Heróis de ontem, vilões de hoje...
Nos anos da Resistência, fizemos história com a bravura dos nossos líderes, dos nossos guerrilheiros, dos clandestinos, do povo, heróis que fomos construindo, fabricando calma, conscientemente em nome de Timor. Eram uma referência, enchiam-nos de orgulho. Nas ruas, nas manifestações, gritávamos por eles, pelos heróis… Nós os timorenses, sentíamo-nos diferentes, seres de um outro Mundo, de outra estirpe!
Com os dois prémios Nobel da Paz atribuídos de uma só vez, mais orgulhosos nos sentimos. Um território tão pequeno e dois prémios de uma só vez! Era obra!
Foi fruto de devotado trabalho e levou muito tempo mas, os timorenses convenceram os senhores do Mundo que eram merecedores de respeito e haviam ganho o direito de serem independentes! Muitos se comoveram com as demonstrações da sua coragem. Muitos mais sofreram com o povo timorense e os ajudaram na difícil tarefa da independência.
Éramos respeitados, admirados, acarinhados. Tão pequeno povo e tanta bravura! Tanta pertinácia, tamanha determinação! Dobrámos a potência ocupante que se encolheu de vergonha! Conseguimos, ganhámos a independência!
E hoje, que sentimentos despertamos? Não sei se ainda haverá simpatia. Pressinto que a desilusão se sobrepôs a qualquer afeição. Desconfio até que há quem preferisse ver-nos esquecidos, ignorados e arrumados.
Pela nossa inconstância, pela nossa apetência pelo conflito, pouco falta que sejamos classificados de falhados. Sozinhos, não somos capazes de manter a paz, a estabilidade, de construir o país. E se não arrepiamos caminho, não tarda nada surgirá alguma alma esclarecida defendendo que, afinal no tempo da ocupação, os maus éramos nós, que não sabíamos viver em paz…
A lei e a ordem no país não existem. Há muito tempo. O caos está tão instalado que se acreditaria ter enterrado as suas raízes até ao mais profundo das entranhas da terra timorense. Provocações, apedrejamentos, ataques, quase se diria que tudo faz parte de um plano milimetricamente traçado de destruição total.
Tornámo-nos num país sem referências. Perdemos a memória. Permite-se, quase se encoraja!, a falta de respeito por quem não seja simpático a determinada trupe. Os heróis de ontem passaram a pessoas vulgares a quem se insulta, se hostiliza, se humilha, se acusa, se despreza. E se oportunidade houver, também é possível que sejam espancados sob aplauso e gargalhar de enlouquecida turba!
Esquecemos tudo. Da História, dos objectivos comuns, da amizade, pouco ou nada sobra! Pouco importa quem lutou pela independência. Mas, se os não há ou se os não querem heróis, houve-os certamente empenhados, teimosos, determinados, fazendo-nos embarcar no sonho em que acreditavam e fazendo-nos acreditar e, de seguida, lutar. Por ela, pela independência de Timor. Também destes, já ninguém se recorda que os houve. Antes parece subsistir a vontade de os sacudir, aos protagonistas da independência, retirá-los da História do país. Amarfanhá-los e deitá-los para o caixote do lixo.
Não damos conta, mas estamos a destruir, a enterrar a Nação timorense. Porque sem dignidade, sem referências, sem História, não há Nação que resista.
Por este caminho, nada restará de um povo que foi tão admirado num passado ainda recente e, quase me atrevo a dizê-lo, é tão dificilmente tolerado nos dias de hoje.
Se não arrepiarmos caminho, se continuamos com esta sanha de auto-destruição, de Timor restará apenas o nome, mal pronunciado, quiçá adaptado! Quem pode querê-lo?
É pena. E dói terrivelmente!