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segunda-feira, setembro 18, 2006 

Duas faces da mesma moeda

O homem parece mais velho do que realmente é. Marcos, o homem que parece mais velho embora ande aí pelos 45 anos, é natural de Maubara e trabalha na horta de um casal dos que ainda falam bom português. Tal como Marcos que ainda se explica bem nessa língua!
Uma das vezes em que resolveu saltar um muro para atalhar caminho de regresso a casa, deu um trambolhão e feriu-se num pé, fazendo enorme ferida que o obrigou a ficar retido em casa, coisa de que o Marcos não gostava nada. Ferida grande, pé esticado em forçado descanso e, pior do que tudo, fechado em casa o dia inteiro, foram desculpas mais do que suficientes para que Marcos não cuidasse nem pouco nem muito do pé ferido, esperando que o tempo se encarregasse da cura.
Mas porque doía muito, houve uma vez em que resolveu olhar o pé com olhos de ver e assustou-se mesmo a sério com o mau aspecto da ferida. Lá se decidiu a tratá-la!
Descrente do tratamento do hospital resolveu ir à bruxa da zona. Todos os dias, a ferida era lavada com Rinso -o detergente que torna tudo mais branco… -, coberta com uma camada escura de qualquer coisa indistinta, mastigada, cuspida com preceito pela bruxa. E cada dia lhe doía mais…
Novo dia de tratamento. Lavagem com Rinso, a ferida grande fazia já um grande buraco… A bruxa entendeu então que era preciso retirar o bicho que lá se havia alojado. Marcos não viu nada porque a bruxa lhe ordenou que virasse a cara para outro lado mas acredita que o bicho foi retirado…
Muitas idas à bruxa, muito camada escura colocada a cuspo, um bicho retirado e alguns vinte dólares pagos… passaram três meses e a ferida doía... Tempo demais para o Marcos esperar sentado! E voltou ao trabalho sem pé curado.
O pé de Marcos parecia mais descarnado com o buraco profundo que ia quase até ao osso e Marcos lá aceitou, finalmente!, ser tratado no hospital para onde o levara Marta, a dona da horta de que Marcos cuidava.
Na varanda do hospital, enquanto esperavam para ser atendidos, Marta falava em tétum – língua que utilizam normalmente - e Marcos respondia em português… Estranhou Marta que, só no regresso e deixado bem para trás o hospital, obteve resposta com a explicação de Marcos, agora já em tétum:
- Falei-lhe sempre em português, porque os refugiados do hospital são de Lorosae e eu estava com medo que, pelo meu sotaque, notassem que sou de Loromonu!

***

Mulher forte, decidida, sem medo, olhar a direito, inteligente… assim se poderia retratar uma senhora a quem vamos chamar Maria, natural de Baucau, para onde se esgueira sempre que pode e quando necessita de encontrar a paz perdida no bairro onde mora… Frequentou o liceu. Fala português, tétum, bahasa indonésio, inglês e macassae, com sotaque cantado, como convém a quem é de Lorosae!
Está em Díli há muitos anos, aqui casou, constituiu família – tem sete filhos e alguns netos - e vive lá para os lados do antigo mercado municipal.
Há tempos, Maria viu-se marginalizada no trabalho, tendo sido substituída por outra pessoa menos preparada. Nunca perdeu a compostura e aguentou firme. Negou-se a trabalhar com o substituto que iria ser o seu superior hierárquico.
Alguém lhe perguntou se receava perder o emprego e ela retorquiu que não tinha medo “ nem sequer de passar fome, porque um copo de água também enche a barriga!”.
A frontalidade valeu-lhe o respeito geral e ninguém teve coragem de a despedir.
Mas agora, lidando todos os dias com os apedrejamentos, as ameaças, as provocações, Maria aparenta um ar cansado, adivinhando-se mesmo algum receio. Também está desiludida com o rumo que o país tomou.
Tendo de fazer frente às múltiplas provocações que diariamente enfrenta, Maria arranjou já alguns subterfúgios para sair incólume de possíveis altercações de rua. É ela que explica:
- Sempre que vou ao mercado ou a qualquer lugar onde há um grande ajuntamento de pessoas, procuro manter-me o máximo de tempo possível em silêncio. Oiço atentamente as pessoas, presto toda a atenção ao que me rodeia e, só depois, começo a falar. Falo com sotaque adaptado ao momento. Se estou no meio de gente de Loromonu, não posso falar a cantar… vêem logo que sou de Lorosae! “

Duas faces do medo!
Medo de ser Timorense de corpo inteiro.
Medo do regionalismo.
Medo do tribalismo.
Medo de se afirmar como Cidadãos de um "Estado de Direito" que falha os seus filhos mais vulneráveis quotidianamente.
O actual Primeiro Ministro prometeu Mundos e Fundos...
Mas o MEDO continua, não só na Rua... mas até no interior dos Hospitais!
...enfim o fardo da dor sempre às costas da pobre gente.

Esqueceu-se do Ramos Horta?!

Caro Maubere, muitos mais argumentos e provas poderiam ser acrescentados ao contéudo da sua postagem.
Acredito que você aponta na direcção correcta do que tem acontecido em Timor.
Limito-me a pedir-lhe que avance o que souber acerca do que foi feito pelo Ramos Horta: no fundo ele é o 'Maestro' que controla a orquestra que apresenta o 'Tenor' Xanana como face mais conhecida.

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