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quarta-feira, agosto 23, 2006 

Fronteiras

Há muitos anos, quando Díli tinha 20 mil habitantes, a cidade terminava do lado de lá da ribeira de Comoro. Aqui, deste lado, precisamente até à ponte (na altura havia apenas as ruínas de uma ponte de antes da Segunda Guerra Mundial) estávamos em Bazar-Tete, fazíamos parte do posto de Bazar-Tete. Antes de Liquiçá ter passado a concelho, estas duas localidades estavam incluídas no Concelho de Ermera. Depois, Bazar-Tete ficou integrada no novo concelho de Liquiçá.
Já no tempo indonésio, com o crescimento da população urbana, foi preciso estender a cidade, o que se fez alargando a capital para estas bandas havendo, por consequência, que mudar as fronteiras. Foi assim que Comoro ficou sendo parte da cidade de Díli e que Tíbar marcava o princípio do concelho de Bazar-Tete.
Dizem os mais velhos que nesses tempos idos, as populações de Lorosae não se aventuravam por aqui. Vinham ao mercado, faziam negócio e voltavam para o Leste. Havendo naturalmente casos de pessoas que aqui viviam por estas bandas, parece que era na zona de Quintal Boot, Quintal Mascarenhas que se concentravam.
Nos tempos da ocupação indonésia, verificou-se alguma mudança com a maior mobilidade das populações de umas para outras zonas do país. Mesmo assim, os de Lorosae não passavam muito para além de Díli. Em 1999, depois do Referendo, grande parte das gentes do interior desceu à cidade. E foi já depois da independência que as populações do leste definitivamente se decidiram a criar raízes do lado de Loromonu, cujas habitantes se mantiveram dentro das fronteiras onde sempre haviam vivido.
Sabe-se que as soluções administrativas nem sempre são do agrado das populações locais. E, se a passagem de Liquiçá a concelho com a inclusão de Bazar-Tete foi pacífica – até por algum, pouco, desenvolvimento sócio-económico verificado– já o mesmo não se pode dizer da passagem de Comoro para o concelho e distrito de Díli.
Contrariados os de Loromonu pela vinda em massa dos habitantes de Lorosae, há , por parte da população do lado de cá, quem entenda ter havido por isso uma invasão de forasteiros de zonas consideradas suas, bem delimitadas, onde viviam e onde exerciam as suas actividades; há quem defenda, hoje, a reposição da anterior situação e que as coisas voltem ao que eram dantes. Ou seja, que Comoro volte a fazer parte do concelho de Bazar-Tete.
Percebe-se que a convivência entre as populações de Lorosae e Loromonu nunca foi nem muito acarinhada nem sequer aprofundada, tendo sido quase inexistente, não se querendo dizer com isso que essas sejam necessariamente razões para um conflito entre as populações das duas zonas geográficas de Timor-Leste. À falta de convivência também não terão sido alheias a falta de vias de comunicação, a distância entre as localidades e a própria morfologia do terreno. A isto soma-se a desconfiança natural entre gente que mal se conhece. E a percepção de que ninguém pensou ser urgente nem necessário para a construção da nação timorense a aproximação entre as populações de Lorosae e Loromonu.

Estive dois anos em Timor, fiz parte da Missão Geográfica de Timor, que fez o levantamento topográfico de toda a ilha e a sua ligação internacional por gravimetria em Darwin, e sinto-me muito triste por ver que esse país nunca mais tem descanso e os jovens não têm juízo... Mas não chega o que já passaram com a ocupação indonésia?
Gilberto Borges - Portimão

“No teatro da vida todas as personagens têm um papel a desempenhar. Estudem-no com afinco para o representarem o melhor possível. Só se a actuação for boa conseguirão os aplausos que tantos anseiam. Caso contrário só os apupos ouvirão em sinal de descontentamento.

Não interessa se para a construção da peça da Nação Timorense os personagens são de Lorosae ou Loromonu, do lado de cá ou do lado de lá da Ribeira de Comoro. O que realmente interessa é saber se todos os actores sabem qual é a peça de teatro em que estão a actuar.”
Cristina Brandão Lavender
23 de Agosto de 2006

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