Amor sem barreiras
Lá para os lados de Gleno, em Fatu Kero, uma aldeia remota do distrito de Ermera, uma bela jovem de cabelos compridos, lisos e negros, tez morena onde brilham olhos castanhos-escuros e amendoados, com um sorriso permanente nos lábios carnudos, apareceu um certo dia a falar fluentemente inglês e português.
Namadi - ou Noi Metan assim chamada devido aos seus belos cabelos negros e ao tom de pele -tinha 15 anos e andava na escola, onde já aprendia o português, falando-o de forma incipiente. Mas duas línguas estrangeiras, fluentemente faladas… bem, ali havia coisa! A família estranhou o facto e iniciou uma longa sessão inquisitorial até que Namadi acabou por contar a sua intrigante história.
Tinha dois amigos que lhe davam boleia diariamente de casa para a escola, conversavam imenso à beira da ribeira e foi assim que ela aprendeu as duas línguas.
Um dos amigos tem cabelos pretos, é alto, de raça branca, mas mais moreno que o outro, mais alto e mais loiro. Bem constituídos, sorriso aberto, os jovens são ambos malaes, ou seja, estrangeiros, e andam num carro branco. Ambos estão perdidamente apaixonados pela Namadi que já escolheu o dono do seu coração e não tem olhos para mais ninguém a não ser para o forasteiro de sua eleição.
Ao longe, algumas nuvens prenunciavam chuva; o dia estava quente, o sol brilhava e convidava a um passeio pelo que os dois amigos foram buscar Namadi.
Em conversa com ambos a quem entretanto falara da curiosidade familiar, Namadi mostrou-se pouco à vontade com o rumo que as coisas podiam tomar; os dois jovens ficaram igualmente apreensivos. Depois de algum tempo em que a troca de impressões aqueceu, decidiram-se por quebrar o sigilo dos passeios, optando por se apresentar à família:
- Vai dizer ao teu irmão que queremos falar com ele. Ficamos aqui à espera, debaixo desta madre-del-cacau.
E lá partiu ligeira Namadi em busca do irmão. Mal o encontrou, passou-lhe a mensagem:
- Vem, Mau Klau, os meus amigos do carro branco querem falar contigo. Vem comigo que eu levo-te até eles.
Não se via vivalma no caminho, nem se ouvia o habitual trinado dos pássaros quando os dois irmãos meteram pés a caminho correndo velozes por entre os cafezeiros em flor, sem parar nem um segundo.
- Vamos, irmã, o tempo está um bocado esquisito. Apressemo-nos! Não vá acontecer qualquer coisa!
- De que tens medo? – pergunta-lhe Namadi.
- Olha, o tempo já não é o que era, está demasiado calor, não há vento nenhum, lá ao fundo estão algumas nuvens bem escuras, a ribeira secou repentinamente e eu tenho receio de que venha uma tempestade ou que haja um tremor de terra! Vamos, temos de arrumar esta história!
Chegados ao local marcado para o encontro, suados e cansados, desejosos de um descanso merecido à sombra protectora da madre-del-cacau onde deveriam encontrar-se com os dois amigos, Namadi e Mau Klau olharam em redor e não viram nenhum ser humano.
- É estranho, eles disseram que ficavam aqui à espera! Mas o carro continua cá!- exclamou Namadi.
- Vamos lá ver! Mas, mas… que é isto? – gritou e gaguejou Mau Klau.
À sua espera, displicentemente deitadas à frente do carro, parado no leito da ribeira por onde não corria nem um fio de água, sobre as pedras estavam duas jibóias. Mau Klau abriu desmesuradamente os olhos, viu-as mas não queria acreditar no que os seus olhos mostravam e desatou a correr, só parando em casa.
- Pai, Mãe, está um carro parado na ribeira mas não está ninguém lá dentro. Só lá estão duas jibóias! Parece que os amigos de Namadi não existem!
Estabeleceu-se grande confusão na aldeia. Que mistério! Cogitava-se entre os mais velhos que devia haver alguma coisa errada naquela história. Bem todos acreditavam em mistérios, mas não estavam habituados a este tipo de manifestação, assim, sem mais nem menos, em pleno dia, aos olhos de dois jovens inexperientes!
Os pais da Namadi não estavam a gostar nada da história. A sua filha era ainda adolescente, “feto-ran”, que é como quem diz, virgem, e não podia estragar assim a sua reputação! Guardavam-na ciosa e cuidadosamente, na esperança de que um jovem, responsável e com algum dinheiro, a viesse pedir em casamento. Afinal, ela era tão bonita!
Reuniu-se o conselho familiar que decidiu ouvir a jovem. Seguiu-se mais uma sessão de perguntas a Namadi já que era necessário perceber quem eram os jovens que se permitiam a tanta loucura! Ir buscar Namadi a casa! Era só o que faltava! O que é que as pessoas iam dizer!
Os mais receosos iam-lhe dizendo que não valia a pena envolver-se com gente de fora. Então não havia tantos amigos na aldeia, qualquer deles com capacidade para a tomar por mulher e pagar por ela um bom dote?
O pai até lhe confidenciou que havia já sondado um jovem capaz de lhe dar um barlaque condigno!
- Mas eles só são meus amigos! Conversamos muito, eles ensinam-me a falar “malae nia li fuan” e eu acho que isso é muito bom para mim porque ganho mais conhecimentos! – tentava explicar a jovem, sem conseguir convencer ninguém da bondade daquela estranha amizade.
Em pranto, Namadi contou aos dois amigos os seus problemas familiares. Não sabia que fazer! Estava desorientada mas amava um deles e não queria perdê-lo por nada deste Mundo!
Foho, o dono do coração de Namadi, acariciava-lhe docemente o rosto enquanto beijava os seus cabelos negros e dizia-lhe baixinho:
- Namadi, minha doce princesa, não chores. Podes dizer abertamente aos teus pais quem eu sou. Na próxima sexta-feira, quando o sol estiver quase a desaparecer atrás das montanhas, eu vou lá apresentar-me e pedir-te em casamento. Quero-te ao pé de mim até ao resto dos meus dias!
Entre manifestações de ternura, Foho ofereceu-lhe uma pulseira em ouro porque era necessário sossegar os pais de Namadi sobre a sua condição. E Namadi sossegou e ensaiou a conversa que iria ter com os seus progenitores.
Era altura de abrir o jogo e Namadi falou. Contou aos pais, a toda a família, que se apaixonara por Foho porque ele era bonito, inteligente, alto, forte mas esguio, estranho, exótico. Enfim, ele era diferente!
Mostrou-lhes a pulseira de ouro que Foho lhe dera, à beira da nascente de água cristalina onde se haviam conhecido e onde costumavam ver-se trocando juras de amor eterno.
O tempo era o da verdade mas a voz da jovem Namadi tremeu um bocado quando ela decidiu falar. Foho viera de um reino diferente, um bocado distante e a entrada para esse reino era reservada a alguns e poucos tinham o privilégio de o conhecer. O outro jovem acompanhante de Foho era o seu preceptor e guarda. Tinha como obrigação acompanhá-lo para todo o lado..
A sua voz fez-se ouvir num fiozinho quando revelou que o reino do príncipe Foho ficava sob a nascente transparente que trazia a água para a aldeia.
Quase num sussurro disse que Foho não era um ser humano. Era uma cobra, uma jibóia e o seu nome verdadeiro era FohoRai; ele era um Rai-Na´in, dono da terra circundante e de todas as nascentes próximas, um príncipe. Ele preferia ser igual a si próprio e aparecer sob a sua forma original, só tomando forma de gente para não assustar ninguém nem levantar celeuma.
Em forma de gente, Foho era um belo rapaz moreno, de olhos castanhos rasgados e cabelo negro de azeviche e deslocava-se no carro branco, o tal que a ia buscar para os passeios de fim de tarde. Mas era um Rai-Na´in sério e queria casar com ela!
Continua amanhã