Por um bom par de horas, sobressaiu a sensação de que se havia retrocedido no tempo. Por um tempo, ficou esquecido o ambiente na cidade. Naquelas duas horas, uma serenidade real ocupou o lugar da calma aparente, dos problemas dissimulados nos campos de refugiados cujo futuro todos adivinham problemático, da violência nos bairros mais recônditos da cidade onde todos os dias se acrescentam mais uns pontos na história de ódio e de vingança deste povo.
Ouviu-se música ao vivo, cantou-se em tétum, em português, em castelhano e um grupo de jovens esbeltos e trajados a rigor deu a conhecer algumas danças típicas timorenses no jantar em honra de um grupo de visitantes de Macau, liderado pelo vice-presidente do Conselho Olímpico da Ásia, Manuel Silvério – e também vice-presidente do Comité Olímpico da Região Administrativa Autónoma de Macau -que veio a Díli inaugurar a sede do Comité Olímpico Nacional de Timor-Leste.
Mas, lá diz o ditado que “não há bem que não acabe”… mal cheguei ao bairro, ainda mais escuro e despovoado que noutros dias, deparei com a realidade, a verdadeira, a legítima, aquela realidade que vivemos nesta cidade de Díli: não havia energia eléctrica. A falha durou 18 horas.
O clima de quietude que havia começado a tomar conta de mim, desapareceu num ápice. Pensando melhor, devo ter arrumado a ilusão de uma noite serena à porta do hotel onde decorreu o jantar. E como a uma ideia derrotista se segue outra e mais outra, fui-me lembrando das coisas desagradáveis dos últimos tempos.
Lembrei-me de imediato das seis longas horas em que ficámos privados de comunicação móvel num qualquer dia da semana passada quando também soube de dois jovens esfaqueados em Metinaro, dos mortos, da distribuição de armas, dos apedrejamentos diários, dos incêndios, das ameaças, dos roubos, da insegurança, da ambição do poder, da fome, da pobreza, da corrupção, dos boatos, dos rumores, da intriga.
Lembrei-me até que desde Abril passado nunca mais se ouviu música pela noite adentro tocada por conjuntos que animavam as festas de casamento onde as centenas e muitas vezes os mais de mil convidados dançavam até às seis da manhã, até ao “raiar do sol”, como rezavam os convites nos meus tempos de menina e moça …
Num momento, recordei a atitude tranquila e segura dos visitantes de Macau, numa manifestação natural de quem vive num ambiente calmo de uma cidade próspera, com boa qualidade de vida.
Lembrei-me de que, certamente - embora fosse real a calma na sala onde se realizou o jantar - tal como eu, todos os timorenses presentes se terão questionado, intimamente e com alguma angústia, sobre o porquê da nossa incapacidade para fazermos do nosso país um lugar aprazível, que seja para qualquer timorense um porto de abrigo. Ou de transformamos um momento de bonança numa vida com paz.