanitários, curral e galinheiro. Tudo no meio da rua.
Quanto às casas e sua ocupação arbitrária, isso dará para mais uma conversa. Amanhã…