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quarta-feira, agosto 02, 2006 

Incertezas

Em vez de 60, foram cortados 450 metros de cabos, o que, como também é fácil perceber-se, dificulta ainda mais a reparação da linha. Podendo parecer deselegante clamar contra a falta de um bem a que só alguns têm acesso, dei por mim a aceitar como facto normal que a reparação se faça um dia destes, sem prazo, possivelmente quando a empresa de telecomunicações entender que não haverá perigo de mais nenhum acto de vandalismo.
Até lá, encho-me de paciência e deslocar-me-ei feliz e contente a um qualquer Internet café da cidade. E aí, é só escolher. Depois de postado o texto, se quiser marcar encontro com a visão mais mundana e mais ocidental da crise, vou a uma unidade hoteleira bem conhecida. Se, pelo contrário, quiser ouvir a voz do povo, então o melhor é dirigir-me à loja da TT.

***

Os nossos dias estão repletos de sentimentos díspares. Como pano de fundo que bem transmite o pulsar do país e a atmosfera socio-política actual, escasseia quem esteja confiante e optimista, abundam aqueles que se dividem entre a incerteza e a descrença total.
Um jovem que foi meu aluno de português mostrou-se muito descrente de tudo e dizia-me “oh, professora, isto agora está a ficar muito complicado. Havia um problema militar, juntaram-lhe o problema étnico e depois a questão política. São muitos problemas juntos. Não sei onde vamos parar! Deixei de acreditar.”
A isto retorquiu um outro mais velho, da casa dos 50, desconfiado mas nem tanto, dizendo que “não é a melhor solução, mas temos de dar o benefício da dúvida a este governo”.
Entre os descrentes e os desconfiados há também os que esperam que um milagre aconteça nestes nove meses de governação sob a égide do Dr. Ramos Horta. Talvez por isso se tenha prestado tanta atenção às palavras do PM sobre os enormes desafios que elegeu e que vão da reconciliação, à consolidação da segurança e à reforma das instituições da defesa e segurança, passam pela preparação das eleições, à redução da pobreza e ao crescimento económico.
Na expectativa do milagre, vai-se sobrevivendo. Difícil é esperar indefinidamente; o tempo urge e os problemas são imensos.
Da leitura dos dois diários timorenses de maior circulação, destaco o registo da morte de duas crianças no campo de refugiados de Comoro provocada por diarreia, aliada a um avançado estado de fraqueza.
E se isto acontece entre a população refugiada que, mesmo em condições precárias, tem acesso a apoio médico ainda que básico, a distribuição de arroz – havendo até quem garanta que os refugiados só permanecem nos campos para receber víveres - o que estará a suceder àqueles que estão literalmente entregues a si próprios?
Numa aldeia em Bobonaro, em Loromonu, um ataque executado por um grupo desconhecido e armado provocou a morte de uma pessoa e três desaparecidos; no distrito de Lautém, na Ponta Leste, o número de refugiados de várias áreas de Lorosae como Tutuala, Iliomar, Luro e Lospalos (sub-distrito) ascende a 9210 pessoas.
Para além de ficar então entendido que o campo de acção da crise e da instabilidade já extravasou a cidade de Díli, sabendo-se que Bobonaro fica situado no Oeste, em Loromonu, e Lautém no extremo oposto, em Lorosae, ficam pairando no ar outras tantas incertezas.
Será que os refugiados da Ponta Leste fogem de si próprios, dos próprios firakus que constituem a sua população?
E em Bobonaro, área Bunak e Kemak da zona dos caladis, quem comete os ataques? Elementos da própria população de Loromonu? Gente que veio do outro lado da fronteira?
Ou será que as gentes de Lorosae e de Loromonu estão dispersas por todo o país, o que torna ainda mais evidente a injustificável imprudência do diferendo criado em volta da questão Lorosae, Loromonu?