sexta-feira, setembro 29, 2006 

Aonde iremos parar?

Os dias continuam sendo de violência, com provocações, apedrejamentos, incêndios. E persiste o medo.
Até quando? Ninguém se atreve a adivinhar!
Há dias, quando me dirigia à cidade, encontrei o administrador-delegado da Timor Telecom acompanhado de pessoal técnico da empresa junto ao sítio de onde haviam desaparecido os cabos telefónicos subterrâneos. Desolado, o Eng.º Brandão de Sousa dava conta das dificuldades em arranjar uma solução definitiva pôr fim a esses actos de vandalismo e elucidava que aos 6 metros desviados há semanas acrescentaram-se outros 100 metros. Mais ainda que, no total, já foram roubados 7 quilómetros de cabos.
As forças internacionais foram avisadas, o Governo foi devidamente informado, a TT divulgou em comunicado que não fará nova recolocação de cabos e os utilizadores do serviço telefónico fixo queixam-se, impacientam-se...
Sabe-se que os fios de cobre são transformados em massa compacta, após o que são vendidos a peso como sucata e depois exportados. Será muito difícil descobrir quem compra a sucata?
Especula-se que há internacionais pelo meio. Será assim tão difícil detectar quem está por detrás deste negócio? Será assim tão difícil saber-se quem aceita comprar material roubado? Não será o comprador tão ladrão quanto a pessoa que rouba?
Não havendo nenhuma medida tomada, o “desviador” de bens comuns continua impunemente, talvez a coberto da noite escura, a fazer das suas. Têm todo o tempo do Mundo e cada vez é mais fácil vandalizar, destruir, roubar.
As ruas totalmente desertas mal o sol desaparece no horizonte e pelas quais passam só de muito de vez em quando os blindados cheios de forças internacionais criam o ambiente perfeito para a actuação de quem quer ganhar facilmente dinheiro.
Pouco importa que haja quem fique prejudicado. Tudo vale. Tudo é possível. Pensa o ignorante atrevido que assim deve ser porque somos independentes, porque há liberdade e democracia! E tudo isso acontece porque aliada à sua interpretação tortuosa do conceito de independência e liberdade existe falta de seriedade e uma tremenda falta de educação cívica. Convenceu-se o ignorante atrevido de que lhe assiste o direito de atropelar tudo e todos, sempre e apenas em proveito próprio!
Educar, educar, educar. Nunca é demais repetir. É urgente educar! E, já agora, que se leve a sério a tarefa de educar, de pequenino …
Não há quem cuide da segurança do bem comum e dos cidadãos; acho que já interiorizamos que é cada um por si e Deus por todos!
E assim são os habitantes de cada bairro a ter de tomar a responsabilidade da segurança em suas mãos. E isso, mesmo que se entenda, não é desejável. Porque estamos a criar um perigoso precedente para a constituição de grupos segurança popular. Daí à sua transformação em milícias populares, ou segurança privada, vai um passo.
E depois será fácil utilizar o argumento de falta de meios institucionais para cada um fazer o que bem entende, incluindo a justiça por suas próprias mãos. Impossível? Nem tanto! Pelo rumo que as coisas tomam, não tarda nada essa será, infelizmente, uma triste realidade, vulgar e quiçá bem aceite!

terça-feira, setembro 26, 2006 

Estamos mesmo e cada vez mais “arasca”!

A propósito de determinado assunto, lia-se, ontem, num jornal diário que o Primeiro-Ministro estava “arasca”. Numa missa de defunto, o padre, ao falar dos últimos dias de vida da velha senhora de quase 100 anos, dizia sobre o seu sofrimento que a avó Aurora, embora “arasca”, ainda teve tempo para transmitir os seus últimos desejos. Numa e noutra oportunidade, o resto do discurso era feito em tétum, a língua nacional e oficial, a par do português. Estar “arasca” nada mais representa senão a adaptação do popular termo “à rasca”, sem conotação negativa e tendo perdido por completo o cariz calão que está na sua origem. Faz parte da língua tétum e o seu uso está absolutamente normalizado.
A propósito da Justiça, um advogado diz de sua justiça o que entende ser o uso “colonialista” da língua portuguesa. Mas, num parêntesis, se o uso desta é colonialista, que se diria caso tivesse sido escolhido o bahasa indonésio ou o inglês para idioma oficial?
Em anúncios de emprego para cargos a serem exercidos em organizações, embaixadas ou agências internacionais requer-se ao candidato o uso fluente do inglês, tétum, bahasa e só no fim, português.
Simples curiosidades, questões de pormenor?... Talvez mais do que isso. É a língua, pilar da identidade de uma Nação, que continua como um dos pontos de divergência em Timor-Leste. Se se assiste por um lado, a um maior conhecimento e aprofundamento do português, também é e em paralelo visível a constatação da resistência à escolha do português como língua oficial.
Preparava-me para escrever sobre a introdução de vocábulos portugueses na língua tétum, quando ouvi na rádio que o ex-presidente cabo-verdiano António Mascarenhas Monteiro recusou o cargo para representante do secretário-geral da ONU para Timor-Leste, devido a forças de bloqueio. Quais? Quem? Um país?
A maioria da população timorense – classe política incluída - concorda com a posição do governo chefiado por Ramos Horta, de que seria prestigiante para Timor-Leste a nomeação de Mascarenhas Monteiro que o Primeiro-Ministro considera ser "um estadista, de muito prestígio internacional, de um país democrático… de um dos países mais bem geridos em África, e que será alguém que ouvirá todas as sensibilidades". Sendo reconhecido o sucesso cabo-verdiano, talvez dele nos pudesse ser dada a receita …
Do outro lado, os que não querem Monteiro, para além de umas - poucas, aliás - personalidades e organizações timorenses, devem estar todos os estrangeiros de cultura anglo-saxónica.
Soa a pouco, muito pouco, inconsistente até, o receio de João Gonçalves, em afirmações difundidas pela Lusa, de que Mascarenhas Monteiro pudesse não ser “aceite entre os timorenses por o identificarem com o tradicional apoio histórico dos movimentos de libertação africanos à FRETILIN”, para além de que "podia criar a sensação de que as suas decisões não seriam imparciais e isso podia ser evitado se fosse nomeado alguém que não provocasse mal-estar entre a população”.
Não resisto e terei de dizer: pelo amor de Deus!
Mais do que o apoio à FRETILIN, Mascarenhas Monteiro, tal como a maioria dos africanos de língua oficial portuguesa, pode e deve ser identificado com todos quantos foram solidários com a Resistência timorense na sua luta pela independência. Isso é que deveria ter sido considerado e esse é, não tenhamos dúvidas, um ponto a favor de Mascarenhas Monteiro. Mau seria que fosse escolhida uma personalidade que nunca tivesse gostado da ideia de Timor independente!
Os timorenses conhecem bem o povo cabo-verdiano desde os tempos em que Timor e Cabo Verde constituíam possessões portuguesas. Muitos cidadãos desse país escolheram Timor para trabalhar e grande parte dele aqui constituiu família e por aqui se deixou ficar. Basta uma voltinha pela cidade e observar os traços fisionómicos de muitos timorenses ou ouvir o que aqui se canta.
Não me parece que os dois últimos representantes do secretário-geral da ONU tenham desenvolvido um trabalho tão profícuo como pretendem os que defendem, por exemplo, a continuação de Hasegawa por “considerarem que tem um conhecimento mais completo da actual situação no país”. Se conhecia, não utilizou bem esses conhecimentos. Ou mal se deu por isso, tal a distância e a inacessibilidade do senhor relativamente à população. Mas esforçou-se seriamente para robustecer o uso do inglês, lá isso é verdade!
Se uma personalidade do espaço lusófono do qual, aliás, fazemos parte e com a capacidade e o prestígio de António Mascarenhas Monteiro não nos serve, quem sucederá a Hasegawa? Quem será aceite sem que lhe seja apontado de imediato este ou aquele impedimento? Será demais perguntar se deverá ter a confiança de outros países em vez do nosso, timorense?
Em nome de quê, porquê e para quê se desbarata de ânimo tão leve, tão pouco sólido, em ligeira, insensata e apressada reacção, alguém com quem seria mais fácil dialogar, até porque Cabo Verde e Timor-Leste têm um passado comum, falam a mesma língua e, nunca é demais frisar, existem tantos timorenses com sangue cabo-verdiano?
Não entendo a razoabilidade nem o porquê da rejeição. Entendo, sim, que, desta forma, sempre agarrando-nos ou confundindo as questões, não é Mascarenhas Monteiro que sai mal, somos nós, timorenses, que ficamos mal! Ao ajuizarmos mal e superficialmente o que quer que seja, ao pensarmos apenas no interesse momentâneo que serve uns mas não serve o país nem agora e menos ainda no futuro; e mesmo ao esquecermos que, tão efémera como a vida, é o proveito individual, com idêntico e bem delimitado prazo de validade. Ficamos muito mal quando transmitimos os nossos constantes e caprichosos descontentamento e insatisfação! E ficamos pior quando vamos a reboque de interesses que não são os nossos. Mesmo que não queiramos ver ou aceitar que estamos a ser levados…
Cada dia que passa, a propósito de tudo ou de coisa nenhuma, surgem sempre motivos de desconfiança e de críticas, a todos atribuímos um determinado papel, bom, mau, mas necessariamente conforme o interesse particular ou de grupo. Agimos como se fôssemos superiores em tudo. Como se ninguém nos servisse. Malbaratando apoios, boas vontades, criando novos focos de descontentamento. Projectamos noutros a nossa imperfeição, os nossos males, os nossos defeitos, sobredimensionados por quem disso tira proveito próprio. Porque somos manobráveis. E deixamos que haja quem se aproveite de nós e das nossas fraquezas, pondo-nos a defender ideias contrárias às nossas fazendo-nos acreditar que são mesmo nossas, levando-nos a dizer e a fazer o que, em boa verdade, não serve os timorenses. Ganham sempre. Como agora. Nós é que seremos sempre perdedores!
Por tudo isso, atrevo-me a dizer como o jornalista e o padre: “arasca!”, estamos mesmo e cada vez mais “arasca”!

domingo, setembro 24, 2006 

Animais nossos amigos


Manhã cedo, meio-dia, crepúsculo ou noite fechada, soa um grito desconhecido que irrompe do nada: toké, toké, toké! É assim a qualquer hora do dia, na cidade como no campo, que se ouve o som algo estranho, diferente, que surpreende quem visita o país pela primeira vez. Mas, rapidamente o dono da “voz” passa a fazer parte dos hábitos de coabitação pacífica entre o homem e o bicho. É o toké, lagarto de cores variegadas, cujo sonoro e repetido toké, esganiçado quando o bicho é novo e grave e rouco se é mais velho, lhe dá o nome.
Com um aspecto físico nada atraente, o toké mais parece um animal pré-histórico em miniatura, chegando a medir, quando adulto, talvez entre uns 15 e os 20 centímetros.
Diz a imaginação popular que casa onde haja toké, é casa afortunada e, de tão vulgar e tão inofensivo, o melhor é acostumarmo-nos à sua presença, até porque o toké não só não pede licença para entrar e ficar, partilhando o nosso espaço, como é um bicho de reconhecida utilidade porque se alimenta de insectos, moscas e mosquitos incluídos.
Com ventosas nas patas, o toké passeia-se pelas paredes e pelos tectos das salas e das varandas, sempre pronto a apanhar o insecto distraído que tem a desdita de se pôr ao jeito da sua língua esticada.
Mas o toké não é apenas animal de interior. O bicho gosta de se camuflar por entre a folhagem e nas pregas dos largos troncos de árvores de grande porte como os gondoeiros ou os tamarindeiros, onde abundam insectos aí se alimentando fácil e fartamente, tornando-se gordo e… feio, muito feio!
O bicho inspira alguma antipatia mesclada de respeito! Porque, sendo embora um animal vulgar e para além dos conhecidos atributos na eliminação de insectos, há os que crêem ver nele algo de misterioso e há também quem defenda que tem qualidades curativas, servindo de remédio para certas doenças de que se dá como exemplo a asma.
Por exemplo, afiançava um conceituado katuas que a filha, doente de asma desde tenra idade, se havia curado definitivamente da doença. E explicava como:Toma-se o toké que, depois de morto a preceito e limpo de peles, deve ser cuidadosamente torrado em lume brando, para não queimar. De seguida, reduz-se a pó. Mistura-se com água e ingere-se.
Outra senhora garantia o mesmo efeito e dava a receita utilizada pela sua mãe, conhecida e reputada curandeira do bairro onde morava em tempos idos:
Mate-se o toké. Limpe-se de vísceras, e retire-se-lhe a pele, as patas e a cabeça. Coloca-se numa panela com água e tempera-se a gosto. Deixa-se ferver durante algum tempo, até a carne ficar quase desfeita. Pode acrescentar-se um bocado de arroz. Serve-se a canja bem quente.
E acrescentava convicta a senhora: sabe a galinha!
Pormenor importante: Esta receita só dará resultado se a doente não tiver conhecimento do que está a comer.
Pudera!, acrescentaria eu. Só mesmo dessa forma! Tenho a sorte de não padecer de asma, mas se sofresse e se tivesse de ser tratada com semelhante mezinha, dela tendo prévio conhecimento, tenho cá para mim que morreria da cura em vez da doença! Brrrrr…


sexta-feira, setembro 22, 2006 

Desigualdades

Antes da independência de Timor, falava-se imenso sobre a contribuição e a influência dos timorenses espalhados pelo Mundo considerando-se valiosa a sua prestação na reconstrução do país, em estreita ligação com os que nunca sairam do pais. Conhecendo-se a falta de quadros timorenses, parecia pacífico que todos faziam falta para a gigantesca tarefa de erguer Timor-Leste. Muitos timorenses que viviam na Austrália, em Portugal e noutros países regressaram mal Timor se tornou independente, acreditando cada um deles que poderia, efectivamente, participar na reconstrução timorense.
Logo de início, quase não se deu pela diferença. Mas, não tardou que se generalizassem os ditos sobre as desigualdades entre “os de dentro” e “os de fora”, apontando-se as virtudes e os defeitos de uns e de outros de acordo com a parte interessada.
Não é de todo raro ouvir-se dizer a quem permaneceu no país durante todo o tempo da ocupação que lutou mais pela independência do que os que viveram fora, sendo a estes apontado o “pecado” de ter vivido descansadamente, tirando maior partido das boas condições de vida nos países que os acolheram em detrimento das más em que viviam os de dentro. Para estes, a luta afigurou-se mais difícil e perigosa. Inevitavelmente, há sempre necessidade de esclarecer a importância da luta diplomática feita no exterior naturalmente complementada e alicerçada pela resistência clandestina e pela guerrilha que lutava no interior.
Também não é menos verdade que, de entre quem regressou, existe a tentação de menosprezar as capacidades dos que nunca saíram do país, considerando-se os regressados melhor preparados com base na sua experiência no estrangeiro.
Mas verificam-se ainda outros cambiantes entre os que vieram da Austrália, os de Portugal, os de outros países de língua portuguesa e os de dentro a que se acrescentam os timorenses que estudaram e viveram na Indonésia, cada grupo interiorizando os hábitos do respectivo país de acolhimento.
De entre os cambiantes, talvez seja de realçar a propensão para o uso da língua com a qual cada grupo melhor se identifica. Por isso se explica que Timor-Leste seja uma autêntica babel a que não escapam as instituições públicas e os próprios ministérios, com a elaboração e difusão de documentos oficiais conforme a língua da preferência dos que têm poder decisório ou dos que intervêm na elaboração dos documentos, a maio parte das vezes ignorando-se as duas linguas oficiais, de entre as quais uma, o tetum, é também língua nacional.
Se a isto somarmos as diferenças e simpatias partidárias como ponto de partida para a escolha de quem melhor serve ou não serve um determinado objectivo em determinado momento, então melhor se compreenderá que enquanto uns são, à partida marginalizados, outros, de entre os escolhidos,são mais tarde contestados, por questões de somenos importância, baseadas justamente em desigualdades mais imaginadas do que reais.
De degrau em degrau e de prática leviana e irreflectida em continuo crescendo, chega-se ao ponto em que tudo se procura e se entende como motivo de desunião parecendo que nada se encontra nem existe que nos una. Por isso, se tornou infelizmente tão real e motivo de profunda divisão, a questão Lorosae e Loromonu. Como se isto não bastasse, ressurge a questão dos mestiços e dos puros, esgrimindo-se a origem de cada um como ponto de partida para estéreis e perigosas discussões sobre a legitimidade e direitos de uns em detrimento dos dos outros.
Para além de nada disto fazer qualquer sentido, facilmente se conclui quão descabida é essa discussão, tanto mais que se sabe ter sido Timor-Leste desde os tempos mais recuados ponto de migrações de povos diversos.
Continuando Timor-Leste a ser um país tão carente de recursos humanos, em vez de perdermos tempo e energias na descoberta de pontos de desunião com consequências imprevisíveis mas de certeza nefastas, seria certamente mais vantajoso para todos e, claro, para o país, que procurássemos entendermo-nos, considerando os pontos positivos que pela certa existem em cada um dos componentes da sociedade timorense. Assim, como estamos, não chegaremos a lado nenhum. Ou por outra, chegaremos rapidamente à destruição. E esta, continuo a acreditar, ninguém deseja para Timor-Leste.

quinta-feira, setembro 21, 2006 

Outros tempos!



Já lá vai o tempo em que a resposta à sacramental pergunta “de onde é?” e consequente resposta “sou timorense”, suscitava um olhar de admiração do perguntador de Bali que assim começava a entabular conversa com o forasteiro.
A causa da admiração tinha a ver logicamente com a independência de Timor-Leste, fruto da coragem do povo sofrido que havia conseguido livrar-se do “imperialismo” javanês. E logo se sucediam os adjectivos qualificativos sobre gente comum, sobre os líderes … Oh!, Ah!, eram exclamações que acompanhavam as adjectivações em crescendo até atingir o grau máximo do superlativo, superior, super, colocado lá no cocuruto da montanha em que certamente moram as qualificações mais elevadas e atribuídas apenas a seres e povos de eleição. E tudo sobre os timorenses! Destes haveria quem se mantivesse indiferente a tanto superlativo? Duvido… Pois é, presunção e água benta…
É preciso dizer que a admiração balinesa não tem nada a ver com a vontade de Bali se apartar do país. Os balineses não são um povo que se interesse pela política. Gostam de estar assim. Contemplativos, naturalmente artistas, para além de praticar intensamente a sua religiosidade, estão muito mais interessados em desenvolver o seu pendor artístico daí resultando notória melhoria de qualidade de vida. Mas, assistir ao longo penar dos timorenses, ao culminar de uma luta difícil e testemunhar o fim glorioso de “tanto sofrimento para tão pequeno povo” - como dizia o título de uma notícia do Público escrita há muitos anos pelo António Marujo -, provocou, naturalmente, reacções de positiva apreciação e de justificado respeito.
Hoje, o olhar é de indisfarçada comiseração. E, sem cerimónia, surgem as inevitáveis perguntas sobre a situação, a crise (sempre elas!), não faltando também o comentário “é uma pena… como foi possível!...”
Bem queria, mas não consigo disfarçar a irritação surda que sinto quando me vejo perante a inevitabilidade de ouvir e ver a lástima das pessoas, mantendo a educação e o decoro necessários até porque sei que a razão não me assiste, pelo que nem tenho de refutar a justeza da sua comiseração, nem a irritação tem a ver directamente com o autor de incómoda questão!
No fundo, a irritação é contra nós, povo timorense. Porque custa ter de reconhecer que, por nossa teimosia, pela leviandade dos actos de alguns, pela compulsiva apetência pelo poder de outros tantos, permitimos que à admiração tivesse sucedido a comiseração… E depois, em reflexão e não tendo ninguém por perto, tenho de engolir em seco quando me ocorre aquele dito sobre a queda ser maior e mais rápida quanto mais rápida e maior for a subida! Mas, porque também é humano que me ponha a questão, era necessário que o tombo fosse tão grande?

terça-feira, setembro 19, 2006 

Chico Mau Loi

Continuo sem acesso a linha telefónica. Nem sei quando voltaremos a ter telefone fixo e Internet, até porque a recolocação de novos cabos parece estar sujeita ao restabelecimento da segurança na cidade, sabendo-se lá quando ela voltará!
Desta vez foram desviados seis metros. Não é muito, mas a Timor Telecom ajuizou que o melhor era não correr riscos. E enquanto se mantém o impasse, lá terei de aguentar, confesso que sem muita paciência, porque também já ajuizei que não tenho de ser castigada por algo que não depende de mim, a insegurança no país. Mas ainda porque aqui não há DECO nem nenhuma instituição que zele pelos interesses dos consumidores, utentes de um serviço público, só me resta como solução esperar. De cara alegre, preferencialmente, porque já se sabe que há coisas piores na vida!
Posto o desabafo, resta agora preparar o texto que será postado amanhã de manhã na cidade, contando que a tarde se passou com o ruído constante de helicópteros volteando, patrulhando a zona. Mas, agora que passa das 23 horas, a não ser o ladrar esporádico dos cães, impera o silêncio. Ignoro se terão encontrado alguma coisa ou alguém, ou se se retiraram para o descanso nocturno retemperando forças para o dia de amanhã.
Há rumores de que os dias que aí vêm são de crescente agitação. E a população, como aliás já vem sendo hábito, ressente-se da instabilidade em que o país está mergulhado.
Parecendo embora muito prosaico e pouco adequado à situação política que vivemos - em momentos como estes em que nada mais parece existir para além da aconselhada permanência em casa e de saídas apenas quando estritamente necessário -, para aligeirar um pedaço o desgaste que tudo isto provoca, sempre vou dizendo que fazem falta nas noites enluaradas ou totalmente escuras de lua nova o som contínuo de um conjunto tocando em animada festa. Bem sei que a música duraria até ao raiar do sol, ninguém dormiria e que durante toda a noite se ouviriam mais ou menos bem trauteadas, canções que deveriam ser só para ouvir mas que aqui incitam a animada e saracoteada dança. É por tanto ter ouvido e presenciado que já me parece absolutamente normal dançar o “lá em cima está o tiro liro liro, cá em baixo está o tiro liro ló…” É saloio, descabido, piroso? Pode ser… Mas, quem se importa com isso?
Uma noite, há talvez uns três anos, se bem me lembro, na festa de inauguração do renovado Sporting, o Chico Mau Loi - conceituado vocalista do grupo “Estrela do Mar”, um certo ar de artista, brilhantina no cabelo e melena grisalha sobre a testa, bigodinho arranjado, mãos nos bolsos a fazer estilo, os ombros em ritmado estremeção, olhar ora revirado, ora perdido no tecto branco acabadinho de pintar do salão (era apenas um sala, mas vá lá…) – atacou de uma só vez todas as canções dos tempos do Timor português.
E vai daí, ninguém ficou sentado. Todos dançaram ao som da voz bem colocada de Chico acompanhado por um conjunto de violinos e violas atacando as “Cartas de amor, quem as não tem”, “Olhos Castanhos”, “O Bailinho da Madeira”, “O mar enrola na areia” “Quando monto no meu cavalo jogo o laço”… Com a animação, Chico Mau Loi distraiu-se e começou a entoar “ Olha a marcha do Benfica, qual saloia cantadeira… “
Claro que a Chico nada lhe diz e pouco lhe importa que a marcha se refira ao bairro de Benfica. Para ele, a marcha tem a ver com o Sport Díli e Benfica. Ora, estando ele a animar a festa do Sporting Clube de Timor… Bem, acho que o susto durou apenas o tempo de Chico Mau Loi refazer a letra. Quem ouviu também não se deu por achado e continuou a dançar com a mesma animação “ Olha a marcha do Sporting, qual saloia cantadeira… “

segunda-feira, setembro 18, 2006 

Duas faces da mesma moeda

O homem parece mais velho do que realmente é. Marcos, o homem que parece mais velho embora ande aí pelos 45 anos, é natural de Maubara e trabalha na horta de um casal dos que ainda falam bom português. Tal como Marcos que ainda se explica bem nessa língua!
Uma das vezes em que resolveu saltar um muro para atalhar caminho de regresso a casa, deu um trambolhão e feriu-se num pé, fazendo enorme ferida que o obrigou a ficar retido em casa, coisa de que o Marcos não gostava nada. Ferida grande, pé esticado em forçado descanso e, pior do que tudo, fechado em casa o dia inteiro, foram desculpas mais do que suficientes para que Marcos não cuidasse nem pouco nem muito do pé ferido, esperando que o tempo se encarregasse da cura.
Mas porque doía muito, houve uma vez em que resolveu olhar o pé com olhos de ver e assustou-se mesmo a sério com o mau aspecto da ferida. Lá se decidiu a tratá-la!
Descrente do tratamento do hospital resolveu ir à bruxa da zona. Todos os dias, a ferida era lavada com Rinso -o detergente que torna tudo mais branco… -, coberta com uma camada escura de qualquer coisa indistinta, mastigada, cuspida com preceito pela bruxa. E cada dia lhe doía mais…
Novo dia de tratamento. Lavagem com Rinso, a ferida grande fazia já um grande buraco… A bruxa entendeu então que era preciso retirar o bicho que lá se havia alojado. Marcos não viu nada porque a bruxa lhe ordenou que virasse a cara para outro lado mas acredita que o bicho foi retirado…
Muitas idas à bruxa, muito camada escura colocada a cuspo, um bicho retirado e alguns vinte dólares pagos… passaram três meses e a ferida doía... Tempo demais para o Marcos esperar sentado! E voltou ao trabalho sem pé curado.
O pé de Marcos parecia mais descarnado com o buraco profundo que ia quase até ao osso e Marcos lá aceitou, finalmente!, ser tratado no hospital para onde o levara Marta, a dona da horta de que Marcos cuidava.
Na varanda do hospital, enquanto esperavam para ser atendidos, Marta falava em tétum – língua que utilizam normalmente - e Marcos respondia em português… Estranhou Marta que, só no regresso e deixado bem para trás o hospital, obteve resposta com a explicação de Marcos, agora já em tétum:
- Falei-lhe sempre em português, porque os refugiados do hospital são de Lorosae e eu estava com medo que, pelo meu sotaque, notassem que sou de Loromonu!

***

Mulher forte, decidida, sem medo, olhar a direito, inteligente… assim se poderia retratar uma senhora a quem vamos chamar Maria, natural de Baucau, para onde se esgueira sempre que pode e quando necessita de encontrar a paz perdida no bairro onde mora… Frequentou o liceu. Fala português, tétum, bahasa indonésio, inglês e macassae, com sotaque cantado, como convém a quem é de Lorosae!
Está em Díli há muitos anos, aqui casou, constituiu família – tem sete filhos e alguns netos - e vive lá para os lados do antigo mercado municipal.
Há tempos, Maria viu-se marginalizada no trabalho, tendo sido substituída por outra pessoa menos preparada. Nunca perdeu a compostura e aguentou firme. Negou-se a trabalhar com o substituto que iria ser o seu superior hierárquico.
Alguém lhe perguntou se receava perder o emprego e ela retorquiu que não tinha medo “ nem sequer de passar fome, porque um copo de água também enche a barriga!”.
A frontalidade valeu-lhe o respeito geral e ninguém teve coragem de a despedir.
Mas agora, lidando todos os dias com os apedrejamentos, as ameaças, as provocações, Maria aparenta um ar cansado, adivinhando-se mesmo algum receio. Também está desiludida com o rumo que o país tomou.
Tendo de fazer frente às múltiplas provocações que diariamente enfrenta, Maria arranjou já alguns subterfúgios para sair incólume de possíveis altercações de rua. É ela que explica:
- Sempre que vou ao mercado ou a qualquer lugar onde há um grande ajuntamento de pessoas, procuro manter-me o máximo de tempo possível em silêncio. Oiço atentamente as pessoas, presto toda a atenção ao que me rodeia e, só depois, começo a falar. Falo com sotaque adaptado ao momento. Se estou no meio de gente de Loromonu, não posso falar a cantar… vêem logo que sou de Lorosae! “

sexta-feira, setembro 15, 2006 

Pesadelo

Não, a situação não está nada fácil. Nem se vislumbra saída para a crise. Melhor, para o conjunto das crises.
Ainda por resolver estava (e está) a questão dos 591 ex-militares que redundou na manifestação de 28 de Abril com consequências dramáticas nos fins de Maio - quando os incidentes tomaram maior dimensão, daí resultando a intervenção das forças internacionais - e logo surgiu o problema dos esquadrões da morte e da distribuição de armas, seguindo-se-lhe a demissão do então Primeiro-Ministro Mari Alkatiri substituído por Ramos Horta.
Duvido que alguém tenha dado pelo estado de graça ou pelo beneficio da dúvida que normalmente acompanha quem ascende a determinado cargo. Os dias de Governo do Primeiro-Ministro Ramos Horta foram ininterruptamente marcados por incidentes nos campos de refugiados, por incêndios de casas, por apedrejamentos ou por provocações que tiveram início em Abril/Maio e passaram a fazer parte do quotidiano dos timorenses. Tanto assim é que um dia sem incidentes é notícia!
Pelo meio e desde então, persistem os boatos, as histórias, os diz-que-diz, as fugas, as prisões…
E sempre, todos os dias, surgem novos motivos para o avolumar das tensões; somam-se os motivos para a eclosão de conflitos sempre com novos contornos, sempre a coberto de razões contrárias…
Em paralelo, sucedem-se as declarações inflamadas de personalidades com responsabilidade no país que funcionam, está bem de ver, como mais uma acha para a fogueira. Atiram-se culpas, esgrimem-se argumentos… avoluma-se a crise, piora a situação!
Se é certo que a culpa morre sempre solteira - ou talvez mesmo por causa disso – não é menos certo que se deve exigir às personalidades com responsabilidades nos mais variados campos de actuação no país e cujas declarações são tidas em conta pelo povo, maior contenção e cuidado nos seus discursos. Para que não nos consumamos todos na fogueira. É que, depois, poderá não sobrar ninguém para contar. Nem sequer para apontar o dedo a este ou aquele como tendo atirado mais achas, atiçando e ateando com mais ou menos proveito a fogueira da nossa incontida mas bem alimentada leviandade. E mesmo que sobre alguém, tão reduzida se tornará a sua dimensão real que o que lhe faltará em capacidade de intervenção sobrar-lhe-á em certeza de apática representatividade num qualquer novo campo em que poderá tornar-se este país, sabe-se lá se com a nova denominação de sub-povoado de humanos exóticos em vias de extinção.
Haverá timorense que pretenda isto para o seu país? Não acredito!

quinta-feira, setembro 14, 2006 

Honra e Justiça

Há conceitos de um valor incalculável em Timor-Leste, como a palavra, a dignidade, a honra e a justiça. As falhas relativas ao incumprimento de palavra dada, à desonra, ao desrespeito pela dignidade, à injustiça não têm perdão. Castiga-se. Para que o castigo lave a culpa e a vida possa retomar o seu ciclo. Recomeçar e olhar a vida em frente, exige transparência, alma lavada, sem sombra, sem mancha de males antigos.
Há muito, muito tempo, quando Timor era uma colónia portuguesa e mesmo depois de ter sido pomposamente baptizada de província ultramarina, aos administradores de posto deparavam-se-lhes por vezes algumas situações melindrosas de resolução complexa.
Conta-se que, em determinado posto administrativo, lá bem para o interior da zona montanhosa em que as tradições e os costumes estavam mais arreigados – ali, onde fica o que ainda hoje, em boa verdade, se pode chamar de Timor profundo -, apareceu um dia, manhãzinha cedo, um homem que trazia num açafate algo volumoso, bem coberto com um tais, presumivelmente para escapar à curiosidade popular.
Chegado defronte da casa senhorial, o homem ordenou ao empregado que fosse chamar o sr. administrador. Antes, porém, à guisa de cartão de visita, destapou o açafate, deixando bem visível uma cabeça humana.
Oh!, pernas para que te quero!, safou-se o empregado para dentro de casa! Entregue em surdina o recado a que não faltou a descrição da assustadora e macabra visão da cabeça assim posta, sem corpo, o perturbado empregado deixou-se ficar especado, esperando que o sr. administrador, homem experimentado e conhecedor de muitas histórias do mesmo estilo, terminasse o café e o nutritivo “mata-bicho” de ovos estrelados, frango frito e arroz salteado em cebola (a que aqui se chama “eto fila”) tomado na companhia da mulher, dos filhos e de um malai que ali estava de visita e se dirigisse à varanda para receber o visitante com tão insólita prenda…
E assim foi. Saíram para a dita varanda, o administrador, a mulher, os filhos e o malai. O açafate fora colocado no chão, aos pés do administrador. Dali, a visão era ainda mais aterradora. A cabeça pertencia a um homem, jovem, com os olhos desmesuradamente abertos fixos no nada, a boca aberta de surpresa, o pescoço ensanguentado…
E o montanhês falou. Com voz calma. Sem se tomar ares de herói nem de bandido. No seu modo simples, enfrentando o máximo representante local do poder colonial, explicou ao que ia.
- Sr. administrador. Este homem meteu-se com a minha mulher. Sujou a minha casa, o meu nome, a minha honra. Eu não podia perdoar. Tinha de repor a minha honra, a da minha mulher e a da minha casa. Por isso o matei. Fiz justiça. Estou aqui para me entregar e para que o senhor me prenda. Faça o senhor também justiça!

quarta-feira, setembro 13, 2006 

Outra vez, sem Internet!

E pronto, o que eu receava, aconteceu de novo! Desde ontem de manhã que não tenho telefone. Fiquei sem linha fixa, logo, sem acesso à Internet! Tenho a vaga - apenas vaga - esperança de que não tenha havido mais um desvio de fios!
Li num dos diários um aviso da Timor Telecom dizendo que a empresa tivera já um prejuízo da ordem dos 20 000 dólares como consequência dos roubos de fios em Díli e Baucau, pelo que a empresa de telecomunicações entende não poder responsabilizar-se pela colocação de novos fios roubados para depois serem vendidos, presumo eu, no mercado negro. Tudo fruto da instabilidade e do estado de desordem social que reina no país desde Abril-Maio de 2006.
Não será só fruto da instabilidade e da desordem, bem sei. Recordo que ainda há umas duas semanas li em nota de rodapé do telejornal da RTP que também acontecera o mesmo, se não estou em erro, em Penafiel. Mas isso serve tão só de triste consolo!
Sendo que as telecomunicações não são um luxo e fazem efectivamente falta na vida das populações, espero que os amigos do alheio não se lembrem de surripiar todos os fios telefónicos das cidades de Díli e Baucau! É que se isso acontecer e, de acordo com o aviso da TT, o mais certo é ficarmos completamente isolados do Mundo. Existem os telemóveis, dirão. Pois…
Olhando apenas para o umbigo dos que, tal como eu, são viciados em informação, mesmo soando a exagero, deixem-me que desabafe: vamos sentir-nos cegos, surdos, mudos!
Agora que já dei letra ao desabafo, numa manifestação própria do sangue quente que me ficou por herança ocidental, latina, do meu pai, português do Algarve, não me sobra outra solução senão recorrer à lembrança do carácter mais tranquilo da minha mãe, oriental timorense de Venilale. É com base nisso que assento os pés na terra e concluo que, havendo coisas piores na vida, há que aceitar os condicionalismos de um país em construção, mesmo sabendo que, por estes tempos, a construção está parada, esquecida tomando dela o lugar, a destruição. Mas há que manter a calma… É preciso relativizar e saber esperar!

segunda-feira, setembro 11, 2006 

Heróis de ontem, vilões de hoje...

Nos anos da Resistência, fizemos história com a bravura dos nossos líderes, dos nossos guerrilheiros, dos clandestinos, do povo, heróis que fomos construindo, fabricando calma, conscientemente em nome de Timor. Eram uma referência, enchiam-nos de orgulho. Nas ruas, nas manifestações, gritávamos por eles, pelos heróis… Nós os timorenses, sentíamo-nos diferentes, seres de um outro Mundo, de outra estirpe!
Com os dois prémios Nobel da Paz atribuídos de uma só vez, mais orgulhosos nos sentimos. Um território tão pequeno e dois prémios de uma só vez! Era obra!
Foi fruto de devotado trabalho e levou muito tempo mas, os timorenses convenceram os senhores do Mundo que eram merecedores de respeito e haviam ganho o direito de serem independentes! Muitos
se comoveram com as demonstrações da sua coragem. Muitos mais sofreram com o povo timorense e os ajudaram na difícil tarefa da independência.
Éramos respeitados, admirados, acarinhados. Tão pequeno povo e tanta bravura! Tanta pertinácia, tamanha determinação! Dobrámos a potência ocupante que se encolheu de vergonha! Conseguimos, ganhámos a independência!
E hoje, que sentimentos despertamos? Não sei se ainda haverá simpatia. Pressinto que a desilusão se sobrepôs a qualquer afeição. Desconfio até que há quem preferisse ver-nos esquecidos, ignorados e arrumados.
Pela nossa inconstância, pela nossa apetência pelo conflito, pouco falta que sejamos classificados de falhados. Sozinhos, não somos capazes de manter a paz, a estabilidade, de construir o país. E se não arrepiamos caminho, não tarda nada surgirá alguma alma esclarecida defendendo que, afinal no tempo da ocupação, os maus éramos nós, que não sabíamos viver em paz…
A lei e a ordem no país não existem. Há muito tempo. O caos está tão instalado que se acreditaria ter enterrado as suas raízes até ao mais profundo das entranhas da terra timorense. Provocações, apedrejamentos, ataques, quase se diria que tudo faz parte de um plano milimetricamente traçado de destruição total.
Tornámo-nos num país sem referências. Perdemos a memória. Permite-se, quase se encoraja!, a falta de respeito por quem não seja simpático a determinada trupe. Os heróis de ontem passaram a pessoas vulgares a quem se insulta, se hostiliza, se humilha, se
acusa, se despreza. E se oportunidade houver, também é possível que sejam espancados sob aplauso e gargalhar de enlouquecida turba!
Esquecemos tudo. Da História, dos objectivos comuns, da amizade, pouco ou nada sobra! Pouco importa quem lutou pela independência. Mas, se os não há ou se os não querem heróis, houve-os certamente empenhados, teimosos, determinados, fazendo-nos embarcar no sonho em que acreditavam e fazendo-nos acreditar e, de seguida, lutar. Por ela, pela independência de Timor. Também destes, já ninguém se recorda que os houve. Antes parece subsistir a vontade de os sacudir, aos protagonistas da independência, retirá-los da História do país. Amarfanhá-los e deitá-los para o caixote do lixo.
Não damos conta, mas estamos a destruir, a enterrar
a Nação timorense. Porque sem dignidade, sem referências, sem História, não há Nação que resista.
Por este caminho, nada restará de um povo que foi tão admirado num passado ainda recente e, quase me atrevo a dizê-lo, é tão dificilmente tolerado nos dias de hoje.
Se não arrepiarmos caminho, se continuamos com esta sanha de auto-destruição, de Timor restará apenas o nome, mal pronunciado, quiçá adaptado!
Quem pode querê-lo?
É pena. E dói terrivelmente!

domingo, setembro 10, 2006 

Firacos e calades

Os conflitos dos últimos tempos aqui em Timor puseram as pessoas aí pelo mundo lá fora a ouvir palavras pouco habituais: “lorosa’e” (leste – que os portugueses já conheciam) e “loromonu” (oeste), firacos e calades. Mas o que é isto dos firacos e dos calades? As palavras são normais na variedade de português que se fala em Timor e actualmente aparecem usadas no contexto dos confrontos que por cá têm acontecido como significando mais ou menos, e respectivamente, gente do leste e do oeste. Mas a realidade não é tão simples. Na forma em que são usados mais habitualmente nas conversas entre timorenses estes termos são depreciativos, usados para falar de gente rural, das montanhas, pouco à vontade nos meios mais modernos dos citadinos. Assim, um “kaladi” (em tétum) será um habitante rural das regiões ocidentais, e um “firaku” um campónio das zonas do oriente. O imaginário popular considera que os calades são mais pacientes, mais preguiçosos e mais ponderados, enquanto que os firacos têm a reputação de serem mais temperamentais, mais empreendedores e mais conflituosos. Estes últimos são também frequentemente mimoseados com o epíteto de “muturabu” (sílaba tónica: ‘ra’), uma palavra da língua macassai que entrou para o tétum e é usada com o significado de ‘rufia’ ou ‘arruaceiro’. Os calades são muitas vezes protagonistas das anedotas locais, caracterizados mais ou menos da mesma forma que os alentejanos em Portugal.
A etimologia popular diz que “kaladi” vem do português ‘calado’ e “firaku” de ‘vira (o) cu’. Na verdade “kaladi” parece significar nalgumas variedades do tétum e de outras línguas de Timor um tipo de inhame, de forma que os montanheses que continuavam a basear a sua dieta nesses tubérculos eram tratados por outras populações de hábitos alimentares mais sofisticados como ‘os inhames ou os comedores de inhames’. “Firaku” é uma palavra que veio do macassai e significa ‘nós (somos) amigos’.
Arranjar termos depreciativos para designar colectivamente os aldeãos, ou camponeses, ou outras classes sociais menos privilegiadas ou grupos étnicos ou naturais de outras regiões, normalmente menos desenvolvidas, é algo habitual por todo o mundo. Os timorenses de língua tocodede chamam “atu gari” (‘gente calade’) aos seus conterrâneos campónios mais atrasados. Em muitos livros sobre Timor os fatalucos e a sua língua são muitas vezes referidos como ‘dagadá’, mas a palavra parece ter sido criada pelos seus vizinhos – provavelmente os macassai – para gozar com eles, já que o sistema fonológico da quase totalidade das variedades da língua fataluco não incluia os sons ‘d’ e ‘g’, o que tornava ‘dagadá’ uma palavra que estes não conseguiam pronunciar (diziam algo como ‘tchakatcha’; para perceber melhor, imagine que por os chineses pronunciarem mal a palavra ‘romaria’ os portugueses passavam a tratá-los por os ‘lomalia’...). Os timorenses de outras zonas chamam aos de Bobonaro "kuda-ulun" ('cabecas de cavalo'). A palavra ‘saloio’ em Portugal começou por designar os habitantes das aldeias à volta de Lisboa. ‘Parolo’, de acordo com o pequeno Dicionário Universal verde que os nossos alunos têm, é um ‘rústico ou pacóvio’, mas em Viana do Castelo refere um dos camponeses da região que têm até um traje tradicional próprio, com que já desfilei nas Festas da Senhora da Agonia. O mesmo dicionário diz que ‘labrego’ é um ‘homem rústico, indivíduo malcriado, grosseiro’, mas na região da Galiza a mesma palavra é usada normalmente para referir qualquer camponês, sem a mesma carga depreciativa. Os estado-unidenses chamam ‘hillbilly’ aos seus pacóvios das montanhas, o que às vezes é sinónimo de ‘red-neck’.
Enfim, a imaginação do povo é sem limites. ..

sábado, setembro 09, 2006 

Bem aparecidos bravos da GNR!

Em fim de calmo serão familiar, somos subitamente surpreendidos pelo ladrar dos cães de todos os quintais da vizinhança dando sinal de que algo corre mal.

Não sendo nenhum tremor de terra – que, quando acontece origina de imediato uma sucessão de ruídos (gritos e bater de objectos) propositadamente provocados em tom de informação aos que estão no âmago da Terra e aos que já partiram que, nós, os vivos, ainda cá estamos no Mundo -, o mal só pode ter tido origem humana!

Num crescendo, ouvem-se gritos, o tinir dos canos de ferro usados como sinal de alerta, ruídos que tão depressa parecem estar próximos como mais distantes e, logo a seguir, uns quantos tiros.
Tanto e tão alto soaram os angustiados gritos que o Guilhermino, montanhês pouco habituado a estas loucuras da cidade, tão depressa quanto imaginou, transformou a íntima suposição em pública e certa realidade, garantindo sério ter até ouvido o choro das mulheres e crianças…
Prudentemente apagadas as luzes da varanda – que o diabo tece-as! -, tentamos perceber a origem da aflição. Com as montanhas que nos rodeiam, os sons ecoam por todo o lado e ficamos um tanto confundidos com a proveniência de tanto alvoroço. Tanto pode ser da ponte de Comoro, como do aeroporto como de Rai Kotuk, lá mais para a frente, próximo de Taci Tolu.
De imediato, telefonamos aos nossos mais velhos. É urgente avisá-los, saber como estão, aconselhar-lhes calma! Conhecedores entretanto de que os mais velhos, familiares e amigos da zona se encontram a salvo, é a vez de um contacto para a GNR. Telefone ocupado. Tento ligar para o número de outro amigo; daí a pouco e em resposta ao meu telefonema fico a saber que mais de uma centena de jovens tentou atacar o campo de refugiados do aeroporto. Daí a correria e os gritos. Os tiros para o ar são da GNR que, chamada ao local, procura restabelecer a calma. Alguns minutos mais tarde, tudo volta a ficar silencioso.
Respirámos fundo! Bendito retorno à tranquilidade! Até pudemos olhar o céu e apreciar o fantástico luar de Agosto!
E comungámos do mesmo e imenso sentimento de gratidão! Pela GNR,naturalmente; pela sua pronta intervenção e resolução de mais um problema. Ah, bem aparecidos bravos da GNR!

quinta-feira, setembro 07, 2006 

Maldita insegurança!


A marginal de Díli não está convenientemente arranjada mas, lá por isso, não deixa de ser bonita. Já não há muitos coqueiros mas, continua a haver os suficientes para que a praia junto das embaixadas mantenha o nome por que sempre foi conhecida, a Praia dos Coqueiros.
Lá mais ao pé do Palácio do Governo, defronte do Sporting e da Uma Fukun - a antiga Intendência do tempo português -, ainda se vêem os centenários gondoeiros a cujo sólido tronco se prendiam as amarras dos navios Índia, Timor e Niassa quando o porto de Díli ainda nem estava projectado. As carcaças enferrujadas dos navios do tempo dos japoneses dos quais eu, os meus irmãos e os nossos amigos demos uns quantos mergulhos quando éramos garotos e que jaziam à beira da praia, há muito foram removidas. As acácias vermelhas que embelezavam o jardim onde ainda hoje se vê o Monumento aos Descobrimentos Portugueses defronte do Palácio foram cortadas no tempo da ocupação indonésia e deixaram a praça mais nua, menos colorida.
De Lecidere à Praia dos Coqueiros, um bocado por toda a marginal, há hoje inúmeras bancas de venda de frutos, legumes, peixe. Apesar disso, é um passeio que se faz com prazer.
Mesmo quando vou ao centro de Díli com alguma pressa prefiro fazê-lo pela marginal, espraiar a vista pelo mar ora azul, ora esverdeado, pelas ilhas de Ataúro, Alor, Quissar, Lira, Veter que se erguem ao longe, cortando o horizonte… É muito mais agradável que a estrada interior!
Já me tinham falado dos incidentes no mercado que ocupa já uma rua inteira ao pé da Pertamina mas, aqui como em tudo na vida, persiste sempre o erro de que “essas coisas só acontecem aos outros.”
Esta tarde, ainda o sol não desaparecera por detrás de Alor, estava eu ainda deleitada com a paisagem, olhando em frente, guiando devagar, cuidadosamente, mal detendo um breve olhar nas bancas que se alinham junto à berma da estrada, quando, de repente, no passeio contrário vi um jovem empunhando um cano longo de ferro. Fixou o olhar ameaçador no meu jeep e avançou.
Não sei que me terá dado, mas talvez o susto me tenha levado a reagir mais depressa do que pensei ser capaz! Acelerei! Tinha os vidros fechados mas, mesmo assim, ainda me encolhi no assento, com medo da pancada.
O jovem rodeado de outros tantos aparentando não ter mais de 15, 16 anos, não foi suficiente lesto para me apanhar, bateu no ar e ficou-se num riso alvar, de quem nada mais sabe nem quer senão semear o terror, provavelmente ensaiando novo ataque a outro condutor tão absorto quanto eu!
Instantes depois, uns metros mais à frente, ainda me passou pela cabeça sair do carro e ir lá dizer-lhe umas verdades. Deve ter sido um instante muito breve, porque de imediato acordei e dei conta da asneira que estava quase a fazer…
Um bom bocado depois de dois copos de água, sentada na varanda da minha casa procurando a serenidade perdida, ainda eu sentia o coração a querer saltar-me do peito!
Maldita insegurança!

quarta-feira, setembro 06, 2006 

Um dia de cada vez



Aqui em Comoro, na rotunda do aeroporto, os apedrejamentos acontecem quando menos se espera e sem causa aparente. E, se olharmos com alguma atenção, vemos pequenos grupos de pessoas de um e de outro lado da estrada em distraída pose, uns vendendo cartões de telefone, outros olhando o movimento de carros e pessoas, outros ainda numa venda improvisada de legumes mas, todos prontos para o ataque. Surgindo a primeira resposta a uma série de provocações, é certo e sabido que temos batalha campal. Pedras, muitas pedras que, depois da batalha, jazem na via pública à espera de reutilização. Tal é a frequência dos apedrejamentos que um amigo meu dos tempos do liceu chama a esta estrada “Gaza Street”. Outro amigo que vive no Farol e trabalha no aeroporto - tendo por isso de passar pela zona de fogo pelo menos quatro vezes por dia - recebeu da sua preocupada mulher o conselho avisado para andar de capacete de motorista, mesmo sabendo que ele se faz transportar de carro e tem sempre os vidros fechados! E quem teve o azar de ficar com os vidros partidos, deixou de mandar colocar novos vidros que, a maior parte das vezes, deixou de existir no mercado e tem de ser importado. Não vale a pena e sempre sai mais barato pôr um plástico em substituição do vidro.
Há os que fazem meia volta, outros que param o carro e ficam pacientemente à espera …
Andar pela cidade é uma verdadeira aventura. Anteontem, para ir a Taibessi, depois de uma chamada telefónica avisando-me que deveria evitar a zona do antigo Mercado Municipal de Díli, atravessei a cidade até Bidau, passei pela zona quente do Hospital e fui dar a Audian e a Santa Cruz. É como estar em Benfica, querer ir a Paço de Arcos, dando a volta por Sintra! Perde-se tempo e paciência. Não é de admirar que haja quem tenha desistido de sair de casa!
Ontem, depois de uma primeira onda de pequenas escaramuças da parte da manhã, reacendeu-se a luta durante a tarde. De tal forma que as forças internacionais chamadas para repor a ordem, tiveram de dar uns dois tiros para o ar.
E quem teve de se deslocar à cidade pelas vinte horas foi surpreendido por uma cidade deserta, fantasma, sem vivalma! Claro que é mais seguro ficar fechado entre quatro paredes. Não se correm riscos de levar uma pedrada… pode-se é morrer de estupidez.
Quem tem de sair de casa, fá-lo com fundado receio de que o ataque surja do escuro e, por isso, para os que têm carro, o melhor é acelerar um bocado, o que aqui em Díli significa andar a 60, 70 Km/hora!
Entretanto, reze-se para chegar são e salvo ao destino. Alcançado este propósito, convém que se telefone ou se envie em curta mensagem um aliviante “cheguei bem!”
E assim se sucedem os dias e as noites em Timor-Leste… Porquê, toda esta desordem. Para quê? Até quando? Quase apetece perguntar. Quase de certeza também não haverá quem saiba dar uma resposta. Então, o melhor é permanecermos em prudente silêncio e vivermos o melhor que pudermos e soubermos, cumprindo à risca o lema um dia de cada vez… Pela nossa sanidade mental e pela nossa sobrevivência. Fixe-se, um dia de cada vez!



segunda-feira, setembro 04, 2006 

Somos uma Nação independente!

Adivinhava-se há muito que havia descontentamento. Mas, confiantes que, depois de tantos anos de sofrimento, o povo iria manter-se passivo por não pretender mais violência e sofrimento, pouco ou nada se fez; ao invés, foi-se deixando passar o tempo interpretando erradamente o ditado que diz que o tempo é o melhor remédio…
E depois foi o que se viu. A violência instalou-se no país. Se alguém o desejava, conseguiu facilmente que demonstrássemos as nossas fraquezas. Sozinhos, não conseguimos nem deter a violência nem resolver os problemas; os três órgãos de soberania timorense – Presidente da República, Parlamento e Governo - viram-se obrigados a pedir a intervenção de países amigos antes que a situação se tornasse totalmente descontrolada.
Vieram, pois, destacados numa força de paz internacional de 3.200 soldados enviados pela Austrália, Malásia, Nova Zelândia e Portugal para restabelecer a ordem e a estabilidade no país, objectivo ainda não alcançado.
Na semana passada, Alfredo Reinado e outros 56 reclusos saíram pela porta principal da cadeia de Becora.
E, de repente, percebeu-se: afinal, os timorenses ainda eram considerados capazes de guardar qualquer coisa! Mais, coube-lhes a guarda de Reinado!
É que, se para o Primeiro-Ministro Ramos Horta a segurança estava a cargo desde o dia 25 de Agosto das forças internacionais e da polícia das Nações Unidas, já para o MNE australiano, Alexander Downer, o acordo estipulava que os timorenses seriam os responsáveis pela segurança da prisão e a força internacional forneceria algum patrulhamento na vizinhança.
O mesmo dizia o comandante neo-zelandês ao
esclarecer que a segurança das prisões “é uma responsabilidade apenas do Ministério da Justiça de Timor-Leste”. O perigo vinha de fora, podia haver um ataque do exterior! Por isso, os neozelandeses fizeram-se diligentes guardadores das áreas limítrofes da cadeia de Becora durante um período apenas antes daquela tarde em que os 57 reclusos saíram em passeio pela porta principal, os quando os guardas timorenses se ocupavam dos jardins.
Ocupado com outras coisas, completamente a leste e confiante nos internacionais estava o ministro da Justiça, Domingos Sarmento, a quem os neozelandeses não informaram do abandono do local! Esquecimento, ignorância ou desrespeito? Quase se fica com a impressão de que eram os neozelandeses que mandavam …
Diz Alexander Downer que "os timorenses têm que aprender a resolver os seus problemas e não continuar à espera de que a comunidade internacional faça tudo por eles".
Acrescenta Downer que "os timorenses agora são uma nação independente e têm de ser responsáveis pelos seus assuntos internos",e que "a Austrália ou a Nova Zelândia, Portugal, a Malásia ou o secretário-geral da ONU não podem ser responsabilizados pelos problemas do Timor-Leste".
Já sabemos que temos problemas, que fomos nós que os arranjámos e que devemos resolvê-los; mas por que hão-de os nossos vizinhos australianos, que entraram aparentemente cheios de vontade de nos ajudar ao mesmo que se mostravam donos e senhores das forças internacionais, mostrar-se tão agastados quando são responsabilizados por falhas que também cometem?
Convém recordar que os australianos acompanharam o major Reinado na Pousada de Maubisse, escoltaram-no até Díli sem nunca se terem dado conta de que havia armas pelo meio; mas foi pela posse ilegal de armas que o detiveram numa das casas ocupadas a que também montavam guarda… Levaram-no para Becora e, depois, afastaram-se…Há aqui qualquer coisa que me escapa…
Mas, já que Downer não se escusa de focar a “ enorme generosidade” australiana para com os timorenses a quem continuarão a “fornecer apoio”, os timorenses – mais do que apreciar - precisavam de saber que preço vão pagar por tanta generosidade. Para começar, talvez fosse interessante saber com que linhas se coseram os acordos entre Timor-Leste e a Austrália.
Finalmente, é indispensável que, de uma vez por todas, consigamos resolver os nossos problemas, sem contar constantemente com os outros. Para podermos viver em paz. Para não termos de passar pela vergonha de nos mantermos calados perante as aleivosias de um governante estrangeiro de um país poderoso que, escudado no pedido de ajuda de um país reconhecidamente fraco, diz arrogantemente o que lhe apetece, passando-nos autênticos atestados de incompetência!
Com a continuação dos conflitos, cada dia que passa representa o aumento da nossa dependência em relação ao exterior. Até que um dia nem sequer em palavra silenciada restará a nação independente de Timor-Leste. Downer sabe-o bem! Nós é que teimamos em andar distraídos…

sábado, setembro 02, 2006 

O regresso dos professores portugueses

Não sei o número exacto de estrangeiros em Timor-Leste mas sabe-se que são uns milhares, vindos de Portugal, Indonésia, Austrália, EUA, Japão, Malásia, Filipinas, Paquistão, China, entre muitos outros.
Mas é sobre os cidadãos nacionais de Portugal, Austrália e Indonésia que recaem as maiores atenções, o que até faz sentido, uma vez que Portugal foi a potência colonizadora por quase cinco séculos, a Indonésia ocupou o país durante 24 anos e é um vizinho poderoso tal como a Austrália, país com o qual Timor-Leste terá de medir constantemente forças pelo posse das riquezas naturais no Mar de Timor .
Qualquer atitude individual de cidadãos desses estados é de imediato ligada ao país de origem ao qual, consequentemente, são assacados os bons ou maus resultados das suas palavras e dos seus actos.
Portugal é o país que mais contribui para o desenvolvimento de Timor-Leste tendo ocupado quase sempre o 1º lugar no ranking dos países doadores. Depois, é a presença cultural a que não é alheia a escolha da língua portuguesa como idioma oficial do país, a par do tétum.
Por isso, a grande aposta da cooperação portuguesa se prende com o ensino do português e o envio de professores que, no âmbito de um programa do Instituto Português de Apoio ao Desenvolvimento, são destacados para os 13 distritos de Timor-Leste, se entregam e se empenham no ensino da língua de Camões, formando professores timorenses e ministrando também cursos intensivos a funcionários do Estado.
Sobre a importância da cooperação portuguesa na área do ensino, basta dizer que, só em Díli, a Escola Portuguesa conta actualmente com 28 docentes e cerca de 450 alunos.
A presença dos professores portugueses traz animação ao país. Quando partem, deixam saudades nos seus alunos e, verdade de La Palisse, sem eles, a cidade fica mais vazia.
Louvável é que, sendo todos tão jovens, se adaptem tão bem às dificuldades do país, tirando o melhor partido daquilo em que Timor-leste é rico, as suas belezas naturais.
Obviamente que, numa atitude mais pragmática, todos sabemos que a vinda dos professores é uma forma de resolver o problema do desemprego em Portugal, embora isso não cause qualquer prejuízo nas relações entre professores portugueses e alunos timorenses, nem diminua a generosidade que põem no seu trabalho.
Ontem, o jornal das 13 horas da RTP que aqui em Timor-Leste passa no horário nobre, a do jantar, noticiou a chegada a Díli de 34 professores portugueses que regressaram para retomar a formação de docentes timorenses.
O jornalista ouviu alguns professores, para auscultar as suas impressões no momento do regresso.
Estavam satisfeitos e prontos para recomeçar, disseram os entrevistados. E uma, apenas uma, professora expressou de forma infeliz o seu desagrado por ter regressado a Timor-Leste pelo 4º ano consecutivo.
A senhora não conseguiu apagar a sensação desagradável que as suas palavras deixaram nem mesmo quando afirmou gostar do país, dos timorenses e procurou esclarecer que o seu desencanto tinha a ver com problemas da carreira profissional dos docentes em Portugal.
É justamente aqui que a porca torce o rabo. Seria mais fácil, creio, expor o seu caso ao Ministério da Educação e ter ficado em Portugal. É que estando contrariada, deve ser complicado empenhar-se no trabalho tornando impossível criar laços de empatia imprescindíveis nas relações com os formandos, ainda por cima agora que Timor-Leste vive uma crise difícil.
Não está em discussão o direito da referida professora de manifestar livremente as suas opiniões e menos ainda a razoabilidade (ou falta dela) das suas queixas. Mas aqui, em Timor-Leste e num momento de reconhecida dificuldade deste país, foi um testemunho desnecessário, dispensável.
Tendo porém como certo que uma árvore não faz a floresta, a impressão negativa deixada pela desencantada e contrariada professora não deve fazer história nem ser extensiva aos seus colegas professores. Porque não o merecem. E Portugal também não.
Mas que era escusado, lá isso era…