De quem é a culpa?
Passou um ano sobre o início das manifestações e dos tumultos que se lhe seguiram.
Passou um ano sobre o início das manifestações e dos tumultos que se lhe seguiram.
Os portugueses em Timor-Leste, qualquer que seja a razão da sua presença no país, são indubitavelmente os estrangeiros sobre quem recaem todas as atenções. Faz sentido. Quase cinco séculos de vivência comum justificam a atenção com que os nacionais do país colonizador, hoje regressados a Timor independente, são olhados pelos antigos colonizados.
Assim, não admira que dos portugueses se diga que “já não são como os de antigamente”, sempre que a sua presença se salienta por qualquer acto que não caia no agrado dos timorenses. Ou que, ao invés, também se diga que “os portugueses são os únicos que ajudam incondicionalmente Timor-Leste”.
De entre os portugueses, há os que cumprimentam reverencialmente os titulares do Poder, baixando a cabeça, colocando os olhos na biqueira dos sapatos e acompanhando o gesto com uma exagerada dobra de cintura quase provocando o seu desequilíbrio! E, tão atentos e veneradores desse Poder, fogem dos elementos críticos ou marginalizados pelo Poder como o diabo foge da cruz, antes que percam o contrato de trabalho se alguém os vir, nem que seja a dois metros de distância, dos elementos discordantes do Poder vigente!
Há aqueles que vêm trabalhar, não olham para ninguém – nem sei se conhecerão os traços fisionómicos dos timorenses! - e tanto estão aqui como poderiam estar no Afeganistão; há os que dizem em público e de forma paternalista que “os timorenses são muito simpáticos” mas, no seu círculo de amigos comentam à gargalhada que “são uns selvagens, uns burros, não aprendem nada!”, sem sequer cuidar de que pode sempre haver quem os oiça… Afinal, cinco séculos de História comum também têm como resultado que a língua portuguesa, mesmo sendo falada por uma ínfima parte dos timorenses, continua a ser por muitos destes compreendida…
Com os comportamentos acima descritos, há-os em todas as áreas da cooperação em que se encontrem, qualquer que seja o seu estatuto.
Sendo luso-timorense, é lógico que não me sinto muito confortável quando é evidenciado o lado negativo da presença portuguesa em Timor, tal qual como também não gosto nada de ouvir criticar os timorenses. A crítica negativa, ainda que justa, sinto-a sempre como uma farpa na minha fortíssima costela portuguesa e timorense. Assim sendo e porque não estou aqui para sofrer, para falar do que de mau existe entre os portugueses, chega a nota introdutória.
Obviamente, existem – graças a Deus! – aqueles portugueses que estão em Timor por genuína vontade de contribuir para o desenvolvimento do país. Há os que simpatizam com os timorenses e, quem quer que eles sejam, independentemente da classe social ou política a que pertençam, os tratam como seres humanos iguais. E são alguns os portugueses dessa cepa, felizmente. Só que, por serem mais discretos, por não serem iluminados pelas luzes da ribalta que o Poder sempre proporciona, nem sempre deles se fala. Mas que os há, há!
Exemplo disso é o José Queirós, da CGD/BNU que, ao fim de quatro anos de comissão, partiu hoje de Díli.
E quem não conhece o senhor Queirós do BNU? Sempre afável, prestável, com vontade de ajudar fossem os clientes ricos, pobres, amigos de ministros, estrangeiros ou timorenses, o senhor Queirós era um excelente cartão de visita da CDG/BNU em Díli, cumprindo com rigor e saber as suas funções, aliando ao seu evidente profissionalismo um traço de profunda sensibilidade humana que não é muito vulgar ver-se hoje em dia.
Há muitas histórias em que o humanismo, a afabilidade, a sensibilidade do José Queirós são bem evidenciadas.
Há tempos, uma senhora amiga estranhou a ausência de um funcionário idoso a quem cabia a tarefa de encaminhar os clientes do banco aos serviços pretendidos. Soube que o senhor estava gravemente doente e foi visitá-lo a casa. Acamado, fragilizado, sem outro apoio que não a precária ajuda prestada pelos familiares próximos tão pobres quanto ele, o velho senhor contou à senhora que os medicamentos com que estava a ser tratado eram muito caros e ele só os tinha porque eram pagos pelo senhor Queirós. Mas, acrescentou “não sei como vai ser quando o senhor Queirós se for embora”.
No banco, creio que já todos devem ter experimentado as receitas de arroz doce e de outras delícias da doçaria portuguesa dadas pelo senhor Queirós, num claro exemplo de que é possível acamaradar com os funcionários subordinados e manter o respeito que a superioridade hierárquica sempre exige.
Ontem, o Fórum dos Empresários ofereceu-lhe um almoço de despedida, marcado pela emoção, por muitas lágrimas.
No discurso que então proferiu, e a propósito da presença massiva de muitos amigos portugueses e timorenses entre os quais se salientava a dos funcionários timorenses da CGD/BNU, dizia ontem o empresário Júlio Alfaro – também ele descendente de portugueses - que o José Queirós personificava os portugueses de antigamente com quem os timorenses mantinham relações plenas de afecto, de amizade, deles ficando a saudade, sempre que de Timor se iam embora.
José Queirós partiu hoje. No último dia da sua estada em Timor, ainda trabalhou até às cinco horas da manhã, cumprindo o que era um acto rotineiro destes quatro anos de trabalho. Hoje, no aeroporto, pleno de funcionários e amigos timorenses e portugueses, choraram todos, juntando as suas às fartas lágrimas de José Queirós.
É com satisfação que registo que ainda há muito quem se lembre de como eram os portugueses de antigamente e as suas normais e amistosas relações com os timorenses!
Com alguma tristeza também, registo a partida de um homem que só pode deixar os portugueses orgulhosos por ter sabido tão bem levar a cabo as suas funções, sem se deixar encadear pelas luzes de brilho efémero mas estonteante da proximidade do Poder; muito especialmente, porque tratou os timorenses como seus iguais, ensinando, transferindo o seu saber, sendo solidário, cultivando laços de profundo afecto. Esse afecto de que alguns portugueses que hoje demandam estas terras parecem ter esquecido ter sido a imagem de marca - desde sempre e mau grado o “colonialismo” português – da colonização portuguesa em Timor.
Desde o princípio da semana que, aqui e além, têm surgido desacatos, ataques, confrontos de que resultam feridos com pistolas, com rama ambong, enfim, o ramalhete de cardos que, desde Abril do ano passado faz parte das nossas vidas.
Mas, aqui por Comoro, a situação parecia calma, sob controlo. De tal forma que me levou a acreditar que a tranquilidade tinha voltado para ficar.
Tanto mais que o bairro tem sido percorrido a pé por homens de camuflado, de arma em punho. Bem, percorrido durante o dia, que é quando os vejo. De noite, não saio à rua e eles, depois de suarem copiosamente de tanto andar, certamente, estão tão cansados que devem ficar a descansar, sentados, conversando, dormindo… a carne é fraca, claro…
Perto da meia-noite, ao pé da minha casa, os cães - ou amostras de cães - ladram furiosamente, tanto quanto entendem, no seu entendimento de cão pequeno, ser o suficiente para assustar os homens armados de longos samurais preparados para entrar numa vivenda. Não conseguiram assustar os meliantes que deviam estar bem preparados porque, na primeira oportunidade abriram o portão, apanhando de surpresa o assustado segurança, sacaram umas coisas e desapareceram no escuro.
Passaram à minha porta e, dentro dos portões, os meus cinco cães também ladraram furiosamente.
Em época de crise, há umas quantas rotinas que devem ser cumpridas ao pormenor: Apagam-se as luzes da varanda, não vá o diabo tecê-las, e espera-se que a polícia, chamada logo a seguir ao roubo, faça a sua aparição.
A noite está húmida. Compreende-se. É que o calor carregado de humidade deita abaixo até um timorense habituado aos rigores do clima, quanto mais um estrangeiro de climas mais temperados!
Andámos, eu e a Aurete, a minha irmã de criação, lá fora, para a frente e para trás, varanda da frente, varanda da trás, falando em surdina para não espantar os vândalos, vadios, gatunos, bandidos, ladrões, vagabundos (eles devem ser tudo isso e muito mais, desde que tenham oportunidade para pôr em prática cada uma das suas especialidades!). Concluímos ambas que temos o coração na garganta, que nos quer saltar do peito! Maldito nervoso!
Para a frente, para trás… à espera. Dos salvadores. Da polícia, claro! Que havia de aparecer logo a seguir, acreditava eu, na minha saloiice de quem não percebe nada dessas coisas aliadas à violência que surge em horas impróprias e estragam o descanso do “guerreiro”.
Fui bem picada por mosquitos – eu, que já estou doente, dizem as análises, de dengue! – e farta de tanta picadela entrei e saí de casa umas tantas vezes, espreitei na RTPI a conversa entre a Simone de Oliveira e a Merche Romero, perdi a entrevista com o “borracho” brasileiro que era casado com a jornalista Marília Gabriela, bebi água, voltei às minhas voltas e.. nada deles!
Telefonei umas tantas vezes à minha irmã Natália para saber dela e do marido, segui atentamente o João inspeccionando o quintal e…nada deles!
Ao fim de vinte minutos, apareceram. Sem algazarra, que a noite ia alta!
Lançaram uns very lights que rebentaram lá em cima no escuro do céu enevoado e mesmo à frente da casa roubada. A luz iluminava tudo em redor. Bem, tudo, tudo, não. Lá mais para o escuro, onde as bananeiras servem de esconderijo perfeito para qualquer meliante, a luz do very light não chegava… Menos ainda no sopé da montanha e pior ainda na montanha, ela própria, de que apenas se divisa a silhueta escura. Para esses lados há umas casas onde houve problemas aqui há uns tempos, para além de outros mais graves em Abril e Maio do ano passado.
Não se descobriu ninguém. É natural, a luz emanada dos very light não é assim tão forte que chegue ao sopé da montanha e os salteadores também descansam! Também para eles está calor, estão cansados do “trabalho” e, guardado o produto desviado e sem sombra de perseguição das forças da ordem, os salteadores-vândalos, etc, etc, devem ter-se entregue aos braços de Morfeu!
Desta vez não houve helicópteros. Compreende-se. Não só porque eram apenas vândalos. salteadores, etc. etc., como também porque o espaço aéreo deve estar disponível para um qualquer avião que pretenda aterrar no aeroporto de madrugada, como também porque a noite vai alta e o calor húmido quebra qualquer um… até um timorense!
É hora de descanso!!!
E eu, derreada que estou porque também me deixo abater por este calor húmido da época das chuvas, vou fazer o mesmo que outros fazem há umas boas horas, ainda que tendo a responsabilidade da segurança deste país.
Vou descansar!
O Hospital Nacional Guido Valadares já não é só um hospital. É também a “casa” de um grande número de refugiados que se espalham pelos espaços relvados e pelas varandas dos diversos pavilhões do hospital. Cozinha-se ao ar livre. Na varanda-casa de um deles, há um televisor. As crianças brincam no relvado, mexem nos caixotes de lixo. Lá mais à frente, mesmo junto a um corredor onde passam centenas de pessoas, há uma cama de madeira, sem colchão. Dorme-se sobre a tábua dura.
As casas-de-banho de alguns dos quartos particulares são utilizadas pelos refugiados. E quem está internado num quarto passa a fazer parte da família refugiada na varanda, ouve as suas conversas, assiste à preparação das suas refeições, ouve uma criança chorando e acaba por se sentir culpado por estar num quarto rodeado de algum conforto enquanto que outras pessoas, timorenses como ele, têm como casa uma tenda ou uma varanda.
O Hospital Nacional é-nos muito familiar. Entra-nos quase diariamente pela casa adentro, de cada vez que o director – sempre com ar tranquilo - faz o balanço dos doentes internados, dos feridos com rama ambong, catanadas, acidentes, etc., etc.
Ontem, voltámos a ver o director que, com o mesmo ar tranquilo, veio desta vez falar-nos sobre as dificuldades sentidas no hospital.
Por exemplo, ficámos a saber que há falta de gaze para as operações. E também ficámos a saber que os profissionais do hospital arranjaram forma de remediar a falha: havendo apenas gaze de tamanho pequeno, da que é usada para pequenas feridas, faz-se um milagre, costurando, remendando a gaze uma à outra, aumentando assim o seu tamanho. Depois, é só esterilizar para poder utilizá-la!
Segundo parece, também há falta de medicamentos. E de sangue…
A M., “ferik-oan” do V. teve de ser internada de urgência. Foi-lhe feita uma cesariana e nasceram dois pimpolhos, aumentando de três para cinco o número de filhos do casal.
A parturiente está com sérios problemas de saúde. Tem tido muitas hemorragias, tem a tensão alta, vomita, tem tonturas e nem tem forças para dar de mamar aos dois filhotes recém-nascidos. Receoso de que os filhotes passassem mal e sem sequer se deter para pensar que, com certeza, o hospital não iria deixar morrer as duas crianças à fome, o V. concluiu que o melhor era levar as duas crianças recém-nascidas para a montanha e deixá-las à guarda de uma irmã mais velha. Não lhe foi permitido, claro.
Entretanto, era urgente fazer-se uma transfusão de sangue à fragilizada “ferik-oan” de V.
Novo problema surgiu: o hospital não tem sangue. V. assustou-se ainda mais e ofereceu-se para “comprar” o sangue necessário para salvar a sua M. V. não deve sequer saber que o hospital onde a mulher está internada é público e, por isso, não tem de pagar nada!
Afinal, sempre havia uma embalagem de sangue e a transfusão foi feita. Só que não há mesmo mais sangue pelo que V. vai ter de trazer os familiares da M. para que dêem sangue.
Se falta gaze, se nem todas as radiografias são feitas porque não há “chapas” suficientes, se faltam medicamentos, se o oxigénio é racionado, haverá forma, tempo e paciência para se ver se o dador não tem doenças ou se o sangue é compatível com o da doente?
Quando vai a classe dirigente deste país convencer-se de que a saúde é um bem inestimável, que a saúde não tem preço e é urgente e necessário apostar nela?
Há quem considere as eleições de segunda-feira passada um sucesso. A sê-lo, talvez só pela relativa tranquilidade em que decorreram. Porque, quanto ao resto, quer-me parecer que não será exagerado se a elas nos referirmos como sendo um autêntico fracasso.
São tantas as irregularidades, as falhas, as discrepâncias, as queixas e os protestos que surgem de todos os quadrantes que não há volta a dar-lhe: as eleições presidenciais, apesar da presença de muitos observadores internacionais, não deveram nada à transparência e não dignificam nenhum órgão de soberania, nem governantes, nem povo, nem líderes partidários, nem observadores. Ninguém.
Sabendo-se que as eleições de 2001 não primaram pela transparência, não seria de esperar que nos preparássemos para que as primeiras eleições a serem totalmente organizadas pelos timorenses fossem diferentes?
Se já se sabia que 2007 era ano de eleições, qual o motivo por que se guardou para a última hora a formação dos técnicos eleitorais, a constituição do CNE e do STAE e se preferiu manter o STAE sob a alçada do Governo?
Porque se teima em não se educar civicamente as pessoas? Porque se permite que continue a haver intimidação, ameaças e suborno?
Se já era difícil alguém acreditar em nós, como irá ser depois deste fracasso? Que irá acontecer na segunda volta das presidenciais e nas legislativas de 30 de Junho?
O povo não defraudou as expectativas: votou, mostrou maturidade. Mas, quem manda, uma vez mais, falhou redondamente. O problema é que quem manda está convencido de que sabe tudo, pode tudo, nunca se engana e nunca comete asneiras…
No dia 9, o povo votou em massa nas eleições para Presidente da República. Ordeiramente. Pacificamente.
Votei em Comoro e assisti à abertura das urnas e à contagem dos votos.
Votei em Comoro, na Aldeia 30 de Agosto, mas também poderia ter votado em Balide, em Liquiçá ou mesmo em Oécussi, com cartão eleitoral, passaporte ou outro cartão de identificação. Tomaram nota do número do cartão eleitoral. Só isso; não há cadernos eleitorais. Tenho o dedo pintado de preto. A tinta leva algum tempo a desaparecer. Mas há quem assegure que desaparece facilmente quando em contacto com lixívia.
Vi alguns fiscais com cartões plastificados, com fotografia do portador. Um luxo que não abrangeu os fiscais da quase totalidade dos candidatos que tiveram direito - apenas - a cartão de observador de "partido político" . E como os cartões de papelão sem fotografia apenas foram entregues no dia anterior, só os "fiscais" de Díli reduzidos a observadores tiveram acesso a esses cartões. Aos dos distritos, obviamente, não houve tempo para se fazer a entrega, que as distâncias em Timor se medem por muitas horas de caminho...
Ainda não há resultados totais das eleições. A contagem dos votos arrasta-se no tempo. Os resultados vão sendo conhecidos gradualmente.
A contagem dos votos no local não foi muito lenta. Mais vagarosa é a recontagem em Díli. Do que aconteceu – ou se aconteceu alguma coisa – aos votos em viagem até Díli, poucos saberão. E, talvez - também - por isso, haja tanta desconfiança.
Mas quem engana quem? Porque engana? Como engana? Que mistério!
Dizem uns que há mais votos que votantes; asseguram outros que há falta de boletins de votos; outros ainda falam do seu desaparecimento; há ainda quem fale de urnas cheias de boletins transportadas para a sede dos distritos. Há quem se oriente por contagens paralelas e não dê importância às da CNE. E, desde o início, houve quem tivesse a certeza de já ter ganho. O Primeiro-Ministro denuncia a intimidação em alguns distritos. Um ministro quis mudar o local da votação de uma para outra estação. Nada disto é dignificante.
Está semeada a desconfiança e, apesar da presença massiva dos observadores internacionais, já quase ninguém acredita na lisura e na transparência das eleições.
Adivinham-se, pois, tempos difíceis.
Multiplicam-se as vozes apelando aos candidatos que aceitem o resultado das eleições.
A tensão está latente. Impõe-se que haja contenção. Se assim não for, rapidamente o país resvalará para o caos. E, uma vez mais, convém dizê-lo, a culpa será da classe política.
Nos distritos do interior não há Internet. Poderia ser simples dizer isto e com isso concluir que estamos mal, que somos um país subdesenvolvido.
Mas, que importa que não haja Internet, se ali, no Timor profundo, falta tudo, ou quase tudo?
Verdade é que o facto de não termos acesso à informação tem como consequência lógica que o povo não evolui porque está desinformado e porque a desinformação do povo interessa a alguém que pretende que o timorense se mantenha eternamente desinformado, contente por ter uma casita de palapa coberta de colmo quase a cair levada pela água das chuvas violentas que caem diariamente… Importa a alguém que as populações do interior se mostrem ainda mais contentes porque quem nos governa de vez em quando se lembra que nos distritos do interior há gente, há população e, portanto, se faz à estrada, bem transportado, bem alimentado, bem guardado, gritando ao povo que o vê chegar impante do orgulho que o poder lhe confere: estou aqui, vim fazer-vos uma visitinha, mas, por favor não me falem das vossas hortas! Não posso perder tempo com isso!
Na montanha não há Internet. Pois não. E que importa isso, quando falta tudo e o pouco que há é cobrado como se fosse o melhor bem existente à face da Terra?
Em quase todos os distritos, há energia eléctrica. Sim, haver , há… dia sim, dia não. Em Maliana, é um bocado pior. A “ luz vem” de dois em dois dias…
As populações do interior limitam-se a deixar passar o tempo. Nasce o sol, põe-se o sol. Semeia-se colhe-se, amanha-se a terra…. Um dia atrás de outro… Sempre iguais, os seus dias! Tanto, que é uma festa quando passa um carro e traz todos – velhos, crianças, jovens - à estrada, acenando em arrebatada saudação com ambas as mãos no ar…
Poderia focar as más condições de vida, o precaríssimo acesso à saúde, a inexistência de saneamento básico, de água canalizada, de emprego. Poderia falar das crianças subalimentadas, de camisola encardida, rota, com outra criança ao colo, transportando reservatórios de água, lenha e, contudo, sorrindo…
Timor é dor. Verdadeira. Sentida. Que mágoa imensa me traz Timor, o meu país do Sol Nascente!
Mas Timor também é belo. E é desse belíssimo Timor que vos deixo estas fotografias.