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quinta-feira, junho 29, 2006 

Do lado de cá de Comoro

Deste lado da cidade parecia que não iria haver nenhum incidente. Contudo, a meio da tarde, o bairro sobressaltou-se com o tiro para o ar das tropas malaias e australianas.
Junto ao antigo depósito da água, as tropas malaias têm um excelente posto de observação de onde devem ter enxergado alguma movimentação inusitada. Desceram a colina ao mesmo tempo que, mais abaixo, próximo da rotunda do aeroporto o tal movimento estranho alertou os jovens guardas do bairro 30 de Agosto que saíram todos à rua mal escutaram a sineta, sinal de perigo. Aproximavam-se forasteiros e era necessário abortar a sua acção destruidora.
Dizem os populares que o grupo forasteiro se dirigia ao Colégio D. Bosco onde continuam refugiados alguns milhares de pessoas, pronto para apedrejar, roubar, incendiar. Em suma, para semear o terror.
Lançado o gás lacrimogéneo, os ânimos serenaram na zona do Colégio D. Bosco.
Mas a área que se situa junto à colina ficou algum tempo desguarnecida. E, claro, os amigos do alheio fizeram a sua aparição, entraram no quintal de um dos poucos habitantes que não abandonou a casa. E lá se apropriaram de mais um porco que serviu certamente para melhorar algumas refeições…
Desta vez, a parte central do bairro foi poupada, o que infelizmente não tem acontecido na área mais próxima da ponte de Comoro e em Be Bono, um bairro bem populoso que se situa junto ao mar e contíguo ao aeroporto, próximo da Academia da Polícia.
Por Be Bono chega-se a uma praia paradisíaca e pouco frequentada. Ali, ainda se podem ver erguendo-se elegantes akadiros, palmeiras das quais se retiram a tuaka e o tuasabu, bebidas alcoólicas muito do agrado dos timorenses. A tuaka, mais adocicada, bebe-se fresquinha e dizem os apreciadores que é deliciosa. O tuasabu é uma aguardente fortíssima!
Toda a área de Comoro era, no tempo português, um vastíssimo campo de akadiros, de coqueiros, tamarindeiros, mangueiras e gondoeiros. No meio da vegetação densa, havia porcos bravos, búfalos, codornizes, galinholas…Etambém algumas jibóias, cobras verdes entre tantas outras, lafaek rai maran (1). Apenas permaneceram como memória de tudo isso, o lafaek rai maran. Dizem que a sua mordedura é fatal. Aqui no quintal já vi alguns que vão dando cabo das cobras que por aqui tenham a veleidade de se aventurar. E o toké , um lagarto feiíssimo, repelente. É útil em casa, dá cabo de moscas e mosquitos, é verde azulado, acastanhado, acinzentado – dizem que torradinho e reduzido a pó cura a asma! - e emite o som toké umas, cinco, seis, sete vezes... Quantos mais tokés, mais rouco, mais gutural, mais velho é o toké…
O primeiro espaço a sofrer total transformação ainda no tempo português foi Madohi, onde hoje se situa o aeroporto. Mas, foi durante a ocupação indonésia que a vegetação foi quase totalmente devastada para dar lugar aos bairros populares onde, à falta de plano de urbanização, cresceram como cogumelos autênticas casas de bonecas, todas coladas umas às outras, com ruelas estreitas e deficiente saneamento.
Ao longe, vê-se o Ataúro. À beira da praia, de areia preta, os coqueiros protegem do sol as peles mais sensíveis e, quando a sede aperta, sempre se pode beber água de coco, possuidora de magia que prende a esta ilha quem a experimente.
Manhã cedo, ainda antes do nascer do sol, este era um dos meus destinos preferidos.
Dois dedos de conversa com os pescadores que se faziam ao mar nos seus típicos beiros(2), alguma atenção dispensada aos labarik (3) apreciadores de Ronaldo brincando à bola, um banho nas águas cálidas e o dia estava ganho!
Praia quase deserta, mar calmo, pouco batido, águas transparentes, peixinhos de várias cores que se vêem a olho nu, - uma praia igual a tantas outras espalhadas por todo o Timor - alguém poderá desejar que isso faça parte do passado deste país?

(1) Lagarto. Traduzido à letra quer dizer jacaré de terra seca

(2) barco

(3) criança

O pequeno paraíso que é a praia de Comoro!

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