O que há aqui é uma grande falta de educação
Ontem no telejornal da televisão timorense (RTTL) mostraram uma reportagem em que Mari Alkatiri, Lu-Olo e José Reis apareciam a dirigir-se a uma multidão de milhares de apoiantes do leste que se preparavam para vir manifestar-se em Díli. Imediatamente a seguir a esta reportagem começaram os distúrbios no meu bairro, que até aqui tinha andado mais ou menos sossegado, se compararmos com o que tem acontecido pelo resto da capital. Aqui, ontem à noite, um monte de jovens resolveu destruir duas ou três casas de gente do leste, seus vizinhos, uma das quais encostada à minha, enquanto gritavam “Lorosa’e komunista! Bá imi-nia rain!” (“Os orientais são comunistas! Vão para a vossa terra!”). Chamei a Task Force, como sei que fizeram outras pessoas do bairro, os malaios que são responsáveis por este sector acabaram por aparecer, passou aqui por cima um helicóptero umas quantas vezes, a situação acabou por acalmar, mas não sem que no intervalo entre as passagens da patrulha malaia os rapazes voltassem a ir partir mais alguma coisa que a sua fúria imbecil não tinha destruído ainda. Duvido que os malaios tenham prendido alguém aqui, os vândalos estavam ao pé das suas casas, não lhes era difícil esconderem-se, e, mesmo que no entusiasmo da orgia de destruição não ouvissem os carros blindados da patrulha, a aproximação destes é prontamente assinalada por códigos de assobios e ferros a bater um no outro, que servem também para chamar os jovens para a defesa do bairro, para rechaçar um ataque do exterior, ou para reunir as forças para desfazer as casas de vizinhos cujo único crime é terem nascido na parte errada do país.
As imagens que apareciam ontem na televisão faziam-nos pensar que o que ali estava, mais do que uma manifestação de apoiantes de Mari e da Fretilin, era uma manifestação de pessoas a quem queimaram as casas, a si ou aos seus familiares, em Díli, antes de os escorraçarem como refugiados para as suas zonas de origem. Não se viam mulheres nas imagens dos manifestantes, nem crianças, nem velhos.
Não há tradição de guerras entre o leste e o ocidente da parte oriental da ilha de Timor, as guerras de antigamente eram habitualmente entre reinos vizinhos. A última grande revolta contra o domínio português, a de Manufahi, no início do séc. XX, foi esmagada devido à aliança entre as autoridades coloniais e nobres timorenses que consideravam naquele momento que os interesses dos seus reinos ficavam melhor salvaguardados apoiando os portugueses. Os revoltosos comandados por D. Boaventura foram derrotados por arraiais (grandes conjuntos de guerreiros) vindos de lugares como o Suro-Ainaro e Manatuto, ambos dentro da área do que se chama neste momento Loromonu, tal como Manufahi. No entanto as tradições inventam-se e enraízam-se depressa. Como o Ruanda demonstrou, um povo analfabeto e ignorante é facilmente conduzido para o caos por líderes políticos ou religiosos com as suas próprias agendas. A divisão entre ocidente (loromomu) e oriente (lorosa’e) em Timor-Leste é uma distinção geográfica e não étnica. Os bandos de jovens de ambas as partes que deambulavam pela cidade de catana na mão há algumas semanas atrás identificavam os seus “inimigos” pelo sotaque ao falar tétum ou pelas línguas que falavam entre si (mas há uma área de falantes de tétum rural “clássico” em loromonu, na zona da fronteira de Suai a Balibó, e outra em lorosa’e, na região de Luka-Viqueque!). Para ter ideia do absurdo de tudo isto imagine-se um conflito em Portugal entre o Norte e o Sul, com os “mouros” de Lisboa a procurarem nas ruas indivíduos que trocassem os “vês” pelos “bês” para os espancarem! E depois há as pessoas do distrito de Manatuto, muitos dos quais sempre pensaram em si como sendo de lorosa’e, mas que desde que as fronteiras do conflito foram estabelecidas com base na divisão administrativa começaram a ser considerados de loromonu, e às vezes acabam a levar porrada dos dois lados.
Enquanto os jovens delinquentes do meu bairro andavam a destruir as casas, o que estariam a fazer os seus pais? Será essa a educação que lhes dão em casa? Infelizmente creio que sim. Há dias apareceram num dos principais jornais diários timorenses declarações de um antigo comandante das Falintil a condenar os jovens que roubam os pertences das casas de pessoas de leste, acrescentando depois que queimar ou partir tudo está correcto por ser uma forma de demonstrar ao governo que o povo não concorda com as suas políticas! Dizia ele que quando isso acontece o erro não é do povo, mas de Mari! Portanto, para o tal senhor, roubar é errado, queimar ou destruir casas de pessoas do povo que nasceram no oriente está certo! O jornal transcrevia apenas as declarações do homem sem nenhum comentário do jornalista ou de alguma entidade que pudesse demonstrar a barbaridade do que estava ali dito. Há demasiadas pessoas em Timor-Leste que fazem a apologia da intolerância política, religiosa, para com as minorias, para com os que se atrevem a ter comportamentos ou posturas alternativas... É necessário denunciar essa visão mesquinha do mundo, nas escolas, na televisão, nos jornais! O que é preciso para mudar este país é boa educação. Houve jovens no meu bairro que não participaram na destruição, que ficaram em casa quietos à espera que acabasse a violência, infelizes, como eu, pelo sentimento de impotência. Há muita gente boa e cansada de ver sangue e ruínas que espera ansiosamente que esta situação acabe. E quando acabar é preciso agarrar de uma vez com firmeza nas tarefas da educação. E ensinar que a responsabilidade pelos actos de cada um, bons ou maus, é individual. Há que abalar o poder dos grupos de pertença (escola de artes marciais, família, bairro, aldeia, metade do país em que nasceu, etc) e promover a consciência moral e ética do indivíduo. Ensinar o Bem contra o Mal, sendo Mal tudo o que provoca sofrimento, dor, morte, destruição.
Na casa vizinha à minha, a que foi destruída esta noite, não havia ninguém, felizmente. Os donos vinham a casa durante o dia, mas iam dormir a um campo de refugiados à noite. Há quem diga por aí da boca para fora que os timorenses gostam de viver de esmolas em campos de deslocados onde há distribuição gratuita de arroz. Não acredito.
As imagens que apareciam ontem na televisão faziam-nos pensar que o que ali estava, mais do que uma manifestação de apoiantes de Mari e da Fretilin, era uma manifestação de pessoas a quem queimaram as casas, a si ou aos seus familiares, em Díli, antes de os escorraçarem como refugiados para as suas zonas de origem. Não se viam mulheres nas imagens dos manifestantes, nem crianças, nem velhos.
Não há tradição de guerras entre o leste e o ocidente da parte oriental da ilha de Timor, as guerras de antigamente eram habitualmente entre reinos vizinhos. A última grande revolta contra o domínio português, a de Manufahi, no início do séc. XX, foi esmagada devido à aliança entre as autoridades coloniais e nobres timorenses que consideravam naquele momento que os interesses dos seus reinos ficavam melhor salvaguardados apoiando os portugueses. Os revoltosos comandados por D. Boaventura foram derrotados por arraiais (grandes conjuntos de guerreiros) vindos de lugares como o Suro-Ainaro e Manatuto, ambos dentro da área do que se chama neste momento Loromonu, tal como Manufahi. No entanto as tradições inventam-se e enraízam-se depressa. Como o Ruanda demonstrou, um povo analfabeto e ignorante é facilmente conduzido para o caos por líderes políticos ou religiosos com as suas próprias agendas. A divisão entre ocidente (loromomu) e oriente (lorosa’e) em Timor-Leste é uma distinção geográfica e não étnica. Os bandos de jovens de ambas as partes que deambulavam pela cidade de catana na mão há algumas semanas atrás identificavam os seus “inimigos” pelo sotaque ao falar tétum ou pelas línguas que falavam entre si (mas há uma área de falantes de tétum rural “clássico” em loromonu, na zona da fronteira de Suai a Balibó, e outra em lorosa’e, na região de Luka-Viqueque!). Para ter ideia do absurdo de tudo isto imagine-se um conflito em Portugal entre o Norte e o Sul, com os “mouros” de Lisboa a procurarem nas ruas indivíduos que trocassem os “vês” pelos “bês” para os espancarem! E depois há as pessoas do distrito de Manatuto, muitos dos quais sempre pensaram em si como sendo de lorosa’e, mas que desde que as fronteiras do conflito foram estabelecidas com base na divisão administrativa começaram a ser considerados de loromonu, e às vezes acabam a levar porrada dos dois lados.
Enquanto os jovens delinquentes do meu bairro andavam a destruir as casas, o que estariam a fazer os seus pais? Será essa a educação que lhes dão em casa? Infelizmente creio que sim. Há dias apareceram num dos principais jornais diários timorenses declarações de um antigo comandante das Falintil a condenar os jovens que roubam os pertences das casas de pessoas de leste, acrescentando depois que queimar ou partir tudo está correcto por ser uma forma de demonstrar ao governo que o povo não concorda com as suas políticas! Dizia ele que quando isso acontece o erro não é do povo, mas de Mari! Portanto, para o tal senhor, roubar é errado, queimar ou destruir casas de pessoas do povo que nasceram no oriente está certo! O jornal transcrevia apenas as declarações do homem sem nenhum comentário do jornalista ou de alguma entidade que pudesse demonstrar a barbaridade do que estava ali dito. Há demasiadas pessoas em Timor-Leste que fazem a apologia da intolerância política, religiosa, para com as minorias, para com os que se atrevem a ter comportamentos ou posturas alternativas... É necessário denunciar essa visão mesquinha do mundo, nas escolas, na televisão, nos jornais! O que é preciso para mudar este país é boa educação. Houve jovens no meu bairro que não participaram na destruição, que ficaram em casa quietos à espera que acabasse a violência, infelizes, como eu, pelo sentimento de impotência. Há muita gente boa e cansada de ver sangue e ruínas que espera ansiosamente que esta situação acabe. E quando acabar é preciso agarrar de uma vez com firmeza nas tarefas da educação. E ensinar que a responsabilidade pelos actos de cada um, bons ou maus, é individual. Há que abalar o poder dos grupos de pertença (escola de artes marciais, família, bairro, aldeia, metade do país em que nasceu, etc) e promover a consciência moral e ética do indivíduo. Ensinar o Bem contra o Mal, sendo Mal tudo o que provoca sofrimento, dor, morte, destruição.
Na casa vizinha à minha, a que foi destruída esta noite, não havia ninguém, felizmente. Os donos vinham a casa durante o dia, mas iam dormir a um campo de refugiados à noite. Há quem diga por aí da boca para fora que os timorenses gostam de viver de esmolas em campos de deslocados onde há distribuição gratuita de arroz. Não acredito.
Certo: "...é preciso agarrar de uma vez com firmeza nas tarefas da educação. E ensinar que a responsabilidade pelos actos de cada um, bons ou maus, é individual. Há que abalar o poder dos grupos de pertença (escola de artes marciais, família, bairro, aldeia, metade do país em que nasceu, etc) e promover a consciência moral e ética do indivíduo. Ensinar o Bem contra o Mal, sendo Mal tudo o que provoca sofrimento, dor, morte, destruição." escrito por João Paulo Esperança Quarta-feira, Junho 28, 2006
Estando inteiramente de acordo com a citação acima, gostaria de sugerir/pedir ao Sr. João Paulo Esperança que pondere:
Será que há que abalar o poder de todos os grupos incluindo dos que - manipulando do cume da pirâmide política de Timor-Leste tentam arrebatar todo o 'poder' com o apoio aberto de forças estrangeiras? Ou será que há que abalar apenas o poder de alguns grupos, excluindo os grupos dos que manipulam do cume da pirâmide política de Timor-Leste?... Jomal - Quarta-feira, Junho 28, 2006
Posted by Jomal 1:25 da tarde
Ao senhor Jomal:
Nao fiz qualquer comentario sobre quem tem razao ao nivel das cupulas politicas timorenses, ate porque - para ser sincero - ainda estou a tentar compreender o que se passa aqui. Nao divido o mundo entre anjos imaculados e demonios perfidos, as pessoas sao boas ou mas de acordo com as accoes boas ou mas que andarem a fazer na altura. E dado que muito do "debate" sobre a politica timorense nestes blogs ou nos jornais e' feito tendo por base boatos e alegacoes de um lado e doutro (na maior parte das vezes ainda por provar) eu abstenho-me de "mandar bocas" a proposito de assuntos sobre os quais nao tenho os dados todos. O meu texto falava sobre a necessidade de promover a consciencia individual e a responsabilidade individual sobre os actos bons ou maus, porque estou farto de ouvir justificacoes para a violencia que comecam por "ELES" sao os maus e temos que acabar com eles. Os maus nao sao os de lorosa'e ou de loromonu, os pro-Mari ou anti-Mari,... Mau e' o Antonio, ou o Manuel, ou o Joao, que tenha queimado a casa de uma vizinha por causa do lugar onde ela nasceu ou das opinioes politicas que tem.
A senhora Josefina Tilman:
Participei na Convencao de Peniche em que foi formalizada a criacao do CNRT como um dos delegados da UDT. Fi-lo apesar de haver quem - fora da UDT - considerasse que a participacao nas organizacoes politicas timorenses devia ser permitida ou autorizada com criterios racistas; os dirigentes da UDT, com destaque para o senhor Joao Carrascalao, consideravam que so a UDT podia decidir quem podia ser seu militante ou nao, e nao toleravam atitudes racistas dentro do seu partido.
Parei toda a actividade ou envolvimento na politica timorense no dia em que cheguei a Timor, ha mais de cinco anos, por um lado porque tenho demasiado trabalho a desempenhar as minhas funcoes como professor, por outro lado porque infelizmente neste mundo continua a haver pessoas como a senhora que - se eu tivesse continuado envolvido na politica - iriam avaliar o meu trabalho nao pela sua qualidade mas pela cor politica do individuo.
Posted by João Paulo Esperança 3:47 da manhã
Mas se a senhora Josefina Tilman tiver de facto algum interesse em saber o que ando a fazer em Timor pode consultar algum do meu trabalho em
http://www.freewebs.com/jpesperanca/
Posted by João Paulo Esperança 4:13 da manhã