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quarta-feira, agosto 16, 2006 

Vergonha

Nos tempos da ocupação indonésia, a cidade de Díli mostrava movimentação apenas quando o sol brilhava.
À noite e com o demónio à solta, os timorenses, sabendo que corriam o risco de desaparecimento por artes mágicas, preferiam manter-se fechados em suas casas, não fosse o diabo tecê-las!
Mas, mesmo durante o dia, as ruas estavam repletas de indonésios, militares, funcionários e transmigrantes. A noite pertencia totalmente aos militares. O país era deles.
Os timorenses escondiam-se, falavam baixo se alguém se lhes dirigia em tétum e suavam de medo olhando para todos os lados sempre que alguém com eles falasse em português.
Estava em curso toda uma preparação cuidada para acabar com a identidade timorense e criar um homem novo que deveria viver sob a batuta da ordem de Suharto.
Veio a independência e, com ela, o clima parecia de paz. As ruas regurgitavam de gente atarefada, o tráfego automóvel conhecia quase 12 horas de ponta, viajava-se de Lorosae a Loromonu, de Taci Feto a Taci Mane passando por Rai Klaran, indo ao Ataúro e a Oécussi, quase sem problemas.
Certo, sem dúvida, que aqui e além pontuassem alguns sinais de instabilidade. Entre estes, recorde-se a colocação de troncos de árvores nas estradas por populares de algumas regiões e consequente exigência de pagamento de direito de trânsito, as infiltrações de milícias na fronteira e os assaltos sazonais.
Certo ainda que das razões de descontentamento provocado pela mal conseguida governação se falava apenas em surdina. Nada era contudo determinante para manter ninguém fechado, nem se pôs em causa a liberdade de movimento das populações. Até Abril de 2006.
Com os acontecimentos violentos que se sucedem dia após dia, com os boatos que atravessam o país tão depressa como o vento, com a nossa incapacidade para vivermos em paz, participando na construção do país, para o que seria necessário que todos fôssemos considerados timorenses dilectos, de uma só classe, voltámos ao ambiente de antes de 1999. O medo tomou conta dos timorenses!
Mal se põe o sol, o povo resguarda-se entre portas. Não de suas casas, mas dos campos. E a terra fica sendo de ninguém. O demónio continua à solta e pode ter cara de anjo!
Durante o dia, escolhe-se com dificuldade cada vez maior, a via menos perigosa, a que esteja menos próxima das zonas de apedrejamentos. Anda-se na rua apenas se for de absoluta necessidade fazê-lo. Conversa-se enquanto se olha para o lado, sempre receando um qualquer ouvido espião que oiça e deturpe o que se diz. Ninguém viaja para os distritos a menos que se seja oriundo da zona. Todos têm medo de uma bala perdida.
O descontrolo interiorizou-se de tal forma que se acredita sem parar uns segundos para reflectir na razoabilidade do que é transmitido. Ainda há dias corria o boato de que a cidade iria ser sacudida por um violento sismo com dia, hora e magnitude predeterminados!
O descontentamento e a desvergonha chegaram a tal ponto que já se lêem confessadamente e se ouvem com um nada mais de discrição as opiniões de uns em manifesta e tortuosa saudade dos tempos anteriores à entrada das forças internacionais de 1999.
Quase parece ter-se varrido da memória de quem se mostra tão saudoso dos ocupantes todo o sofrimento por estes infligido aos timorenses!
Se se mantiver este clima de loucura e de desnorte de muitos e de desvergonha de outros tantos, não tarda nada surgirá um saudoso suficientemente desavergonhado e, certamente amnésico, a propor que algozes de ontem se façam heróis de hoje!
Por pior que tenha sido a governação dos primeiros anos de independência, ainda que o descontentamento tenha tomado tamanha proporção, nada justifica que se tente, sequer, aligeirar a culpa de quem ocupou, espezinhou e matou milhares de timorenses durante as duas décadas de presença no país. E menos ainda que alguém tenha a veleidade de aflorar sequer as suas “virtudes”.
Os que morreram por este país, desde 1975 e durante todo o período da ocupação indonésia que culminou no desvario de 1999, não merecem tamanha afronta!
E todos nós que estamos vivos e não perdemos a memória, de certeza nos sentimos cobertos de vergonha. Tanta vergonha que não admiraria que o sol ficasse oculto por um manto negro e, mais veloz que o vento do boato ou do rumor, o dia se fizesse noite escura!

Olá Angela:

É isso,... é uma tarefa contínua essa da luta pela democracia e por uma sociedade mais justa e mais fraterna para Timor.

Perante a adversidade do comportamento daqueles que se movem por interesses mesquinhos há que erguer bem alto a voz e proclamar a liberdade do Povo Timorense.

Bem hajas.

Um abraço,


Aguardo pelos teus comentários no EG e já agora propunha-te uma troca de links. Aguardo a tua posição.

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