quarta-feira, abril 25, 2007 

De quem é a culpa?

Passou um ano sobre o início das manifestações e dos tumultos que se lhe seguiram.
Por essa altura, apesar de muito descrentes, ninguém poderia prever que a instabilidade se mantivesse por tanto tempo.
No fundo, todos tínhamos esperança – ainda que muito ténue - de que as coisas se resolvessem a bem, acreditando ainda que todos os timorenses tinham voltado definitivamente as costas à violência, tão grande fora o seu sofrimento durante os anos da ocupação indonésia.
Em vez de termos virado costas à violência, preferimos criar novos motivos para nos digladiarmos.
Sobra tempo para a invenção diária de novas armas, de novas formas de luta. Insultamo-nos, ameaçamo-nos, ferimo-nos, matamo-nos.
Vale tudo e tudo serve como arma de arremesso. As palavras e as pedras não são apenas utilizadas por jovens sem eira nem beira, por vândalos, bandidos ou bêbados. Somos todos francos atiradores e todas as oportunidades servem para praticarmos a pontaria!
Perdemos as referências e já nem os heróis da Resistência se salvam!
Todos somos bandidos. Todos somos inimigos. É assim que somos vistos pela outra parte, a que pensa diferente de nós. Por outros timorenses, como nós.
E como o perigo mora em todo o lado e espreita de qualquer esquina, aceitamos a presença das forças estrangeiras de arma em punho, patrulhando, guardando as ruas, garantindo a nossa segurança, guardando-nos do inimigo, outro timorense, que está em toda a parte...
O país está parado. As instituições do Estado quase fecharam. A maior parte dos ministros anda fora. Há outras prioridades. Como a campanha eleitoral. Como o Poder. O povo é que não é prioridade.Mas serve para dar votos. Fazem-se promessas. Distribuem-se uns rebuçados que o povo é pobre e é sensível a rebuçados!
E o povo espera, espera, espera que um dia sejam cumpridas todas as promessas que têm sido feitas desde que em 1974-75 se soube da existência de uma porta mágica para o armazém cheio de ouro do Tata Mai Lau até quando lhe foi prometida uma ponte Díli-Ataúro em 2001 ou, já na época do petróleo, em 2007, do petróleo canalizado, correndo nas nossas casas como corre a água nas torneiras...
Uns dão o arroz que faltou ainda não há muito tempo, outros dão cobertores, outros devolvem o dinheiro aos estudantes...
O país está parado, os campos de refugiados continuam cheios, o desemprego aumentou, os confrontos e os apedrejamentos mantêm-se.
A culpa é dos que não têm capacidade para resolver em dez meses a crise herdada de um governo que governou quatro anos; é dos capitalistas; é dos comunistas; é da oposição; é da FRETILIN; é dos malais; é dos mestiços, dos malai-oan; é dos Lorosae; é dos Loromunu; é dos quemak ou dos firacos; é dos bunak ou dos caladis; é dos partidos políticos; é das FDTL; é da PNTL; é dos que pensam diferente; é da Igreja; é dos tribunais; é dos refugiados; é dos vizinhos... A culpa é de todos os outros que não daquele timorense iluminado, único, que, de dedo em riste, aponta o Mundo à sua volta que teima em não seguir o que o único timorense iluminado ordena!

domingo, abril 22, 2007 

Os portugueses em Timor-Leste

Os portugueses em Timor-Leste, qualquer que seja a razão da sua presença no país, são indubitavelmente os estrangeiros sobre quem recaem todas as atenções. Faz sentido. Quase cinco séculos de vivência comum justificam a atenção com que os nacionais do país colonizador, hoje regressados a Timor independente, são olhados pelos antigos colonizados.
Assim, não admira que dos portugueses se diga que “já não são como os de antigamente”, sempre que a sua presença se salienta por qualquer acto que não caia no agrado dos timorenses. Ou que, ao invés, também se diga que “os portugueses são os únicos que ajudam incondicionalmente Timor-Leste”.
De entre os portugueses, há os que cumprimentam reverencialmente os titulares do Poder, baixando a cabeça, colocando os olhos na biqueira dos sapatos e acompanhando o gesto com uma exagerada dobra de cintura quase provocando o seu desequilíbrio! E, tão atentos e veneradores desse Poder, fogem dos elementos críticos ou marginalizados pelo Poder como o diabo foge da cruz, antes que percam o contrato de trabalho se alguém os vir, nem que seja a dois metros de distância, dos elementos discordantes do Poder vigente!
Há aqueles que vêm trabalhar, não olham para ninguém – nem sei se conhecerão os traços fisionómicos dos timorenses! - e tanto estão aqui como poderiam estar no Afeganistão; há os que dizem em público e de forma paternalista que “os timorenses são muito simpáticos” mas, no seu círculo de amigos comentam à gargalhada que “são uns selvagens, uns burros, não aprendem nada!”, sem sequer cuidar de que pode sempre haver quem os oiça… Afinal, cinco séculos de História comum também têm como resultado que a língua portuguesa, mesmo sendo falada por uma ínfima parte dos timorenses, continua a ser por muitos destes compreendida…
Com os comportamentos acima descritos, há-os em todas as áreas da cooperação em que se encontrem, qualquer que seja o seu estatuto.
Sendo luso-timorense, é lógico que não me sinto muito confortável quando é evidenciado o lado negativo da presença portuguesa em Timor, tal qual como também não gosto nada de ouvir criticar os timorenses. A crítica negativa, ainda que justa, sinto-a sempre como uma farpa na minha fortíssima costela portuguesa e timorense. Assim sendo e porque não estou aqui para sofrer, para falar do que de mau existe entre os portugueses, chega a nota introdutória.
Obviamente, existem – graças a Deus! – aqueles portugueses que estão em Timor por genuína vontade de contribuir para o desenvolvimento do país. Há os que simpatizam com os timorenses e, quem quer que eles sejam, independentemente da classe social ou política a que pertençam, os tratam como seres humanos iguais. E são alguns os portugueses dessa cepa, felizmente. Só que, por serem mais discretos, por não serem iluminados pelas luzes da ribalta que o Poder sempre proporciona, nem sempre deles se fala. Mas que os há, há!
Exemplo disso é o José Queirós, da CGD/BNU que, ao fim de quatro anos de comissão, partiu hoje de Díli.
E quem não conhece o senhor Queirós do BNU? Sempre afável, prestável, com vontade de ajudar fossem os clientes ricos, pobres, amigos de ministros, estrangeiros ou timorenses, o senhor Queirós era um excelente cartão de visita da CDG/BNU em Díli, cumprindo com rigor e saber as suas funções, aliando ao seu evidente profissionalismo um traço de profunda sensibilidade humana que não é muito vulgar ver-se hoje em dia.
Há muitas histórias em que o humanismo, a afabilidade, a sensibilidade do José Queirós são bem evidenciadas.
Há tempos, uma senhora amiga estranhou a ausência de um funcionário idoso a quem cabia a tarefa de encaminhar os clientes do banco aos serviços pretendidos. Soube que o senhor estava gravemente doente e foi visitá-lo a casa. Acamado, fragilizado, sem outro apoio que não a precária ajuda prestada pelos familiares próximos tão pobres quanto ele, o velho senhor contou à senhora que os medicamentos com que estava a ser tratado eram muito caros e ele só os tinha porque eram pagos pelo senhor Queirós. Mas, acrescentou “não sei como vai ser quando o senhor Queirós se for embora”.
No banco, creio que já todos devem ter experimentado as receitas de arroz doce e de outras delícias da doçaria portuguesa dadas pelo senhor Queirós, num claro exemplo de que é possível acamaradar com os funcionários subordinados e manter o respeito que a superioridade hierárquica sempre exige.
Ontem, o Fórum dos Empresários ofereceu-lhe um almoço de despedida, marcado pela emoção, por muitas lágrimas.
No discurso que então proferiu, e a propósito da presença massiva de muitos amigos portugueses e timorenses entre os quais se salientava a dos funcionários timorenses da CGD/BNU, dizia ontem o empresário Júlio Alfaro – também ele descendente de portugueses - que o José Queirós personificava os portugueses de antigamente com quem os timorenses mantinham relações plenas de afecto, de amizade, deles ficando a saudade, sempre que de Timor se iam embora.
José Queirós partiu hoje. No último dia da sua estada em Timor, ainda trabalhou até às cinco horas da manhã, cumprindo o que era um acto rotineiro destes quatro anos de trabalho. Hoje, no aeroporto, pleno de funcionários e amigos timorenses e portugueses, choraram todos, juntando as suas às fartas lágrimas de José Queirós.
É com satisfação que registo que ainda há muito quem se lembre de como eram os portugueses de antigamente e as suas normais e amistosas relações com os timorenses!
Com alguma tristeza também, registo a partida de um homem que só pode deixar os portugueses orgulhosos por ter sabido tão bem levar a cabo as suas funções, sem se deixar encadear pelas luzes de brilho efémero mas estonteante da proximidade do Poder; muito especialmente, porque tratou os timorenses como seus iguais, ensinando, transferindo o seu saber, sendo solidário, cultivando laços de profundo afecto. Esse afecto de que alguns portugueses que hoje demandam estas terras parecem ter esquecido ter sido a imagem de marca - desde sempre e mau grado o “colonialismo” português – da colonização portuguesa em Timor.

sábado, abril 21, 2007 

Acabou-se a tranquilidade!

Desde o princípio da semana que, aqui e além, têm surgido desacatos, ataques, confrontos de que resultam feridos com pistolas, com rama ambong, enfim, o ramalhete de cardos que, desde Abril do ano passado faz parte das nossas vidas.
Mas, aqui por Comoro, a situação parecia calma, sob controlo. De tal forma que me levou a acreditar que a tranquilidade tinha voltado para ficar.
Tanto mais que o bairro tem sido percorrido a pé por homens de camuflado, de arma em punho. Bem, percorrido durante o dia, que é quando os vejo. De noite, não saio à rua e eles, depois de suarem copiosamente de tanto andar, certamente, estão tão cansados que devem ficar a descansar, sentados, conversando, dormindo… a carne é fraca, claro…
Perto da meia-noite, ao pé da minha casa, os cães - ou amostras de cães - ladram furiosamente, tanto quanto entendem, no seu entendimento de cão pequeno, ser o suficiente para assustar os homens armados de longos samurais preparados para entrar numa vivenda. Não conseguiram assustar os meliantes que deviam estar bem preparados porque, na primeira oportunidade abriram o portão, apanhando de surpresa o assustado segurança, sacaram umas coisas e desapareceram no escuro.
Passaram à minha porta e, dentro dos portões, os meus cinco cães também ladraram furiosamente.
Em época de crise, há umas quantas rotinas que devem ser cumpridas ao pormenor: Apagam-se as luzes da varanda, não vá o diabo tecê-las, e espera-se que a polícia, chamada logo a seguir ao roubo, faça a sua aparição.
A noite está húmida. Compreende-se. É que o calor carregado de humidade deita abaixo até um timorense habituado aos rigores do clima, quanto mais um estrangeiro de climas mais temperados!
Andámos, eu e a Aurete, a minha irmã de criação, lá fora, para a frente e para trás, varanda da frente, varanda da trás, falando em surdina para não espantar os vândalos, vadios, gatunos, bandidos, ladrões, vagabundos (eles devem ser tudo isso e muito mais, desde que tenham oportunidade para pôr em prática cada uma das suas especialidades!). Concluímos ambas que temos o coração na garganta, que nos quer saltar do peito! Maldito nervoso!
Para a frente, para trás… à espera. Dos salvadores. Da polícia, claro! Que havia de aparecer logo a seguir, acreditava eu, na minha saloiice de quem não percebe nada dessas coisas aliadas à violência que surge em horas impróprias e estragam o descanso do “guerreiro”.
Fui bem picada por mosquitos – eu, que já estou doente, dizem as análises, de dengue! – e farta de tanta picadela entrei e saí de casa umas tantas vezes, espreitei na RTPI a conversa entre a Simone de Oliveira e a Merche Romero, perdi a entrevista com o “borracho” brasileiro que era casado com a jornalista Marília Gabriela, bebi água, voltei às minhas voltas e.. nada deles!
Telefonei umas tantas vezes à minha irmã Natália para saber dela e do marido, segui atentamente o João inspeccionando o quintal e…nada deles!
Ao fim de vinte minutos, apareceram. Sem algazarra, que a noite ia alta!
Lançaram uns very lights que rebentaram lá em cima no escuro do céu enevoado e mesmo à frente da casa roubada. A luz iluminava tudo em redor. Bem, tudo, tudo, não. Lá mais para o escuro, onde as bananeiras servem de esconderijo perfeito para qualquer meliante, a luz do very light não chegava… Menos ainda no sopé da montanha e pior ainda na montanha, ela própria, de que apenas se divisa a silhueta escura. Para esses lados há umas casas onde houve problemas aqui há uns tempos, para além de outros mais graves em Abril e Maio do ano passado.
Não se descobriu ninguém. É natural, a luz emanada dos very light não é assim tão forte que chegue ao sopé da montanha e os salteadores também descansam! Também para eles está calor, estão cansados do “trabalho” e, guardado o produto desviado e sem sombra de perseguição das forças da ordem, os salteadores-vândalos, etc, etc, devem ter-se entregue aos braços de Morfeu!
Desta vez não houve helicópteros. Compreende-se. Não só porque eram apenas vândalos. salteadores, etc. etc., como também porque o espaço aéreo deve estar disponível para um qualquer avião que pretenda aterrar no aeroporto de madrugada, como também porque a noite vai alta e o calor húmido quebra qualquer um… até um timorense!
É hora de descanso!!!
E eu, derreada que estou porque também me deixo abater por este calor húmido da época das chuvas, vou fazer o mesmo que outros fazem há umas boas horas, ainda que tendo a responsabilidade da segurança deste país.
Vou descansar!

quinta-feira, abril 19, 2007 

Profundíssimo Timor!

Quando se viaja por Timor, aprende-se muito e passa-se a ver o Mundo com outros olhos. Por vários motivos. Um deles é a constatação da extrema pobreza em que vive o povo timorense. Outro, tem a ver com a afabilidade e a generosidade das populações do interior e com o sorriso das crianças. Ou a sua tristeza, como aconteceu em Same, onde as crianças não sorriem , pouco falam, não cantam e só olham, assustadas.
No interior - e fora da sede dos distritos onde há muitas limitações mas sempre vai havendo água canalizada, serviços super-mínimos de saúde, energia eléctrica de dois em dois dias, alguns transportes ou telefone móvel ainda que numa área limitada - as populações vivem o dia-a-dia, que é como quem diz, vêem passar os dias sempre iguais, fazem uma festa quando passa um carro e esperam que um dia a morte os leve, sem nunca lhes ter sido dada a oportunidade de melhorar as suas precaríssimas condições de vida. Provavelmente, até sem nunca saberem que é possível, até mesmo em Timor-Leste, viver melhor!
Se tiverem a sorte de viver numa zona considerada boa para a agricultura, sempre podem cultivar algumas batatas, milho, legumes, mandioca. Se não, bem têm de agradecer a Maromak ter-nos dado um país onde se comem até as raízes, o feijão-bravo venenoso -cozido algumas horas em pelo menos umas sete ou oito águas até perder todo o "veneno" - ou o maek, um tubérculo que também precisa de muitas horas de cozedura em fogo muito lento, debaixo da terra, para se tornar comestível sem nos deixar a boca e a garganta inchadas pela comichão provocada, tal é a sua toxicidade!
Pobres, sem mais nada senão o que Deus, Maromak ou a Natureza lhes oferecem, é com um sorriso alargado que partilham a sua refeição, que pode ser um pedaço de mandioca ou umas maçarocas de milho. E se não houver café ou chá, sempre se pode beber um copo de água quente ou fria. E se falhar isso, haverá água de coco; e, na falta de tudo, persiste o sorriso acompanhando o pedido de desculpas por não terem nada!
Ao sair de Díli, onde - apesar das limitações - se vive com relativo conforto, é inevitável pensarmos nas dificuldades com as as quais nos vamos deparar e na melhor forma de as superar.
Naturalmente, muitas dessas dificuldades são vistas pelas populações do interior como "manias" ou "esquisitices" de quem vive na cidade, nesta cidade de Díli, com alguma comodidade.
E, se nos primeiros momentos torcemos o nariz sempre que temos de utilizar um barraco a que pomposamente se dá o nome de hariis-fatin (casa-de-banho), é mais que certo que as nossas esquisitices desaparecem quando, por exemplo, a solícita dona de casa nos traz um balde de água transportado por uma criança-ajudante de quase um quilómetro de distância para que possamos tomar banho.
Quando olhamos à nossa volta, reparamos que há sempre umas escovas de dentes - só escovas, sem pasta de dentes, que o dinheiro não dá para tanto! - ainda que colocadas nos sítios menos próprios, como no parapeito da janela, junto ao tanque de água ou mesmo no tronco de uma árvore. Inevitavelmente, recordo que, nos tempos da minha meninice, via muitas mulheres esfregando os dentes com carvão. Diziam que os tornava mais brancos.
A "sintina" e a "hariis-fatin" precisariam de uma boa barrela, é certo mas, até mesmo a lixívia é um luxo! E, se grande parte das vezes não há água nem há dinheiro, quem pode falar de detergentes?
Uma casa construída com blocos de tijolo, é sinal de melhoria de qualidade de vida. A casa não tem forro e não está pintada. As madeiras das janelas e das portas são substituídas por cortinas que nunca as tapam na totalidade. Mas é uma casa!, ainda que simples, como dizia a jovem dona de uma delas.
É que, na maioria das vezes, a casa de palapa coberta de colmo, mantém-se de pé quase que por milagre, tão inclinada que nos faz pensar que a primeira rabanada de vento ou a chuva seguinte a porá no chão sem apelo nem agravo...
Viajei de Ainaro a Suai - umas quantas horas - sem nunca ter tido hipótese de utilizar o telemóvel porque não havia rede. O mesmo, da Lois até Maubara. E sempre que olhava para o aparelho mudo, questionava-me: e se houver um problema, que fazemos?
Hoje, também me coloco questões. Por exemplo, no percurso que fiz, quantas pessoas terão telemóvel, quantas saberão o que é e para que serve um telefone, quantas terão tido hipótese de viajar de carro, quantas saberão o que é ter um comprimido à mão se tiverem uma dor de cabeça, quantas se terão banhado com sabonete, utilizado pasta de dentes, etc, etc, etc? Isto, para não falar do que é ainda mais básico e que, mesmo assim, não faz sequer parte dos sonhos do timorense do interior porque esse desconhece que há outras coisas para além de ver nascer e pôr-se o Sol e a Lua, de esperar pela época das chuvas ou chamar a criancinha com quem vai partilhar o pedaço de mandioca, refeição de um dia inteiro, ou ter um dia diferente quando passa um carro ou quando os passageiros desse carro lhe dão dois dedos de conversa e lhe provocam um sorriso no rosto como se fosse o ser mais feliz do Mundo!
É dura a realidade timorense! E, não obstante, temos petróleo, temos fundos desse petróleo! Somos ricos! Quem diria?


terça-feira, abril 17, 2007 

O outro lado das presidenciais


À mistura com lixo vário, Ramos Horta e Lu Olo, sorridentes, no exemplar de um boletim de voto da 2ª volta das eleições presidenciais displicentemente colocado do lado de fora do reservatório cheio de outro lixo ; sim, literalmente no lixo, bem à vista de quem passasse a pé.

domingo, abril 15, 2007 

Dificuldades do "povo kiik"

O Hospital Nacional Guido Valadares já não é só um hospital. É também a “casa” de um grande número de refugiados que se espalham pelos espaços relvados e pelas varandas dos diversos pavilhões do hospital. Cozinha-se ao ar livre. Na varanda-casa de um deles, há um televisor. As crianças brincam no relvado, mexem nos caixotes de lixo. Lá mais à frente, mesmo junto a um corredor onde passam centenas de pessoas, há uma cama de madeira, sem colchão. Dorme-se sobre a tábua dura.
As casas-de-banho de alguns dos quartos particulares são utilizadas pelos refugiados. E quem está internado num quarto passa a fazer parte da família refugiada na varanda, ouve as suas conversas, assiste à preparação das suas refeições, ouve uma criança chorando e acaba por se sentir culpado por estar num quarto rodeado de algum conforto enquanto que outras pessoas, timorenses como ele, têm como casa uma tenda ou uma varanda.
O Hospital Nacional é-nos muito familiar. Entra-nos quase diariamente pela casa adentro, de cada vez que o director – sempre com ar tranquilo - faz o balanço dos doentes internados, dos feridos com rama ambong, catanadas, acidentes, etc., etc.
Ontem, voltámos a ver o director que, com o mesmo ar tranquilo, veio desta vez falar-nos sobre as dificuldades sentidas no hospital.
Por exemplo, ficámos a saber que há falta de gaze para as operações. E também ficámos a saber que os profissionais do hospital arranjaram forma de remediar a falha: havendo apenas gaze de tamanho pequeno, da que é usada para pequenas feridas, faz-se um milagre, costurando, remendando a gaze uma à outra, aumentando assim o seu tamanho. Depois, é só esterilizar para poder utilizá-la!
Segundo parece, também há falta de medicamentos. E de sangue…
A M., “ferik-oan” do V. teve de ser internada de urgência. Foi-lhe feita uma cesariana e nasceram dois pimpolhos, aumentando de três para cinco o número de filhos do casal.
A parturiente está com sérios problemas de saúde. Tem tido muitas hemorragias, tem a tensão alta, vomita, tem tonturas e nem tem forças para dar de mamar aos dois filhotes recém-nascidos. Receoso de que os filhotes passassem mal e sem sequer se deter para pensar que, com certeza, o hospital não iria deixar morrer as duas crianças à fome, o V. concluiu que o melhor era levar as duas crianças recém-nascidas para a montanha e deixá-las à guarda de uma irmã mais velha. Não lhe foi permitido, claro.
Entretanto, era urgente fazer-se uma transfusão de sangue à fragilizada “ferik-oan” de V.
Novo problema surgiu: o hospital não tem sangue. V. assustou-se ainda mais e ofereceu-se para “comprar” o sangue necessário para salvar a sua M. V. não deve sequer saber que o hospital onde a mulher está internada é público e, por isso, não tem de pagar nada!
Afinal, sempre havia uma embalagem de sangue e a transfusão foi feita. Só que não há mesmo mais sangue pelo que V. vai ter de trazer os familiares da M. para que dêem sangue.
Se falta gaze, se nem todas as radiografias são feitas porque não há “chapas” suficientes, se faltam medicamentos, se o oxigénio é racionado, haverá forma, tempo e paciência para se ver se o dador não tem doenças ou se o sangue é compatível com o da doente?
Quando vai a classe dirigente deste país convencer-se de que a saúde é um bem inestimável, que a saúde não tem preço e é urgente e necessário apostar nela?

sexta-feira, abril 13, 2007 

Para onde vamos nós?

Há quem considere as eleições de segunda-feira passada um sucesso. A sê-lo, talvez só pela relativa tranquilidade em que decorreram. Porque, quanto ao resto, quer-me parecer que não será exagerado se a elas nos referirmos como sendo um autêntico fracasso.
São tantas as irregularidades, as falhas, as discrepâncias, as queixas e os protestos que surgem de todos os quadrantes que não há volta a dar-lhe: as eleições presidenciais, apesar da presença de muitos observadores internacionais, não deveram nada à transparência e não dignificam nenhum órgão de soberania, nem governantes, nem povo, nem líderes partidários, nem observadores. Ninguém.
Sabendo-se que as eleições de 2001 não primaram pela transparência, não seria de esperar que nos preparássemos para que as primeiras eleições a serem totalmente organizadas pelos timorenses fossem diferentes?
Se já se sabia que 2007 era ano de eleições, q
ual o motivo por que se guardou para a última hora a formação dos técnicos eleitorais, a constituição do CNE e do STAE e se preferiu manter o STAE sob a alçada do Governo?
Porque se teima em não se educar civicamente as pessoas? Porque se permite que continue a haver intimidação, ameaças e suborno?
Se já era difícil alguém acreditar em nós, como irá ser depois deste fracasso? Que irá acontecer na segunda volta das presidenciais e nas legislativas de 30 de Junho?
O povo não defraudou as expectativas: votou, mostrou maturidade. Mas, quem manda, uma vez mais, falhou redondamente. O problema é que quem manda está convencido de que sabe tudo, pode tudo, nunca se engana e nunca comete asneiras…

quarta-feira, abril 11, 2007 

O dia do voto

No dia 9, o povo votou em massa nas eleições para Presidente da República. Ordeiramente. Pacificamente.
Votei em Comoro e assisti à abertura das urnas e à contagem dos votos.
Votei em Comoro, na Aldeia 30 de Agosto, mas também poderia ter votado em Balide, em Liquiçá ou mesmo em Oécussi, com cartão eleitoral, passaporte ou outro cartão de identificação. Tomaram nota do número do cartão eleitoral. Só isso; não há cadernos eleitorais. Tenho o dedo pintado de preto. A tinta leva algum tempo a desaparecer. Mas há quem assegure que desaparece facilmente quando em contacto com lixívia.
Vi alguns fiscais com cartões plastificados, com fotografia do portador. Um luxo que não abrangeu os fiscais da quase totalidade dos candidatos que tiveram direito - apenas - a cartão de observador de "partido político" . E como os cartões de papelão sem fotografia apenas foram entregues no dia anterior, só os "fiscais" de Díli reduzidos a observadores tiveram acesso a esses cartões. Aos dos distritos, obviamente, não houve tempo para se fazer a entrega, que as distâncias em Timor se medem por muitas horas de caminho...
Ainda não há resultados totais das eleições. A contagem dos votos arrasta-se no tempo. Os resultados vão sendo conhecidos gradualmente.
A contagem dos votos no local não foi muito lenta. Mais vagarosa é a recontagem em Díli. Do que aconteceu – ou se aconteceu alguma coisa – aos votos em viagem até Díli, poucos saberão. E, talvez - também - por isso, haja tanta desconfiança.
Mas quem engana quem? Porque engana? Como engana? Que mistério!
Dizem uns que há mais votos que votantes; asseguram outros que há falta de boletins de votos; outros ainda falam do seu desaparecimento; há ainda quem fale de urnas cheias de boletins transportadas para a sede dos distritos. Há quem se oriente por contagens paralelas e não dê importância às da CNE. E, desde o início, houve quem tivesse a certeza de já ter ganho. O Primeiro-Ministro denuncia a intimidação em alguns distritos. Um ministro quis mudar o local da votação de uma para outra estação. Nada disto é dignificante.
Está semeada a desconfiança e, apesar da presença massiva dos observadores internacionais, já quase ninguém acredita na lisura e na transparência das eleições.
Adivinham-se, pois, tempos difíceis.
Multiplicam-se as vozes apelando aos candidatos que aceitem o resultado das eleições.
A tensão está latente. Impõe-se que haja contenção. Se assim não for, rapidamente o país resvalará para o caos. E, uma vez mais, convém dizê-lo, a culpa será da classe política.

domingo, abril 08, 2007 

Ai,Timor!


Um dia, esta criança será mulher.Mas hoje é ainda uma criança embora há muito tempo tome conta dos irmãos mais novos. Não tem muita força. Nota-se pela curvatura da anca, sempre em esforço para aguentar o peso do irmãozinho. E, contudo, apesar do peso, da responsabilidade nos seus frágeis ombros, a menina sorri!
É essa capacidade de superar dificuldades, de as enfrentar com naturalidade, de olhar a vida como uma festa, apesar das péssimas condições em que se vive, que me espanta e me encanta no meu país. E também é isso que me envergonha e me entristece. Quando chegará o tempo dos governantes prestarem atenção ao povo deste país? Haverá alguém tão louco que tenha a veleidade de pensar que há Nação sem povo?

sábado, abril 07, 2007 

Eleições à porta

O tempo é de reflexão.
Por isso reflicto sobre os motivos que terão levado o senhor Presidente da República, Xanana Gusmão, a dar o seu apoio ao candidato Ramos Horta e a comparecer no seu comício de encerramento.
O candidato Ramos Horta também é apoiado por um partido, criado para fazer do Presidente da República o futuro Primeiro Ministro.
O candidato retoma repentinamente as suas funções e, na qualidade de Primeiro-Ministro, acompanha o Presidente da República e o Bispo de Díli na mensagem de Páscoa ontem transmitida pela RTTL.
Reflicto sobre outra mensagem do candidato-Presidente do Parlamento Nacional, Lu Olo, hoje, igualmente na RTTL.
Reflicto sobre a sanidade mental de todos nós. E também sobre a ética, a responsabilidade, a isenção, o rigor, os princípios, o respeito, a tolerância, a democracia, a república... Palavras vãs?
O tempo é de reflexão. E também por isso, sem mais comentários, por aqui me fico, mantendo-me em serena reflexão até segunda-feira, dia em que o povo timorense irá escolher o sucessor do actual Presidente da República que aposta no actual Primeiro-Ministro para o substituir e deseja ardentemente ocupar o lugar vago pelo seu delfim. Obviamente, se este ganhar as eleições...

quinta-feira, abril 05, 2007 

Estou de volta!



Nos distritos do interior não há Internet. Poderia ser simples dizer isto e com isso concluir que estamos mal, que somos um país subdesenvolvido.
Mas, que importa que não haja Internet, se ali, no Timor profundo, falta tudo, ou quase tudo?
Verdade é que o facto de não termos acesso à informação tem como consequência lógica que o povo não evolui porque está desinformado e porque a desinformação do povo interessa a alguém que pretende que o timorense se mantenha eternamente desinformado, contente por ter uma casita de palapa coberta de colmo quase a cair levada pela água das chuvas violentas que caem diariamente… Importa a alguém que as populações do interior se mostrem ainda mais contentes porque quem nos governa de vez em quando se lembra que nos distritos do interior há gente, há população e, portanto, se faz à estrada, bem transportado, bem alimentado, bem guardado, gritando ao povo que o vê chegar impante do orgulho que o poder lhe confere: estou aqui, vim fazer-vos uma visitinha, mas, por favor não me falem das vossas hortas! Não posso perder tempo com isso!
Na montanha não há Internet. Pois não. E que importa isso, quando falta tudo e o pouco que há é cobrado como se fosse o melhor bem existente à face da Terra?
Em quase todos os distritos, há energia eléctrica. Sim, haver , há… dia sim, dia não. Em Maliana, é um bocado pior. A “ luz vem” de dois em dois dias…
As populações do interior limitam-se a deixar passar o tempo. Nasce o sol, põe-se o sol. Semeia-se colhe-se, amanha-se a terra…. Um dia atrás de outro… Sempre iguais, os seus dias! Tanto, que é uma festa quando passa um carro e traz todos – velhos, crianças, jovens - à estrada, acenando em arrebatada saudação com ambas as mãos no ar…
Poderia focar as más condições de vida, o precaríssimo acesso à saúde, a inexistência de saneamento básico, de água canalizada, de emprego. Poderia falar das crianças subalimentadas, de camisola encardida, rota, com outra criança ao colo, transportando reservatórios de água, lenha e, contudo, sorrindo…
Timor é dor. Verdadeira. Sentida. Que mágoa imensa me traz Timor, o meu país do Sol Nascente!
Mas Timor também é belo. E é desse belíssimo Timor que vos deixo estas fotografias.