Outra vez, nunca mais…
Teodoro tem 20 anos e viveu sempre num lugar perdido entre montes e vales, nas montanhas de Loromonu, de onde trouxe o falar baixo, o olhar sereno fixado sempre longe, sempre mais além. Ajudava o pai na horta e nunca pôde estudar. Os irmãos homens, todos mais velhos, há muito se fizeram à cidade grande, onde conheceram as modernas mulheres da cidade, das que já não usam lipa (1) e se converteram ao uso do vestido e das calças como os homens. Perderam-se de amores e com elas constituíram família. Não que isso tivesse sido do total agrado dos pais que preferiam moçoilas da montanha, mais afeitas ao trabalho rural. As da cidade, pensam os velhos da montanha, já não sabem trabalhar nos campos… Têm outras modas e modos…
Chegou o tempo de Teodoro partir. Disse adeus às lutas de galos, mirou e remirou as verdes montanhas que rodeavam o seu lugar, fez a trouxa de uma só camisa, de um só par de calças e veio para Díli. Apresentou-se ao trabalho, num lugar calmo, menos amplo que a sua montanha mas onde não lhe faltava o ar! Para seu descanso, ali trabalhavam outros amigos da sua montanha. Estava em família. Mas, família, família, eram os seus irmãos de quem ele estava cheio de saudades! E depois, o jovem queria passear, ansiava por ver o movimento de carros e de pessoas, tudo completamente diferente do seu lugar;lá, havia céu azul, sim, mas faltava o mar imenso para deleite dos seus olhos. Só de imaginar, os olhos de Teodoro brilhavam de deslumbramento!
Juntou duas folgas e, manhã cedo, mal se adivinhava o novo dia, ainda os pássaros mantinham as asas fechadas coladas ao corpo e mal haviam aberto os olhos, já o nosso amigo Teodoro se aprontara, camisa e calça domingueira, cheirando a Life Buoy, cabelo bem penteado para trás, peito para fora, quase parecendo um ba´i no(2) e pronto para a visita aos irmãos que não via desde que a crise rebentara.
Guilhermino, outro jovem a trabalhar há mais tempo na cidade, pacato e pouco dado a confusões, bem o avisou:
- Oh, Teodoro, olha que na capital as coisas não estão nada boas para passeios! Fica em casa! Aproveita para dormir…
Mas Teodoro não lhe ligou nenhuma. Olhou-o de alto a baixo, e afastou-se. Cogitando que, se onde ele trabalhava reinava uma certa acalmia, talvez o amigo estivesse a exagerar e, de certeza, na capital tudo estava na paz de Deus!
Em casa, todos ficaram apreensivos com a primeira saída do jovem montanhês pelo que, na noite anterior ao do regresso ao trabalho, os “tios”, gente também ela oriunda da montanha, amiga de infância e de folguedos dos pais dos dois rapazes, perguntaram a Guilhermino se o amigo Teodoro já havia voltado.
- Oh, tia, o Teodoro voltou esta manhã muito cedo e dormiu o dia todo! Ainda está a dormir! – respondeu Guilhermino sem conter uma risada.
- Então, vai acordá-lo, quero saber o que se passou - disse a tia velhota.
Passado algum tempo, um tempo bem longo, lá veio Teodoro, camisa e calças amarfanhadas, despenteado, olhos vermelhos, arrastando os pés, cabisbaixo e sem conseguir disfarçar o olhar assustado…
- Então, Teodoro, que te aconteceu?
E à fala habitualmente calma sobreveio o discurso em tom de voz elevado, rápido, atabalhoado, nervoso também.
- Bos nôte, tia!, bênção, tio! Não dormi nada! Aquilo é uma confusão. Durante a noite inteira eram só pedradas e gritos! Os de Lorosae todos os dias provocam os de Loromonu. Os de Loromonu têm de responder. Os meus irmãos estão cansados, não têm descanso! Tive medo. Foi só nascer o Sol e vim logo para casa! Agora, enquanto isto não sossegar, não saio mais. Prefiro gozar as minhas folgas aqui! Nunca mais!!!
Nunca mais, nunca mais… entreolharam-se os velhos tios recordados de outros dias de outros tantos nunca mais. Nunca mais é muito tempo! Um dia, tudo voltará a ficar calmo. Os homens hão-de cansar-se de tanta violência!
Os velhos viraram costas, dizendo, repetindo baixinho qual litania esperançada e lançada ao vento para espanto forçado do mal dos nossos dias, nunca mais, nunca mais… tanto tempo, muito tempo! Um dia… calma, calma… um dia voltará a calma, a paz… e nunca mais haverá crise nem guerra…
Pois, outra vez, nunca mais…
(1) – Lipa – Saia comprida e justa, enrolada em volta do corpo.
(2) ba´i no - jovem com certa formação escolar, pouco dado ao trabalho, diz Luís Costa
Chegou o tempo de Teodoro partir. Disse adeus às lutas de galos, mirou e remirou as verdes montanhas que rodeavam o seu lugar, fez a trouxa de uma só camisa, de um só par de calças e veio para Díli. Apresentou-se ao trabalho, num lugar calmo, menos amplo que a sua montanha mas onde não lhe faltava o ar! Para seu descanso, ali trabalhavam outros amigos da sua montanha. Estava em família. Mas, família, família, eram os seus irmãos de quem ele estava cheio de saudades! E depois, o jovem queria passear, ansiava por ver o movimento de carros e de pessoas, tudo completamente diferente do seu lugar;lá, havia céu azul, sim, mas faltava o mar imenso para deleite dos seus olhos. Só de imaginar, os olhos de Teodoro brilhavam de deslumbramento!
Juntou duas folgas e, manhã cedo, mal se adivinhava o novo dia, ainda os pássaros mantinham as asas fechadas coladas ao corpo e mal haviam aberto os olhos, já o nosso amigo Teodoro se aprontara, camisa e calça domingueira, cheirando a Life Buoy, cabelo bem penteado para trás, peito para fora, quase parecendo um ba´i no(2) e pronto para a visita aos irmãos que não via desde que a crise rebentara.
Guilhermino, outro jovem a trabalhar há mais tempo na cidade, pacato e pouco dado a confusões, bem o avisou:
- Oh, Teodoro, olha que na capital as coisas não estão nada boas para passeios! Fica em casa! Aproveita para dormir…
Mas Teodoro não lhe ligou nenhuma. Olhou-o de alto a baixo, e afastou-se. Cogitando que, se onde ele trabalhava reinava uma certa acalmia, talvez o amigo estivesse a exagerar e, de certeza, na capital tudo estava na paz de Deus!
Em casa, todos ficaram apreensivos com a primeira saída do jovem montanhês pelo que, na noite anterior ao do regresso ao trabalho, os “tios”, gente também ela oriunda da montanha, amiga de infância e de folguedos dos pais dos dois rapazes, perguntaram a Guilhermino se o amigo Teodoro já havia voltado.
- Oh, tia, o Teodoro voltou esta manhã muito cedo e dormiu o dia todo! Ainda está a dormir! – respondeu Guilhermino sem conter uma risada.
- Então, vai acordá-lo, quero saber o que se passou - disse a tia velhota.
Passado algum tempo, um tempo bem longo, lá veio Teodoro, camisa e calças amarfanhadas, despenteado, olhos vermelhos, arrastando os pés, cabisbaixo e sem conseguir disfarçar o olhar assustado…
- Então, Teodoro, que te aconteceu?
E à fala habitualmente calma sobreveio o discurso em tom de voz elevado, rápido, atabalhoado, nervoso também.
- Bos nôte, tia!, bênção, tio! Não dormi nada! Aquilo é uma confusão. Durante a noite inteira eram só pedradas e gritos! Os de Lorosae todos os dias provocam os de Loromonu. Os de Loromonu têm de responder. Os meus irmãos estão cansados, não têm descanso! Tive medo. Foi só nascer o Sol e vim logo para casa! Agora, enquanto isto não sossegar, não saio mais. Prefiro gozar as minhas folgas aqui! Nunca mais!!!
Nunca mais, nunca mais… entreolharam-se os velhos tios recordados de outros dias de outros tantos nunca mais. Nunca mais é muito tempo! Um dia, tudo voltará a ficar calmo. Os homens hão-de cansar-se de tanta violência!
Os velhos viraram costas, dizendo, repetindo baixinho qual litania esperançada e lançada ao vento para espanto forçado do mal dos nossos dias, nunca mais, nunca mais… tanto tempo, muito tempo! Um dia… calma, calma… um dia voltará a calma, a paz… e nunca mais haverá crise nem guerra…
Pois, outra vez, nunca mais…
(1) – Lipa – Saia comprida e justa, enrolada em volta do corpo.
(2) ba´i no - jovem com certa formação escolar, pouco dado ao trabalho, diz Luís Costa
Que saudades Eunice, dos nossos tempos do liceu Dr. Francisco Machado!
Um beijinho grande e continua presente!
Posted by Ângela Carrascalão 4:19 da manhã