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sábado, maio 26, 2007 

Inaloh! Oh! Inaloh!

A casa é de pedra, branca, terrosa, muito vulgar lá para os lados de Venilale, a terra do vento frio.
Lá dentro, entre quatro paredes nuas, jaz a última-mais velha avó do sítio de Waitalibu, pranteada em alta voz por gente vária ladainhando a imensa dor sentida pelo voo mal consentido da alma da inan sábia… Oh, Inaloh!, Inaloh, Inaloh!!!

Inan sábia de tanta história para contar desapareceu … e em seu lugar um nunca mais saber, melhor compreender…
Naquele canto, um grupo de homens joga. Ao lado, uns garotos fixam-se tempo infinito num jornal antigo. É preciso matar o tempo…
No chão jazem flores. São cravos-da-índia, buganvílias, ibiscos, rapsódia de cor em cruz, em coroa, em ramo, em pétalas…
Mais longe, um grupo de mulheres prepara a refeição a ser servida uma após outra a quem se lhes junta na dor magoada, trazendo na mão o pacote de velas para iluminar o caminho da alma planando o espaço antes da entrega final, duas notas de ajuda para a despesa e outro tanto copioso, gritado choro!
É só o primeiro de trinta dias de choros, de recordações, de cantos à desgarrada, rememorando, rebuscando nos limites do pensamento, as virtudes e os defeitos da última-mais velha avó. Dela, tudo se recorda com saudade. Em tudo se coloca sabedoria e tudo tem uma razão de ser…
E a razão diz que os parentes têm de mostrar mágoa, de se entregar à dor, que a dor tem de ser indiscreta, explosiva. Os parentes em reencontro reflectem, recordam, convivem em colectiva cerimónia mascando areca, bétel e cal... os parentes voltaram… em nome e em memória da última-mais avó do sítio de Waitalibu… O chão de vermelho manchado pelo cuspo obrigatoriamente nele projectado nos dirá se o devir será tranquilo como a brisa que em sussurro nos sopra serem aquelas as nossas verdadeiras raízes… Não há do que fugir, nem como fugir... nem para quê fugir…
Os mais jovens cavam pacientemente a sepultura. Uma pá de terra, outra, e mais outra… canta-se solta-se a dor num coro de vozes perdidas, doloridas, sentidas. Um dia, será comigo…
Um dia será depois… Agora, regressam a casa, sempre cantando, espantando os males, espalhando aos quatro ventos, por montes e vales, por cada arrozal em socalco nascido, que ela partiu, morreu … não vai voltar.

A padiola feita de bambu está coberta de tais, muitos dos quais trazidos por outra tanta vária gente do sítio de Waitalibu. Sobre os tais, o ataúde onde dorme o sono eterno aninhada no lençol de branco desfiado a última-mais velha avó é colocado com delicada suavidade… até o canto se transforma, mais parece um leve adejar de penas…
Não há padre. Não há bênção nem água benta. Mas há canto. De homens. E reza. De mulheres.
Padre Nosso, Ave Maria, Glória, descanse em paz entre os esplendores da luz perpétua… ouve-se, a par das vozes que nunca se calaram nem deixaram o corpo da última-mais velha avó entregue ao silêncio umas vezes, aos gritos de ladainhado choro outras mais! Vozes que se erguem, que gritam aos céus. Um passo à frente, dois para trás... e para o lado...Inaloh, tem de ir! Não, não queremos que vá!
Já viveu já sofreu, agora se foi.
Não volta, já sabemos… recebam-na bem!
Inaloh! Oh, Inaloh, Inaloh!
Ave-Maria, Pai Nosso… luz perpétua... esplendor!
Inaloh! Oh!
Ámen!