Firacos e calades
Os conflitos dos últimos tempos aqui em Timor puseram as pessoas aí pelo mundo lá fora a ouvir palavras pouco habituais: “lorosa’e” (leste – que os portugueses já conheciam) e “loromonu” (oeste), firacos e calades. Mas o que é isto dos firacos e dos calades? As palavras são normais na variedade de português que se fala em Timor e actualmente aparecem usadas no contexto dos confrontos que por cá têm acontecido como significando mais ou menos, e respectivamente, gente do leste e do oeste. Mas a realidade não é tão simples. Na forma em que são usados mais habitualmente nas conversas entre timorenses estes termos são depreciativos, usados para falar de gente rural, das montanhas, pouco à vontade nos meios mais modernos dos citadinos. Assim, um “kaladi” (em tétum) será um habitante rural das regiões ocidentais, e um “firaku” um campónio das zonas do oriente. O imaginário popular considera que os calades são mais pacientes, mais preguiçosos e mais ponderados, enquanto que os firacos têm a reputação de serem mais temperamentais, mais empreendedores e mais conflituosos. Estes últimos são também frequentemente mimoseados com o epíteto de “muturabu” (sílaba tónica: ‘ra’), uma palavra da língua macassai que entrou para o tétum e é usada com o significado de ‘rufia’ ou ‘arruaceiro’. Os calades são muitas vezes protagonistas das anedotas locais, caracterizados mais ou menos da mesma forma que os alentejanos em Portugal.
A etimologia popular diz que “kaladi” vem do português ‘calado’ e “firaku” de ‘vira (o) cu’. Na verdade “kaladi” parece significar nalgumas variedades do tétum e de outras línguas de Timor um tipo de inhame, de forma que os montanheses que continuavam a basear a sua dieta nesses tubérculos eram tratados por outras populações de hábitos alimentares mais sofisticados como ‘os inhames ou os comedores de inhames’. “Firaku” é uma palavra que veio do macassai e significa ‘nós (somos) amigos’.
Arranjar termos depreciativos para designar colectivamente os aldeãos, ou camponeses, ou outras classes sociais menos privilegiadas ou grupos étnicos ou naturais de outras regiões, normalmente menos desenvolvidas, é algo habitual por todo o mundo. Os timorenses de língua tocodede chamam “atu gari” (‘gente calade’) aos seus conterrâneos campónios mais atrasados. Em muitos livros sobre Timor os fatalucos e a sua língua são muitas vezes referidos como ‘dagadá’, mas a palavra parece ter sido criada pelos seus vizinhos – provavelmente os macassai – para gozar com eles, já que o sistema fonológico da quase totalidade das variedades da língua fataluco não incluia os sons ‘d’ e ‘g’, o que tornava ‘dagadá’ uma palavra que estes não conseguiam pronunciar (diziam algo como ‘tchakatcha’; para perceber melhor, imagine que por os chineses pronunciarem mal a palavra ‘romaria’ os portugueses passavam a tratá-los por os ‘lomalia’...). Os timorenses de outras zonas chamam aos de Bobonaro "kuda-ulun" ('cabecas de cavalo'). A palavra ‘saloio’ em Portugal começou por designar os habitantes das aldeias à volta de Lisboa. ‘Parolo’, de acordo com o pequeno Dicionário Universal verde que os nossos alunos têm, é um ‘rústico ou pacóvio’, mas em Viana do Castelo refere um dos camponeses da região que têm até um traje tradicional próprio, com que já desfilei nas Festas da Senhora da Agonia. O mesmo dicionário diz que ‘labrego’ é um ‘homem rústico, indivíduo malcriado, grosseiro’, mas na região da Galiza a mesma palavra é usada normalmente para referir qualquer camponês, sem a mesma carga depreciativa. Os estado-unidenses chamam ‘hillbilly’ aos seus pacóvios das montanhas, o que às vezes é sinónimo de ‘red-neck’.
A etimologia popular diz que “kaladi” vem do português ‘calado’ e “firaku” de ‘vira (o) cu’. Na verdade “kaladi” parece significar nalgumas variedades do tétum e de outras línguas de Timor um tipo de inhame, de forma que os montanheses que continuavam a basear a sua dieta nesses tubérculos eram tratados por outras populações de hábitos alimentares mais sofisticados como ‘os inhames ou os comedores de inhames’. “Firaku” é uma palavra que veio do macassai e significa ‘nós (somos) amigos’.
Arranjar termos depreciativos para designar colectivamente os aldeãos, ou camponeses, ou outras classes sociais menos privilegiadas ou grupos étnicos ou naturais de outras regiões, normalmente menos desenvolvidas, é algo habitual por todo o mundo. Os timorenses de língua tocodede chamam “atu gari” (‘gente calade’) aos seus conterrâneos campónios mais atrasados. Em muitos livros sobre Timor os fatalucos e a sua língua são muitas vezes referidos como ‘dagadá’, mas a palavra parece ter sido criada pelos seus vizinhos – provavelmente os macassai – para gozar com eles, já que o sistema fonológico da quase totalidade das variedades da língua fataluco não incluia os sons ‘d’ e ‘g’, o que tornava ‘dagadá’ uma palavra que estes não conseguiam pronunciar (diziam algo como ‘tchakatcha’; para perceber melhor, imagine que por os chineses pronunciarem mal a palavra ‘romaria’ os portugueses passavam a tratá-los por os ‘lomalia’...). Os timorenses de outras zonas chamam aos de Bobonaro "kuda-ulun" ('cabecas de cavalo'). A palavra ‘saloio’ em Portugal começou por designar os habitantes das aldeias à volta de Lisboa. ‘Parolo’, de acordo com o pequeno Dicionário Universal verde que os nossos alunos têm, é um ‘rústico ou pacóvio’, mas em Viana do Castelo refere um dos camponeses da região que têm até um traje tradicional próprio, com que já desfilei nas Festas da Senhora da Agonia. O mesmo dicionário diz que ‘labrego’ é um ‘homem rústico, indivíduo malcriado, grosseiro’, mas na região da Galiza a mesma palavra é usada normalmente para referir qualquer camponês, sem a mesma carga depreciativa. Os estado-unidenses chamam ‘hillbilly’ aos seus pacóvios das montanhas, o que às vezes é sinónimo de ‘red-neck’.
Enfim, a imaginação do povo é sem limites. ..