Estamos mesmo e cada vez mais “arasca”!
A propósito de determinado assunto, lia-se, ontem, num jornal diário que o Primeiro-Ministro estava “arasca”. Numa missa de defunto, o padre, ao falar dos últimos dias de vida da velha senhora de quase 100 anos, dizia sobre o seu sofrimento que a avó Aurora, embora “arasca”, ainda teve tempo para transmitir os seus últimos desejos. Numa e noutra oportunidade, o resto do discurso era feito em tétum, a língua nacional e oficial, a par do português. Estar “arasca” nada mais representa senão a adaptação do popular termo “à rasca”, sem conotação negativa e tendo perdido por completo o cariz calão que está na sua origem. Faz parte da língua tétum e o seu uso está absolutamente normalizado.
A propósito da Justiça, um advogado diz de sua justiça o que entende ser o uso “colonialista” da língua portuguesa. Mas, num parêntesis, se o uso desta é colonialista, que se diria caso tivesse sido escolhido o bahasa indonésio ou o inglês para idioma oficial?
Em anúncios de emprego para cargos a serem exercidos em organizações, embaixadas ou agências internacionais requer-se ao candidato o uso fluente do inglês, tétum, bahasa e só no fim, português.
Simples curiosidades, questões de pormenor?... Talvez mais do que isso. É a língua, pilar da identidade de uma Nação, que continua como um dos pontos de divergência em Timor-Leste. Se se assiste por um lado, a um maior conhecimento e aprofundamento do português, também é e em paralelo visível a constatação da resistência à escolha do português como língua oficial.
Preparava-me para escrever sobre a introdução de vocábulos portugueses na língua tétum, quando ouvi na rádio que o ex-presidente cabo-verdiano António Mascarenhas Monteiro recusou o cargo para representante do secretário-geral da ONU para Timor-Leste, devido a forças de bloqueio. Quais? Quem? Um país?
A maioria da população timorense – classe política incluída - concorda com a posição do governo chefiado por Ramos Horta, de que seria prestigiante para Timor-Leste a nomeação de Mascarenhas Monteiro que o Primeiro-Ministro considera ser "um estadista, de muito prestígio internacional, de um país democrático… de um dos países mais bem geridos em África, e que será alguém que ouvirá todas as sensibilidades". Sendo reconhecido o sucesso cabo-verdiano, talvez dele nos pudesse ser dada a receita …
Do outro lado, os que não querem Monteiro, para além de umas - poucas, aliás - personalidades e organizações timorenses, devem estar todos os estrangeiros de cultura anglo-saxónica.
Soa a pouco, muito pouco, inconsistente até, o receio de João Gonçalves, em afirmações difundidas pela Lusa, de que Mascarenhas Monteiro pudesse não ser “aceite entre os timorenses por o identificarem com o tradicional apoio histórico dos movimentos de libertação africanos à FRETILIN”, para além de que "podia criar a sensação de que as suas decisões não seriam imparciais e isso podia ser evitado se fosse nomeado alguém que não provocasse mal-estar entre a população”.
Não resisto e terei de dizer: pelo amor de Deus!
Mais do que o apoio à FRETILIN, Mascarenhas Monteiro, tal como a maioria dos africanos de língua oficial portuguesa, pode e deve ser identificado com todos quantos foram solidários com a Resistência timorense na sua luta pela independência. Isso é que deveria ter sido considerado e esse é, não tenhamos dúvidas, um ponto a favor de Mascarenhas Monteiro. Mau seria que fosse escolhida uma personalidade que nunca tivesse gostado da ideia de Timor independente!
Os timorenses conhecem bem o povo cabo-verdiano desde os tempos em que Timor e Cabo Verde constituíam possessões portuguesas. Muitos cidadãos desse país escolheram Timor para trabalhar e grande parte dele aqui constituiu família e por aqui se deixou ficar. Basta uma voltinha pela cidade e observar os traços fisionómicos de muitos timorenses ou ouvir o que aqui se canta.
Não me parece que os dois últimos representantes do secretário-geral da ONU tenham desenvolvido um trabalho tão profícuo como pretendem os que defendem, por exemplo, a continuação de Hasegawa por “considerarem que tem um conhecimento mais completo da actual situação no país”. Se conhecia, não utilizou bem esses conhecimentos. Ou mal se deu por isso, tal a distância e a inacessibilidade do senhor relativamente à população. Mas esforçou-se seriamente para robustecer o uso do inglês, lá isso é verdade!
Se uma personalidade do espaço lusófono do qual, aliás, fazemos parte e com a capacidade e o prestígio de António Mascarenhas Monteiro não nos serve, quem sucederá a Hasegawa? Quem será aceite sem que lhe seja apontado de imediato este ou aquele impedimento? Será demais perguntar se deverá ter a confiança de outros países em vez do nosso, timorense?
Em nome de quê, porquê e para quê se desbarata de ânimo tão leve, tão pouco sólido, em ligeira, insensata e apressada reacção, alguém com quem seria mais fácil dialogar, até porque Cabo Verde e Timor-Leste têm um passado comum, falam a mesma língua e, nunca é demais frisar, existem tantos timorenses com sangue cabo-verdiano?
Não entendo a razoabilidade nem o porquê da rejeição. Entendo, sim, que, desta forma, sempre agarrando-nos ou confundindo as questões, não é Mascarenhas Monteiro que sai mal, somos nós, timorenses, que ficamos mal! Ao ajuizarmos mal e superficialmente o que quer que seja, ao pensarmos apenas no interesse momentâneo que serve uns mas não serve o país nem agora e menos ainda no futuro; e mesmo ao esquecermos que, tão efémera como a vida, é o proveito individual, com idêntico e bem delimitado prazo de validade. Ficamos muito mal quando transmitimos os nossos constantes e caprichosos descontentamento e insatisfação! E ficamos pior quando vamos a reboque de interesses que não são os nossos. Mesmo que não queiramos ver ou aceitar que estamos a ser levados…
Cada dia que passa, a propósito de tudo ou de coisa nenhuma, surgem sempre motivos de desconfiança e de críticas, a todos atribuímos um determinado papel, bom, mau, mas necessariamente conforme o interesse particular ou de grupo. Agimos como se fôssemos superiores em tudo. Como se ninguém nos servisse. Malbaratando apoios, boas vontades, criando novos focos de descontentamento. Projectamos noutros a nossa imperfeição, os nossos males, os nossos defeitos, sobredimensionados por quem disso tira proveito próprio. Porque somos manobráveis. E deixamos que haja quem se aproveite de nós e das nossas fraquezas, pondo-nos a defender ideias contrárias às nossas fazendo-nos acreditar que são mesmo nossas, levando-nos a dizer e a fazer o que, em boa verdade, não serve os timorenses. Ganham sempre. Como agora. Nós é que seremos sempre perdedores!
Por tudo isso, atrevo-me a dizer como o jornalista e o padre: “arasca!”, estamos mesmo e cada vez mais “arasca”!
A propósito da Justiça, um advogado diz de sua justiça o que entende ser o uso “colonialista” da língua portuguesa. Mas, num parêntesis, se o uso desta é colonialista, que se diria caso tivesse sido escolhido o bahasa indonésio ou o inglês para idioma oficial?
Em anúncios de emprego para cargos a serem exercidos em organizações, embaixadas ou agências internacionais requer-se ao candidato o uso fluente do inglês, tétum, bahasa e só no fim, português.
Simples curiosidades, questões de pormenor?... Talvez mais do que isso. É a língua, pilar da identidade de uma Nação, que continua como um dos pontos de divergência em Timor-Leste. Se se assiste por um lado, a um maior conhecimento e aprofundamento do português, também é e em paralelo visível a constatação da resistência à escolha do português como língua oficial.
Preparava-me para escrever sobre a introdução de vocábulos portugueses na língua tétum, quando ouvi na rádio que o ex-presidente cabo-verdiano António Mascarenhas Monteiro recusou o cargo para representante do secretário-geral da ONU para Timor-Leste, devido a forças de bloqueio. Quais? Quem? Um país?
A maioria da população timorense – classe política incluída - concorda com a posição do governo chefiado por Ramos Horta, de que seria prestigiante para Timor-Leste a nomeação de Mascarenhas Monteiro que o Primeiro-Ministro considera ser "um estadista, de muito prestígio internacional, de um país democrático… de um dos países mais bem geridos em África, e que será alguém que ouvirá todas as sensibilidades". Sendo reconhecido o sucesso cabo-verdiano, talvez dele nos pudesse ser dada a receita …
Do outro lado, os que não querem Monteiro, para além de umas - poucas, aliás - personalidades e organizações timorenses, devem estar todos os estrangeiros de cultura anglo-saxónica.
Soa a pouco, muito pouco, inconsistente até, o receio de João Gonçalves, em afirmações difundidas pela Lusa, de que Mascarenhas Monteiro pudesse não ser “aceite entre os timorenses por o identificarem com o tradicional apoio histórico dos movimentos de libertação africanos à FRETILIN”, para além de que "podia criar a sensação de que as suas decisões não seriam imparciais e isso podia ser evitado se fosse nomeado alguém que não provocasse mal-estar entre a população”.
Não resisto e terei de dizer: pelo amor de Deus!
Mais do que o apoio à FRETILIN, Mascarenhas Monteiro, tal como a maioria dos africanos de língua oficial portuguesa, pode e deve ser identificado com todos quantos foram solidários com a Resistência timorense na sua luta pela independência. Isso é que deveria ter sido considerado e esse é, não tenhamos dúvidas, um ponto a favor de Mascarenhas Monteiro. Mau seria que fosse escolhida uma personalidade que nunca tivesse gostado da ideia de Timor independente!
Os timorenses conhecem bem o povo cabo-verdiano desde os tempos em que Timor e Cabo Verde constituíam possessões portuguesas. Muitos cidadãos desse país escolheram Timor para trabalhar e grande parte dele aqui constituiu família e por aqui se deixou ficar. Basta uma voltinha pela cidade e observar os traços fisionómicos de muitos timorenses ou ouvir o que aqui se canta.
Não me parece que os dois últimos representantes do secretário-geral da ONU tenham desenvolvido um trabalho tão profícuo como pretendem os que defendem, por exemplo, a continuação de Hasegawa por “considerarem que tem um conhecimento mais completo da actual situação no país”. Se conhecia, não utilizou bem esses conhecimentos. Ou mal se deu por isso, tal a distância e a inacessibilidade do senhor relativamente à população. Mas esforçou-se seriamente para robustecer o uso do inglês, lá isso é verdade!
Se uma personalidade do espaço lusófono do qual, aliás, fazemos parte e com a capacidade e o prestígio de António Mascarenhas Monteiro não nos serve, quem sucederá a Hasegawa? Quem será aceite sem que lhe seja apontado de imediato este ou aquele impedimento? Será demais perguntar se deverá ter a confiança de outros países em vez do nosso, timorense?
Em nome de quê, porquê e para quê se desbarata de ânimo tão leve, tão pouco sólido, em ligeira, insensata e apressada reacção, alguém com quem seria mais fácil dialogar, até porque Cabo Verde e Timor-Leste têm um passado comum, falam a mesma língua e, nunca é demais frisar, existem tantos timorenses com sangue cabo-verdiano?
Não entendo a razoabilidade nem o porquê da rejeição. Entendo, sim, que, desta forma, sempre agarrando-nos ou confundindo as questões, não é Mascarenhas Monteiro que sai mal, somos nós, timorenses, que ficamos mal! Ao ajuizarmos mal e superficialmente o que quer que seja, ao pensarmos apenas no interesse momentâneo que serve uns mas não serve o país nem agora e menos ainda no futuro; e mesmo ao esquecermos que, tão efémera como a vida, é o proveito individual, com idêntico e bem delimitado prazo de validade. Ficamos muito mal quando transmitimos os nossos constantes e caprichosos descontentamento e insatisfação! E ficamos pior quando vamos a reboque de interesses que não são os nossos. Mesmo que não queiramos ver ou aceitar que estamos a ser levados…
Cada dia que passa, a propósito de tudo ou de coisa nenhuma, surgem sempre motivos de desconfiança e de críticas, a todos atribuímos um determinado papel, bom, mau, mas necessariamente conforme o interesse particular ou de grupo. Agimos como se fôssemos superiores em tudo. Como se ninguém nos servisse. Malbaratando apoios, boas vontades, criando novos focos de descontentamento. Projectamos noutros a nossa imperfeição, os nossos males, os nossos defeitos, sobredimensionados por quem disso tira proveito próprio. Porque somos manobráveis. E deixamos que haja quem se aproveite de nós e das nossas fraquezas, pondo-nos a defender ideias contrárias às nossas fazendo-nos acreditar que são mesmo nossas, levando-nos a dizer e a fazer o que, em boa verdade, não serve os timorenses. Ganham sempre. Como agora. Nós é que seremos sempre perdedores!
Por tudo isso, atrevo-me a dizer como o jornalista e o padre: “arasca!”, estamos mesmo e cada vez mais “arasca”!
Hos dias de hoje o melhor e mais eficiente meio para divulgar e engrandecer uma língua junto de qualquer comunidade é a rádio e a televisão. E neste aspecto, Timor-Leste tem feito ZERO
Posted by joãoeduardoseverino 1:32 da tarde