Honra e Justiça
Há conceitos de um valor incalculável em Timor-Leste, como a palavra, a dignidade, a honra e a justiça. As falhas relativas ao incumprimento de palavra dada, à desonra, ao desrespeito pela dignidade, à injustiça não têm perdão. Castiga-se. Para que o castigo lave a culpa e a vida possa retomar o seu ciclo. Recomeçar e olhar a vida em frente, exige transparência, alma lavada, sem sombra, sem mancha de males antigos.
Há muito, muito tempo, quando Timor era uma colónia portuguesa e mesmo depois de ter sido pomposamente baptizada de província ultramarina, aos administradores de posto deparavam-se-lhes por vezes algumas situações melindrosas de resolução complexa.
Conta-se que, em determinado posto administrativo, lá bem para o interior da zona montanhosa em que as tradições e os costumes estavam mais arreigados – ali, onde fica o que ainda hoje, em boa verdade, se pode chamar de Timor profundo -, apareceu um dia, manhãzinha cedo, um homem que trazia num açafate algo volumoso, bem coberto com um tais, presumivelmente para escapar à curiosidade popular.
Chegado defronte da casa senhorial, o homem ordenou ao empregado que fosse chamar o sr. administrador. Antes, porém, à guisa de cartão de visita, destapou o açafate, deixando bem visível uma cabeça humana.
Oh!, pernas para que te quero!, safou-se o empregado para dentro de casa! Entregue em surdina o recado a que não faltou a descrição da assustadora e macabra visão da cabeça assim posta, sem corpo, o perturbado empregado deixou-se ficar especado, esperando que o sr. administrador, homem experimentado e conhecedor de muitas histórias do mesmo estilo, terminasse o café e o nutritivo “mata-bicho” de ovos estrelados, frango frito e arroz salteado em cebola (a que aqui se chama “eto fila”) tomado na companhia da mulher, dos filhos e de um malai que ali estava de visita e se dirigisse à varanda para receber o visitante com tão insólita prenda…
E assim foi. Saíram para a dita varanda, o administrador, a mulher, os filhos e o malai. O açafate fora colocado no chão, aos pés do administrador. Dali, a visão era ainda mais aterradora. A cabeça pertencia a um homem, jovem, com os olhos desmesuradamente abertos fixos no nada, a boca aberta de surpresa, o pescoço ensanguentado…
E o montanhês falou. Com voz calma. Sem se tomar ares de herói nem de bandido. No seu modo simples, enfrentando o máximo representante local do poder colonial, explicou ao que ia.
- Sr. administrador. Este homem meteu-se com a minha mulher. Sujou a minha casa, o meu nome, a minha honra. Eu não podia perdoar. Tinha de repor a minha honra, a da minha mulher e a da minha casa. Por isso o matei. Fiz justiça. Estou aqui para me entregar e para que o senhor me prenda. Faça o senhor também justiça!
Há muito, muito tempo, quando Timor era uma colónia portuguesa e mesmo depois de ter sido pomposamente baptizada de província ultramarina, aos administradores de posto deparavam-se-lhes por vezes algumas situações melindrosas de resolução complexa.
Conta-se que, em determinado posto administrativo, lá bem para o interior da zona montanhosa em que as tradições e os costumes estavam mais arreigados – ali, onde fica o que ainda hoje, em boa verdade, se pode chamar de Timor profundo -, apareceu um dia, manhãzinha cedo, um homem que trazia num açafate algo volumoso, bem coberto com um tais, presumivelmente para escapar à curiosidade popular.
Chegado defronte da casa senhorial, o homem ordenou ao empregado que fosse chamar o sr. administrador. Antes, porém, à guisa de cartão de visita, destapou o açafate, deixando bem visível uma cabeça humana.
Oh!, pernas para que te quero!, safou-se o empregado para dentro de casa! Entregue em surdina o recado a que não faltou a descrição da assustadora e macabra visão da cabeça assim posta, sem corpo, o perturbado empregado deixou-se ficar especado, esperando que o sr. administrador, homem experimentado e conhecedor de muitas histórias do mesmo estilo, terminasse o café e o nutritivo “mata-bicho” de ovos estrelados, frango frito e arroz salteado em cebola (a que aqui se chama “eto fila”) tomado na companhia da mulher, dos filhos e de um malai que ali estava de visita e se dirigisse à varanda para receber o visitante com tão insólita prenda…
E assim foi. Saíram para a dita varanda, o administrador, a mulher, os filhos e o malai. O açafate fora colocado no chão, aos pés do administrador. Dali, a visão era ainda mais aterradora. A cabeça pertencia a um homem, jovem, com os olhos desmesuradamente abertos fixos no nada, a boca aberta de surpresa, o pescoço ensanguentado…
E o montanhês falou. Com voz calma. Sem se tomar ares de herói nem de bandido. No seu modo simples, enfrentando o máximo representante local do poder colonial, explicou ao que ia.
- Sr. administrador. Este homem meteu-se com a minha mulher. Sujou a minha casa, o meu nome, a minha honra. Eu não podia perdoar. Tinha de repor a minha honra, a da minha mulher e a da minha casa. Por isso o matei. Fiz justiça. Estou aqui para me entregar e para que o senhor me prenda. Faça o senhor também justiça!
Nos conceitos de valor incalculável em Timor-Leste também faz parte a TRAIÇÃO e a INGRATIDÃO
Posted by joãoeduardoseverino 6:51 da tarde