quarta-feira, maio 30, 2007 

Campanha Eleitoral

São treze partidos na corrida; durante um mês, vão percorrer o país procurando captar as simpatias e, consequentemente, o voto das populações do interior do país.

O início da campanha foi bastante mais discreto do que o das presidenciais, sem grandes comícios nem grandes concentrações de manifestantes e camionetas, prontos para o ataque a quem quer que se lhes aparente ser diferente como aconteceu nas presidenciais (a propósito, à conta disso, ainda tenho os vidros do meu carro partidos…).
A única excepção foi Xanana Gusmão que, em Lospalos, atraiu um mar de gente ao campo da democracia. Xanana apresentou-se igual a si próprio e, com isso, arrancou aplausos da multidão entusiasmada com as suas palavras.
Todos concordam que as eleições de 30 de Junho são mais importantes para o futuro do país que as presidenciais.
Talvez por isso mesmo, e também porque os treze partidos concorrem para ganhar, embora o tempo existente para a campanha pareça suficiente para a difusão das ideias e do programa de cada um deles, os candidatos vão ter de percorrer os lugarejos mais remotos e suar as estopinhas se quiserem alcançar os seus objectivos.
Em vez de treze, podem ser catorze na corrida, se, como espera Manuel Tilman, o Tribunal de Recurso se decidir pela aprovação da lista da Aliança Democrática chumbada pela CNE por incumprimento da lei.
O incumprimento da lei tem a ver com o facto – segundo Manuel Tilman – de surgirem 12 candidatas mulheres (das 32 que a Aliança Democrática propõe na sua lista) nos lugares cimeiros!
É claro que a AD timorense – constituída pelos monárquicos KOTA de Manuel Tilman e PPT de Jacob Xavier - não cumpriu! Pois se não colocou três homens antes de cada uma delas!
É ainda Manuel Tilman que se insurge contra a errada interpretação que a CNE fez da lei, ainda por cima num artigo que – uma vez mais de acordo com Tilman – foi proposto por ele!
- “São uns estúpidos, não percebem nada!”, atirou ele.
- “Quem?”, pergunto eu, “nós, os timorenses, o povo?”.
- “Não, não é o povo, não são os timorenses! São aqueles estúpidos (fiquei sem saber se os estúpidos eram timorenses ou estrangeiros) que a CNE lá tem para interpretar a lei!”
Uuf!!! Respirei aliviada! Desta vez, safei-me!

domingo, maio 27, 2007 

Triste efeméride!


Há um ano, no auge da crise, durante umas quantas semanas, mal punha o pé na varanda, com medo de apanhar um tiro de uma qualquer bala perdida que ouvia silvar bem perto de minha casa … Havia homens armados na colina que daqui se divisa e, do outro lado, ali para os lados de Rai Kotuk, havia outros tantos...
As ruas estavam completamente desertas, entregues a grupos de vândalos que se compraziam em queimar, destruir, assustar.
Os moradores das casas vizinhas haviam partido. Quem pôde, regressou à sua montanha ansioso de encontrar refúgio seguro.
Ficaram dois. Levei algum tempo a convencer D. a não se fazer à estrada. Parecia uma conversa de surdos. Cada qual a procurar baldadamente convencer o outro.
- Tenho de ir por causa dos meus filhos…
- E se o matam, que digo aos seus filhos e à sua mulher? E tu, G. , que digo aos teus pais? -retorquia eu.
Reticente, dizia D. “senhora, eu sou de Loromonu! Tenho medo!”.
E eu “D., e então eu que sou Lorosae, filha de mãe firaku e nasci em Loromonu, que acha que vai acontecer-me? Irão cortar-me ao meio? Não fugi!!!”
D. deve ter-se sentido condoído de mim pela minha natureza mestiça, makerek… mestiça malai-oan, makerek firaku-oan… e não mais falou em partir.
O perigo era real e nós sabíamo-lo mas, para além de não querermos deixar a casa não podíamos abandonar aqueles dois homens leais.
Por essa altura, qualquer coluna de fumo negro, um silvo agudo, um estampido, o silêncio prolongado, tudo provocava calafrios e obrigava a telefonemas ou SMS para familiares e amigos.
Numa das manhãs em que o perigo se abeirou ainda mais da nossa porta, quando uns tiros se fizeram ouvir bem mais próximo de nós e gente armada corria em tropel rua acima, bem rente aos muros, resolvi pedir ajuda à PNTL; telefonei ao Carlos, elemento da Polícia de Intervenção.
Carlos não pôde ajudar-me. E mal teve tempo para me dizer num tom de voz grave: tia, nós também estamos debaixo de fogo!
Umas horas depois, soube que onze agentes da polícia haviam sido assassinados no meio da rua.
Carlos salvou-se. Foi evacuado para Darwin, com ambas as pernas partidas. Receou-se que nunca mais andasse. Ainda lá se encontra em convalescença e agora já lá tem a Dora que, depois do nascimento da 2ª filha, foi ter com ele.
Ainda que quisesse, não conseguiria esquecer o olhar vítreo, os corpos daqueles onze homens e mulheres indefesos, assassinados a sangue frio, jazendo na via pública no meio de muito sangue espalhado sobre o alcatrão…
Meu Deus, como foi possível?
Hoje como há um ano, a pergunta continua sem resposta.

sábado, maio 26, 2007 

Inaloh! Oh! Inaloh!

A casa é de pedra, branca, terrosa, muito vulgar lá para os lados de Venilale, a terra do vento frio.
Lá dentro, entre quatro paredes nuas, jaz a última-mais velha avó do sítio de Waitalibu, pranteada em alta voz por gente vária ladainhando a imensa dor sentida pelo voo mal consentido da alma da inan sábia… Oh, Inaloh!, Inaloh, Inaloh!!!

Inan sábia de tanta história para contar desapareceu … e em seu lugar um nunca mais saber, melhor compreender…
Naquele canto, um grupo de homens joga. Ao lado, uns garotos fixam-se tempo infinito num jornal antigo. É preciso matar o tempo…
No chão jazem flores. São cravos-da-índia, buganvílias, ibiscos, rapsódia de cor em cruz, em coroa, em ramo, em pétalas…
Mais longe, um grupo de mulheres prepara a refeição a ser servida uma após outra a quem se lhes junta na dor magoada, trazendo na mão o pacote de velas para iluminar o caminho da alma planando o espaço antes da entrega final, duas notas de ajuda para a despesa e outro tanto copioso, gritado choro!
É só o primeiro de trinta dias de choros, de recordações, de cantos à desgarrada, rememorando, rebuscando nos limites do pensamento, as virtudes e os defeitos da última-mais velha avó. Dela, tudo se recorda com saudade. Em tudo se coloca sabedoria e tudo tem uma razão de ser…
E a razão diz que os parentes têm de mostrar mágoa, de se entregar à dor, que a dor tem de ser indiscreta, explosiva. Os parentes em reencontro reflectem, recordam, convivem em colectiva cerimónia mascando areca, bétel e cal... os parentes voltaram… em nome e em memória da última-mais avó do sítio de Waitalibu… O chão de vermelho manchado pelo cuspo obrigatoriamente nele projectado nos dirá se o devir será tranquilo como a brisa que em sussurro nos sopra serem aquelas as nossas verdadeiras raízes… Não há do que fugir, nem como fugir... nem para quê fugir…
Os mais jovens cavam pacientemente a sepultura. Uma pá de terra, outra, e mais outra… canta-se solta-se a dor num coro de vozes perdidas, doloridas, sentidas. Um dia, será comigo…
Um dia será depois… Agora, regressam a casa, sempre cantando, espantando os males, espalhando aos quatro ventos, por montes e vales, por cada arrozal em socalco nascido, que ela partiu, morreu … não vai voltar.

A padiola feita de bambu está coberta de tais, muitos dos quais trazidos por outra tanta vária gente do sítio de Waitalibu. Sobre os tais, o ataúde onde dorme o sono eterno aninhada no lençol de branco desfiado a última-mais velha avó é colocado com delicada suavidade… até o canto se transforma, mais parece um leve adejar de penas…
Não há padre. Não há bênção nem água benta. Mas há canto. De homens. E reza. De mulheres.
Padre Nosso, Ave Maria, Glória, descanse em paz entre os esplendores da luz perpétua… ouve-se, a par das vozes que nunca se calaram nem deixaram o corpo da última-mais velha avó entregue ao silêncio umas vezes, aos gritos de ladainhado choro outras mais! Vozes que se erguem, que gritam aos céus. Um passo à frente, dois para trás... e para o lado...Inaloh, tem de ir! Não, não queremos que vá!
Já viveu já sofreu, agora se foi.
Não volta, já sabemos… recebam-na bem!
Inaloh! Oh, Inaloh, Inaloh!
Ave-Maria, Pai Nosso… luz perpétua... esplendor!
Inaloh! Oh!
Ámen!


quinta-feira, maio 24, 2007 

Sui generis interpretação da igualdade!

A lei eleitoral para o Parlamento Nacional é bem clara no que respeita ao “género”. Diz o nº 3 do artigo 12º, sobre a organização das listas de candidatos que “as listas de efectivos e suplentes devem incluir, pelo menos, uma mulher por cada conjunto de quatro candidatos, sob pena de rejeição”, o que quer dizer que, em cada conjunto de três candidatos homens, tem de haver uma mulher.
A lei não permite a concentração de mulheres. Pouco importa que os primeiros dez lugares da lista sejam ocupados por mulheres e todas elas tenham hipótese de ser eleitas se os outros cinco que vierem a seguir forem ocupados por homens.
Se, por hipótese, o quadro dirigente de um determinado partido tiver no topo três mulheres - todas elas tão inteligentes, tão brilhantes e competentes que, por decisão partidária, devem surgir no topo da lista de candidatos -, no primeiro lugar ficará a presidente enquanto que as outras duas ficarão nos 5º e 9º lugares, pouco importando que fiquem atrás de candidatos homens menos competentes!
Também é importante que ela - uma qualquer mulher, mesmo não sendo inteligente, não tendo capacidade e sendo uma incompetente - só por ser mulher, tenha acesso garantido!
É que, sendo tudo pela igualdade, pelo acesso à política, pelos direitos das mulheres, há que seguir o que estipula a lei…
É justo que assim seja?
No caso da obrigatoriedade da inclusão de uma mulher em cada conjunto de quatro, parece que os legisladores estavam um bocado distraídos. Só assim se compreende que ninguém tenha dado pela discriminação legalmente permitida.
É necessário e urgente incentivar o acesso e a participação das mulheres na política. É verdade. Mas a obrigatoriedade da inclusão da mulher numa determinada percentagem não é suficiente para que haja mudança ou revolução nas mentalidades timorenses.
A conservadora e ainda tão fechada sociedade timorense deve ser sensibilizada para a real igualdade homem-mulher; urgente é que a par do incentivo e da sensibilização das mulheres haja paralelamente um esforço na educação dos homens.
Importante é transmitir com urgência a verdade de que a mulher tem de ser respeitada, tanto quanto deve ser respeitado o seu direito de pensar e de decidir por si, sem a sujeição à sombra tutelar do homem.
É urgente que os homens se habituem a respeitar a mulher em casa, mas também é preciso que a mulher se faça respeitar!
De que serve estar no parlamento, ser ministra ou presidente e continuar a andar uns passitos atrás do marido de quem apanha e aceita naturalmente a pancada e a não ter o direito de dizer bem alto o que lhe agrada ou desagrada, o que quer ou não quer?
E ainda no que toca à violência doméstica: de que serve, haver já alguns mecanismos para a defesa das mulheres e respectivo castigo do transgressor e não haver, em paralelo, mecanismos que assegurem a independência económica da mulher que se vê a braços com dificuldades terríveis porque o homem-marido – depois de cumprido o correctivo - se nega a voltar para casa ou a sustentá-la, zangado com o seu atrevimento por ter apresentado queixa dele, envergonhando-o perante os outros?
De que serve falar-se de direitos e de igualdade se o normal, numa qualquer reunião, é que as mulheres fiquem naturalmente de lado, entre mulheres, a falar de “coisas de mulheres” – quase sempre tidas como coisas menores – atrevendo-se pouco a misturar-se com os homens, com eles mantendo normal conversação, não vá alguém lembrar-se de lhes recordar que estão a sair da linha?
De que serve que a mulher surja na lista se, depois, tiver de acatar o desejo-ordem do marido que não a quer fora de casa “porque ela até sabe que o lugar dela é em casa a cuidar dos filhos, da horta, do arroz e da roupa?”
Finalmente, de que serve falar-se disto tudo se ainda há muitas mulheres que continuam a achar normal que as filhas-meninas estudem apenas o básico e fiquem em casa a tomar conta dos irmãos mais novos e dos homens da casa, até que chegue a altura do barlaque?
Sabendo-se que “de pequenino se torce o pepino”, porque não começar
a educar e a ensinar os pequeninos, mulheres e homens de amanhã que somos efectivamente iguais? Não valerá a pena?

terça-feira, maio 22, 2007 

O seu a seu dono!


Há gestos que, de tão normais, deviam passar despercebidos e, num país normal, certamente passariam.
Mas, aqui, no país do Sol Nascente, há nuances; as coisas são ligeiramente diferentes. Claro que ainda não chegámos ao ponto de dizer como ouvi a uma amigo que vivia noutras paragens que “se vires um porco a voar, não penses que é miragem. É uma realidade!”.
Aqui, os porcos ainda não voam, não… mas qualquer dia, sabe-se lá se não voarão!
Aqui, qualquer acto incomum, extraordinário e anormal será considerado comum, ordinário e normal desde que o seu autor esteja devidamente credenciado para se sentir livre ou acima do cumprimento das leis a que devem obedecer os mais comuns dos mortais, vulgo povo. Pelo contrário, um gesto vulgar praticado por alguém que seja honesto e tenha um mínimo de educação, passa a feito extraordinário e até constitui notícia!
Contava-me certa velhinha de olhar vivo e penetrante que, no dia das festividades de 20 de Maio, a RTTL mostrou o ex-Presidente da República Xanana Gusmão entre o povo que assistiu às cerimónias no que já foi o Largo Infante D. Henrique e hoje é a Praça das Nações, dele retendo as desculpas apresentadas ao povo por uma qualquer hipotética falha cometida nos cinco anos do seu mandato.
A notícia do pedido de desculpas soou a coisa normal. Verdadeiramente anormal, tanto que provocou a surpresa da jornalista de serviço – continuou alvoroçada a atenta velhinha de olho brilhante - foi o facto de Xanana não se ter deslocado no carro oficial que até então lhe estivera distribuído enquanto ocupou o cargo de Presidente da República, destacando que o mesmo estava já a uso do Presidente eleito de posse já tomada horas antes, José Ramos Horta!
Mas, pergunto eu que faço parte do comum dos mortais, vulgo povo, não deve, não tem de ser assim?
Em Díli, a RTTL é seguida com muita atenção por quem tem televisão e desde que não falte energia eléctrica ou haja “pulsa” no contador! Ainda bem que assim é porque, talvez desta forma, as pessoas comecem agora a diferençar entre o que é meu, nosso, do vizinho ou do Estado. Ou que o Estado não é bem a mesma coisa que Governo. E do Governo, quem nunca fez ou deixou de fazer parte, não tem de continuar a utilizar o que é um bem do Estado, não particular. E vice-versa.
No meio da confusão em que já ninguém se entende sobre os limites do meu, teu, nosso, vosso ou deles, presumo que, a exemplo da atenta velhinha de olho brilhante e vivo, haja muito boa gente admirada por ainda haver quem leve muito a sério o respeito pelo bem alheio, neste caso do Estado!
Pode bem ser que uma história feita de nada faça realmente história!

sábado, maio 19, 2007 

Tempos de mudança! Alguém acredita?


Texto actualizado:

A meio da tarde, cai uma forte bátega de água que liberta da terra o cheiro característico de terra seca, ávida de água! terra liberta cheiro próprio, diferente, de que o ar se impregna acorda-nos para a realidade da mudança: é tempo de despedida da época das chuvas.

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De manhã, tomou posse outro Governo constitucional. A maioria não aceitou ser um Governo de gestão. O mal tolerado e moderado Ministro dos Negócios Estrangeiros deixou de o ser, diz o jornal. É tempo, ainda que por dois meses, de fazer saber que o tempo não se quer de moderação… mensagem interiorizada…

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Ainda de manhã, Xanana Gusmão, o Presidente cessante, condecorou Mari Alkatiri, Matan Ruak e Nicolau Lobato. Não foi explicado o porquê da limitação numérica das personalidades a condecorar nem porque não se fez sequer uma menção a outros, pelo empenho, pela entrega e dedicação à causa timorense.
Nasceu uma dúvida: será que todos os outros - que não fazem parte dos onze mil condecorados nos últimos quatro dias - andaram pura e simplesmente, durante vinte e cinco a anos a falar de Timor a surdos, cegos e mudos? Ou seriam invisíveis? Ou andavam a pregar aos peixinhos? Ou, pelo contrário, também serão também heróis da Resistência pelo trabalho desenvolvido nas matas ou nos corredores do Poder da Pátria ocupada ou no estrangeiro quando procuravam fazer-se ouvir e chamar a atenção mundial, quando ninguém acreditava nem na guerrilha, nem na independência de Timor, mas – sendo heróis de inferior classe - o tempo do reconhecimento dos serviços prestados não poderá ser o mesmo destas três personalidades, as de primeira classe no ranking dos campeões da luta pela independência? Ou será que a independência se fica a dever só a estes três personalidades?
Ou será que também, aqui, temos tempo de mudança e que o tempo, afinal, volta para trás? Será que, à unidade nacional de que tanto se fala ter persistido durante a luta pela independência, sobrevém agora, o tempo do recuo ao tempo em que país, povo e formação política se confundiam num só elemento, apagando do mapa tudo quanto estivesse de fora desse conceito julgado ultrapassado mas que, por artes mágicas, surge em todo o seu esplendor num louco e ávido atropelo de tudo e todos?
Heróis de hoje, bandidos de ontem, heróis de ontem, bandidos de hoje, muda um dia, muda outro, invertem-se os valores… Um dia insulta-se, outro banaliza-se, outro ainda guinda-se o bandido-herói-bandido a herói a quem se dá um apertado abraço!
Deixa-se no ar mais um motivo de desconfiança, de descontentamento, de incompreensão, de discordância, mais razões para o povo pensar que… pouco importa!
Afinal, o povo existe apenas para aplaudir os gestos de quem manda, quem pode, quem decide. E quem manda, quem pode, quem decide nunca se engana e não admite opinião em contrário… nem mesmo quando, aos que pensam diferente, lhes apetece gritar que os tempos estão a mudar!

Mas, estarão mesmo?

Nota importante: Por não corresponder à realidade, retirei do texto o ponto referido ao chefe da UNMIT, Atul Khare.

E porque, nestas coisas de rigor e respeito, se impõe que se reconheça o erro, obviamente, apresento as minhas desculpas pela informação incorrecta, dando a conhecer a verdade dos factos. Ou seja, Atul Khare vai à Europa, mas não desta data, estando ainda em Díli onde assiste à tomada de posse de Ramos Horta como Presidente da República de Timor-Leste.

quarta-feira, maio 16, 2007 

Até quando?

O jardim do Largo Infante D. Henrique, defronte do Palácio do Governo, está todo engalanado com as bandeiras multicoloridas de 192 países ondulando ao vento, emprestando àquele canto da cidade uma ar festivo que também se respira um bocado mais acima, no Estádio Nacional onde onze mil heróis da Resistência vão ser condecorados sucessivamente até sábado.
Num outro canto da cidade, onde os conflitos nunca terminaram e onde também não há espaço nem pretexto para festividades, a situação agravou-se. Esta manhã, grupos oriundos de determinado bairro incendiaram algumas casas e carros de Hudi Laran.
A televisão timorense mostrou uma senhora de cabelos brancos chorando convulsivamente encostada a uma árvore ao mesmo tempo que um homem relatava o ataque, deixando bem claro que os agressores se acercaram do seu bairro protegidos por forças internacionais.
Logo de seguida, e bem mais claramente, um jovem verbalizava o que, certamente, ia nos corações da população do bairro de Hudi Laran, paredes meias com o bairro Pité.
O jovem disse para quem o quis ouvir, em tom bem elevado, enfrentando a câmara, sem medo de ser reconhecido, que queria pedir ao Governo que retirasse as forças malaias do país.
Porquê?
“Porque as forças internacionais vêm para Timor para nos defender e não para tomarem parte no conflito, pondo-se do lado da facção atacante. Porque isto não se trata de um conflito de artes marciais, isto representa um ataque a um bairro e eles (os malaios das forças internacionais) não têm de ser parciais protegendo o grupo de artes marciais PSH”.
A cena de hoje reportou-me a uma história que me foi contada há uns dias, quando alguém me explicou que a segurança dos bairros obedece a determinados requisitos. Assim, se vive num bairro predominantemente PSH, não deve cometer a imprudência de querer que a segurança da sua casa seja feita por uma empresa de segurança afecta ao grupo adversário, o Sete-Sete, porque corre o risco de a ter atacada por pessoal do bairro “invadido”. O inverso também é verdadeiro…
Verdade ou mentira, exagero ou não, o facto é que as empresas de segurança, ou a maior parte dos seus elementos, não escapam da fama de estarem, também elas, enfeudadas a determinados grupos…
Resta saber se é mesmo verdade que as forças malaias protegem o grupo de artes marciais PSH. Se for verdade, haverá alguma outra força igualmente imprudente que proteja o grupo Sete-Sete? E havendo mais grupos de artes marciais, haverá mais quem esteja a apoiá-los?
Se for tudo mentira, porque surgem e a quem serve este tipo de informações sobre estas ligações espúrias?
E nós, que queremos viver em paz, num país normal, em que a Polícia exista e cumpra o seu dever, garantindo a segurança da população, vamos ter de continuar sujeitos a isto? Até quando?

domingo, maio 13, 2007 

Lixo, excedente, bem necessário...

Há uns anos, na década de 80-90, um dos dossiers temáticos da minha área de trabalho como documentalista, tinha a ver com a recolha de informação sobre os “excedentes” de países da então denominada CEE, Comunidade Económica Europeia, enviados para alguns dos países do Terceiro Mundo, designadamente para alguns dos PALOP. Se me não falha a memória, um das notícias que então li tinha a ver com o prazo de validade do excedente de um bem alimentar específico, a manteiga.
O que se pensava ser uma ajuda, não passava da necessidade de despachar depressa e para bem longe o que não servia para a Europa. Mais claramente, o lixo de uns pode ser, transforma-se , é um bem necessário para outrem…
Quando se anda pelas ruas de Díli e das sedes dos distritos, nos mercados, em boutiques improvisadas que não têm nada a ver com a “boutique de alcofa” das feiras de Carcavelos ou de Cascais, vê-se dependurado todo o tipo de roupa para homem, mulher, criança.
Questionei-me muitas vezes sobre a origem daquela roupa, lembrando-me que, logo a seguir a 1999, quando Timor-Leste estava na moda e comovia até os corações mais empedernidos, a ajuda do exterior era muito grande; entre os bens doados, havia muita coisa boa, necessária e útil como também havia outras tantas coisas inúteis para além de muito lixo.
Lembro-me ainda que – a propósito de um comentário sobre a roupa de Inverno exposta em cabides ao lado de outra mais ligeira para venda nos mercados das ruas de Díli e de outros distritos - alguém alvitrou tratar-se de donativos enviados por simpatizantes da causa e condoídos com o sofrimento timorense.
Hoje, as coisas modificaram-se um bocado. Não só porque há mais mercados, mais postos de venda e já pouco chega como ajuda humanitária, como há menos simpatizantes generosos e também porque, ficando tempos infindos na Alfândega seguindo a lista das preferências estipulada pela simpatia ou antipatia institucional pela entidade destinatária da ajuda, os bens incluídos no pacote humanitário deterioram-se e quem ainda ajuda deixa de ter vontade de o fazer e de acreditar que em Timor-Leste há necessitados…
Hoje, nas ruas-mercados–armazéns, numa versão miserável dos supermercados “macro” de um qualquer país desenvolvido, vendem-se uns grandes sacos de roupa revendidos depois nas tais boutiques de rua.
Os produtos “obral” (que em indonésio quer dizer saldos) contidos naqueles sacos enormes são vestuário para pessoas de todas as idades de ambos os sexos, cortinados, lençóis, sapatos, toalhas.
Umas coisas são novas e de boa qualidade e talvez façam parte do material excedente ou sem certificado de qualidade de alguma fábrica, outras esburacadas e bolorentas não passam de verdadeiro lixo.
Com um vencimento bem magro que não chega aos $100 USD mensais – quando o há, obviamente – ninguém pode dar-se ao luxo de comprar roupa senão muito de vez em quando e só quando sobram ou se poupam um ou dois dólares e se compra uma peça de roupa nessas boutiques de rua para ser usada até ficar coçada, descorada do sol, e do uso repetido dia sim, dia sim, até ficar impregnado de odor corporal próprio de quem se banha em água da torneira quando a há e sem sabonete que o dinheiro também não dá para esses luxos.
Mas ainda - felizmente! -há pessoas generosas que querem ajudar o próximo. Ainda há quem faça o bem sem olhar a quem.
Há um grupo de pessoas que, de há algum tempo a esta parte, se junta para comprar uns quantos sacos de roupa que depois distribui em Díli e no interior.
Ontem, tive oportunidade de assistir a uma dessas distribuições.
A varanda encheu-se de homens e mulheres, escolhendo, remexendo, rindo nervosamente, olhos bem abertos, brilhantes!
E tudo foi aproveitado! Para os irmãos e sobrinhos mais pequenos, filhinhos recém-nascidos, meninas em idade de primeira comunhão, jovens adolescentes, saias azuis e blusas brancas que vêm a calhar - apesar de já estarmos a mais de meio ano escolar – para a farda de uma jovem estudante, calças, calções, camisas para os homens da casa, roupa interior, tudo tinha destinatário. Até o lixo!
Um, dizia, “agora, durante um ano ou dois, não vamos precisar de comprar mais nada!”, acrescentando outra “amanhã, levo esta blusa à missa!”. De um jovem da montanha trabalhador na cidade, fiquei a saber que tinha dez irmãos mais novos…
Queria alguém um vestidinho para a sua menina de ano e meio. Inutilmente, porque um jovem pai mais lesto guardara dois para a sua princesinha e deles não abria mão.
O rapaz calça o nº 38 e os sapatos sobram-lhe nos pés? Que importa, faz sempre jeito… guarde-se o par de sapatos!
Quando terminou a partilha, já a noite caía; o escuro tomou conta do povoado a par da angústia que assaltou todos quantos assistiram à alegria de gente timorense tão miserável, tão pobre, tão sem nada, que com muito pouco se contenta!
E, não obstante, nada ou quase nada lhes foi dado nestes cinco anos de independência, em que a generosidade andou tão arredia de quem tem na mão os destinos deste país porque o assoberbado governante com outras questões no seu entender mais importantes que as que se prendem com o bem estar das pessoas governadas, se esqueceu do seu país habitado por pessoas e que o Poder só vale a pena quando as pessoas são tratadas como seres humanos…

quarta-feira, maio 09, 2007 

Virar de página


Virar de página no país do Sol Nascente. Hoje é dia de eleições presidenciais e os Timorenses estão já a escolher o sucessor de Xanana Gusmão.
Durante os longos da ocupação de Timor-Leste a nostalgia da Pátria em perspectiva era amenizada pelas notícias que corriam Mundo sobre a coragem e a determinação de um punhado de homens que liderados por Xanana Gusmão, lutavam abnegadamente pela independência de Timor Lorosae, o país do Sol Nascente.
De Xanana ficará a imagem de herói romântico, solidificada em anos de luta, mau grado o desgaste causado pelas vicissitudes de uma independência mal usufruida, imperfeitamente aplicada, desnecessariamente banalizada, partidarizada.
Estou certa de que, como eu, todos os Timorenses que hoje escolhem o novo Presidente da República de Timor-Leste, esperam que o sucessor de Xanana Gusmão não defraude as suas esperanças.
Que contribua para que Timor-Leste possa ser o nosso porto de abrigo. Que não marginalize ninguém, de Lorosae a Loromonu, passando por Rai Klaran, de Jaco a Ataúro e a Oécussi.
Esperamos paz, tolerância, diálogo, respeito, democracia plena.
Não vai ser fácil suceder a Xanana Gusmão!
No País do Sol Nascente, os amanheceres são assim, como o ilustram as duas fotos. À escuridão, sucede-se a luz, a claridade...Os Timorenses esperam e anseiam que se dê a materialização dos amanheceres em Timor-Leste. Depois do escuro, a luz a iluminar o país de lés a lés.
Esperamos que em Timor-Leste, o país do sol Nascente, o Sol nasça, finalmente, para todos!

sábado, maio 05, 2007 

De novo, o Hospital Nacional

A campanha para a 2ª volta das presidenciais tem dominado as conversas, as páginas dos jornais, os noticiários das rádios e televisão. Contudo, sempre vão surgindo algumas notas sobre os incidentes que persistem nos bairros onde a violência ocorre tão normalmente como quem bebe um copo de água.
Há dias, os vidros do Hospital Nacional Guido Valadares ficaram todos partidos como resultado de uma desordem entre os refugiados que vivem nos jardins e varandas do hospital e os que circundam o edifício.
Já um dia referi o ar tranquilo do director do Hospital sempre que, uma vez por semana, aparece na televisão para fazer o balanço do movimento do hospital, onde, desde há quase um ano, dão entrada mais pacientes feridos pelas armas, catanadas, etc., etc., do que por doentes de outra natureza que, só se a sua situação clínica for de facto muito grave, se deixam internar…
Mesmo quando se refere às más condições de trabalho e às dificuldades que marcam o quotidiano daquela unidade hospitalar, o director mantém aquele ar tranquilo de quem há muito já interiorizou que não vale a pena gastar as energias com o que não está na sua mão resolver.
Também tranquilamente, os profissionais de saúde – médicos , enfermeiros, administrativos – embora muito cansados e certamente sentindo-se completamente incapazes de continuar a trabalhar naquelas condições, ameaçaram fazer greve se os refugiados não forem transferidos para outro local.
Vi e ouvi na RTTL um bem disposto vice-ministro da Saúde declarando que vai colocar as FDTL a fazer segurança ao hospital Guido Valadares. Com o mesmo sorriso, esclareceu o jornalista que o entrevistava que o hospital não tem falta de medicamentos. O que acontece, disse o governante, é que há um problema de gestão. E acrescentou que os profissionais que lá trabalham vão gastando o que há e se esquecem de avisar que o stock está no fim…
Fiquei elucidada.
Os refugiados vão continuar no hospital, vivendo sem nenhumas condições de habitabilidade, cozinhando na rua/relva (que é como quem diz, em tudo quanto seja um espaço vago) e enchendo de fumo da lenha utilizada todo o espaço hospitalar; dormindo em tendas e varandas, oferecendo-se alegremente aos mosquitos; as crianças brincando ao esconde-esconde, colhendo flores e remexendo divertidas nos caixotes pejados do lixo dos refugiados, das enfermarias e dos quartos do hospital, com certeza, sendo contagiadas sabe–se lá por que tipo de doenças; utilizando as casas-de-banho dos quartos e talvez das enfermarias ou passeando-se pelos corredores que separam os vários pavilhões do hospital onde se cruzam com doentes transportados em macas e com quem lá trabalha.
Os profissionais de saúde sabem agora que tudo vai ficar igual-ao-que-era-dantes da ameaça de greve mas, aleluia!, vão ser guardados pelas FDTL!!!
Se houver problemas, será que a culpa vai ser das Forças Armadas, dos refugiados de dentro, dos de fora ou dos profissionais de saúde?
Não sei se persistirá a ameaça de greve, até porque, havendo tanta falta de trabalho e sendo os direitos dos trabalhadores –ainda que existentes no papel – completamente ignorados, quem pode arriscar a perder o emprego? Têm razão? Claro que sim! Mas não podem ficar sem trabalho e têm de se dar por satisfeitos com a decisão do Sr. Vice-Ministro. Sobretudo agora que o Vice-Ministro –sem culpa nenhuma do que acontece porque ele é governante e por isso não comete falhas - afirmou que a culpa da falta de medicamentos cabe à gestão e essa é feita pelos profissionais que trabalham no Hospital…

terça-feira, maio 01, 2007 

Naqueles tempos...

Temos mais um partido que vai apresentar-se às eleições legislativas de 30 de Junho. Para Presidente do CNRT, os delegados elegeram Xanana Gusmão. Esta tarde, vi na RTTL a retransmissão da cerimónia do encerramento e ouvi parte do discurso então proferido por Xanana enquanto Presidente da República.
Xanana recordou o período anterior ao Vinte e Cinco de Abril de 1974, quando, em Timor, todos se cumprimentavam e eram amigos e a mudança operada logo a seguir à Revolução depois da formação dos partidos políticos timorenses, quando se instalou a desconfiança e o ódio e todos se passaram a ver não como adversários políticos mas como inimigos.
Não acho que seja negativo recordar que os timorenses já se deram bem, já foram amigos e se cumprimentavam na rua. Nem me parece que se trate de saudosismo. Antes me parece ser uma tentativa salutar de educar civicamente a população.
Até porque os jovens de hoje – os que nasceram durante a ocupação indonésia - desconhecem quase tudo da nossa História antes da ocupação. A única realidade que conhecem tem a ver com timorenses desavindos, sempre em dois lados distintos da barricada, assim se formando a ideia errada de que é essencial a existência de maus e bons, heróis e vilões, anjos e demónios e a necessidade de termos – sempre! - de escolher um dos lados para podermos sobreviver…
Entretanto, logo nos primeiros tempos da nossa curta independência se firmou a ideia de que “quem não é por mim, está contra mim”; a preferência por uns e a marginalização de outros abriu de imediato caminho para nova faceta da luta pela consolidação do poder de uns e pela sobrevivência de outros, provocando, nestes, alguns suspiros saudosos dos tempos da ocupação.
Há que lamentar, naturalmente, que haja quem recorde com nostalgia o tempo anterior a 20 de Maio de 2002 - o da ocupação indonésia, com prisões arbitrárias, desaparecimentos, violência, perseguições, milhares de mortos - esquecendo e preferindo o sofrimento então infligido a estes tempos de independência infelizmente ligada à exclusão, porque “tínhamos tudo, só não tínhamos liberdade” …
É pena que o desaparecimento do ambiente tranquilo e das boas relações entre os timorenses esteja circunstancialmente ligado ao aparecimento dos partidos políticos, para o qual, é verdade, não estávamos preparados; é pena que se tenha interpretado erradamente a mensagem de Vinte e Cinco de Abril de 1974, usando da pior forma possível a liberdade e os partidos políticos.
É pena que os jovens timorenses, ontem como hoje, pensem que é forçoso que cultivemos dois campos diferentes para nos podermos digladiar, sendo heróis ou bandidos mas, necessariamente, tendo de esmagar o outro e surgir como vencedor!
Muito já se disse, já se falou e se escreveu sobre a nossa imaturidade política em 1974 como uma das razões para o conflito interno de que resultou a invasão indonésia.
Mas, 33 anos volvidos sobre a formação dos partidos políticos, estaremos agora mais maduros? Se assim é, como se explica que tenhamos caído no mesmo erro de 1974/75, dando mais importância àquilo que nos desune do que aquilo que nos une? Como é possível que em 2007 se labore no mesmo erro de há 33 anos, pensando-se que Timor só pode ser de uns e por ser destes, os outros não contam não tendo de lhes ser reconhecido o direito à terra onde nasceram?
Como é possível que, agora, que estamos mais informados, mais politizados, mais abertos ao Mundo, que somos independentes e temos o destino deste país nas nossas mãos, não paremos um pedaço para reflectir, dialogar, dar as mãos e construir um Timor-Leste diferente, onde todos possamos viver em paz, sem medos, sem desconfianças, assumindo naturalmente as convicções políticas, partidárias de cada um, como timorenses que todos somos, com as mesmas obrigações e os mesmos direitos?
Não é muito difícil e para tanto basta que todos saibam que a vivência democrática normal implica tolerância, respeito, bom relacionamento, educação...