Identidade Cultural Timorense
Na primeira página do diário STL, a manchete de um dia da semana passada referia a frase do Primeiro-Ministro proferida numa visita à GNR que “se não fosse Portugal, não seríamos hoje independentes”.
Noutra ocasião e mencionando a GNR, o ministro do Interior, Alcino Baris, esclareceu que a sua presença, a par das outras forças internacionais, resultou de um pedido das autoridades timorenses.
Pertinente, sem dúvida, o esclarecimento dos dois governantes, agora que os comentários negativos sobre a intervenção portuguesa em Timor começaram a fazer-se ouvir mais amiúde. O desconhecimento da História a que se junta a conduta leviana, irreflectida de um grupo de pessoas interessado em manter a insegurança parece estar na origem da contestação.
É pertinente que se esclareça particularmente a geração mais nova que nasceu no tempo da ocupação que a luta pela independência não se fez apenas dentro do território. Contou com os timorenses que viviam no estrangeiro, melhor, que foram obrigados a procurar nova forma de vida lá fora – Portugal, Austrália e alguns PALOP - e, sobretudo, importa dizer que não fomos apenas nós, timorenses, que lutámos por ela. Tivemos muitos apoios e Portugal está, sem dúvida, à cabeça dos países que nos ajudaram a conseguir a independência, ainda que se saiba que havia alguns interessados em entregar o ouro ao bandido.
Mas, porque desses fracos não reza a História, é melhor que se deixe bem adormecida a sua triste e também leviana intervenção e ignorá-los até porque no cômputo final, Portugal saiu a ganhar e os timorenses sabem-no bem. Não passou assim tanto tempo sobre os acontecimentos de 1999 e as imagens da solidariedade portuguesa ainda estão bem presentes!
Porquê o descontentamento timorense? Sem aprofundar muito, se houvesse uma lista, dela constaria, entre muitos outros pontos, a difícil situação económica do país, a consequente precariedade das condições de vida e a altíssima percentagem de desemprego que incide justamente sobre os jovens.
Quem hoje contesta a presença portuguesa do país conhece apenas superficialmente a História mais recuada de Timor. No tempo da Indonésia, só a história deste país tinha importância. Portugal era o país então apontado como a potência colonialista que havia deixado Timor-Timur sem estradas, sem energia eléctrica, subdesenvolvido.
Por outro lado, a potência ocupante empenhava-se esforçadamente para que os timorenses mais jovens se convencessem de que sempre haviam feito parte da grande nação indonésia, apenas dela se afastando por causa de Portugal.
Educados no sistema indonésio, falando fluentemente o bahasa indonésio, gozados também pela qualidade menor das suas licenciaturas – ficou conhecido o ilustrativo epíteto sarjana supermin atribuído por Mari Alkatiri - e ignorando completamente a língua oficial consignada na Constituição, o português, esses jovens têm grandes dificuldades para singrar profissionalmente.
Pecando pela ligeireza de raciocínio, ou olhando só para a causa mais próxima, são justamente esses jovens que durante o tempo da ocupação indonésia foram os seus mais ferozes detractores e que tardam em falar português – também porque ninguém cuidou da sua integração no novo Timor, o da independência - que contestam a presença da GNR.
Talvez por isso fosse também indispensável – a par do que aqui se chama “socialização” -, sensibilizar esses jovens para a importância essencial da identidade cultural de um país. Timor-Leste tem uma cultura própria, rica. É um país cheio de tradições. Tem História. Mas isso também as mais de duas dezenas de províncias indonésias têm e por isso a Indonésia fala da “unidade na diversidade” do país!
O que torna Timor-Leste distinto, são dois componentes basilares que fizeram de nós diferentes dos timorenses do outro lado da ilha, o Loromonu de Timor, o Timor indonésio, a província de Nusa Tenngara Timur. Não fosse a língua portuguesa e a Religião Católica em que a nossa identidade cultural está alicerçada e seríamos hoje e sem contestação parte integrante da Indonésia!
Noutra ocasião e mencionando a GNR, o ministro do Interior, Alcino Baris, esclareceu que a sua presença, a par das outras forças internacionais, resultou de um pedido das autoridades timorenses.
Pertinente, sem dúvida, o esclarecimento dos dois governantes, agora que os comentários negativos sobre a intervenção portuguesa em Timor começaram a fazer-se ouvir mais amiúde. O desconhecimento da História a que se junta a conduta leviana, irreflectida de um grupo de pessoas interessado em manter a insegurança parece estar na origem da contestação.
É pertinente que se esclareça particularmente a geração mais nova que nasceu no tempo da ocupação que a luta pela independência não se fez apenas dentro do território. Contou com os timorenses que viviam no estrangeiro, melhor, que foram obrigados a procurar nova forma de vida lá fora – Portugal, Austrália e alguns PALOP - e, sobretudo, importa dizer que não fomos apenas nós, timorenses, que lutámos por ela. Tivemos muitos apoios e Portugal está, sem dúvida, à cabeça dos países que nos ajudaram a conseguir a independência, ainda que se saiba que havia alguns interessados em entregar o ouro ao bandido.
Mas, porque desses fracos não reza a História, é melhor que se deixe bem adormecida a sua triste e também leviana intervenção e ignorá-los até porque no cômputo final, Portugal saiu a ganhar e os timorenses sabem-no bem. Não passou assim tanto tempo sobre os acontecimentos de 1999 e as imagens da solidariedade portuguesa ainda estão bem presentes!
Porquê o descontentamento timorense? Sem aprofundar muito, se houvesse uma lista, dela constaria, entre muitos outros pontos, a difícil situação económica do país, a consequente precariedade das condições de vida e a altíssima percentagem de desemprego que incide justamente sobre os jovens.
Quem hoje contesta a presença portuguesa do país conhece apenas superficialmente a História mais recuada de Timor. No tempo da Indonésia, só a história deste país tinha importância. Portugal era o país então apontado como a potência colonialista que havia deixado Timor-Timur sem estradas, sem energia eléctrica, subdesenvolvido.
Por outro lado, a potência ocupante empenhava-se esforçadamente para que os timorenses mais jovens se convencessem de que sempre haviam feito parte da grande nação indonésia, apenas dela se afastando por causa de Portugal.
Educados no sistema indonésio, falando fluentemente o bahasa indonésio, gozados também pela qualidade menor das suas licenciaturas – ficou conhecido o ilustrativo epíteto sarjana supermin atribuído por Mari Alkatiri - e ignorando completamente a língua oficial consignada na Constituição, o português, esses jovens têm grandes dificuldades para singrar profissionalmente.
Pecando pela ligeireza de raciocínio, ou olhando só para a causa mais próxima, são justamente esses jovens que durante o tempo da ocupação indonésia foram os seus mais ferozes detractores e que tardam em falar português – também porque ninguém cuidou da sua integração no novo Timor, o da independência - que contestam a presença da GNR.
Talvez por isso fosse também indispensável – a par do que aqui se chama “socialização” -, sensibilizar esses jovens para a importância essencial da identidade cultural de um país. Timor-Leste tem uma cultura própria, rica. É um país cheio de tradições. Tem História. Mas isso também as mais de duas dezenas de províncias indonésias têm e por isso a Indonésia fala da “unidade na diversidade” do país!
O que torna Timor-Leste distinto, são dois componentes basilares que fizeram de nós diferentes dos timorenses do outro lado da ilha, o Loromonu de Timor, o Timor indonésio, a província de Nusa Tenngara Timur. Não fosse a língua portuguesa e a Religião Católica em que a nossa identidade cultural está alicerçada e seríamos hoje e sem contestação parte integrante da Indonésia!
Tenho consultado o seu blog com frequência e queria dar-lhe os parabéns pela qualidade do mesmo. Sou uma fã de Timor. Espero que o país se reencontre em breve, a bem de todos, e que possa atrair o investimento que vos trará desenvolvimento, emprego e equilíbrio. Aproveitem a vossa identidade cultural de forma positiva e não adoptem o que de negativo tem a ex-colónia - o meu país (Portugal) - a burocracia e a morosidade para descobrir motores de desenvolvimento.
Um abraço
Rubina Vieira
Posted by Rubi 6:51 da tarde
TRIBUNAL DE RECURSO
MANDADO DE NOTIFICAÇÃO
PROC. — P.P.-Div/2006/01
Requerente: VITOR DA COSTA e Outros
FICA, por este meio notificado, na qualidade de Secretário Geral da FRETILIN, para todo o conteúdo do douto Acordão proferido nestes autos, dos quais faço entregue de cópia.
Em como ficou ciente e recebeu nota legal e cópias, vai comigo assinar.
Díli, 12 de Agosto de 2006
O Notificado:
Ass.
A Oficial de Justiça,
Sílvia Pinto
TRIBUNAL DE RECURSO
Proc. n° PP-Dfv/2006/O1
Acórdão do Colectivo de Juízes do Tribunal de Recurso composto por Cláudio Ximenes, Jacinta Correia da Costa e Maria Natércia Gusmão Pereira:
I - Vítor da Costa, Vicente Mau Boci, Adérito de Jesus, Igídio de Jesus, César Moreira, Ricardo Nheu, Armando Midar e Adolfo António Belo, apresentam petição em que pedem ao Tribunal de Recurso que
(1°) Aprecie a legalidade da eleição para a liderança do Partido FRETILIN no seu II Congresso que foi feita por votação por braço no ar, contra o disposto na lei 3/2004 (Sobre os Partidos Políticos), bem como a legitimidade da actual liderança;
(2°) Considere legal o artigo 17, n° 2, dos Estatutos da FRETILIN que permite a eleição da liderança do partido por braço no ar;
(3°) Ordene à FRETILIN que realize congresso extraordinário para a eleição da nova liderança de acordo com os princípios da Lei 3/2004;
(4°) A decisão seja tomada de imediato, tendo em conta a actual crise política.
Na parte que aqui interessa alegam os autores da impugnação que
1. Em 18 de Maio de 2006 o II Congresso do Partido FRETILIN adoptou o método de votação por braço no ar para eleger a liderança do Partido: o Presidente e o Secretário Geral, de acordo com o disposto no artigo 17°, n° 2, dos Estatutos do Partido, que diz: "Pode haver opção pela votação de braço no ar se para tal for proposto por 10% dos delegados ou membros presentes dos órgãos e aprovado pela maioria" .
2. O referido artigo 17°, n° 2, contraria o disposto no número 1 do mesmo artigo, que diz: 'O voto é pessoal, directo e secreto, nas eleições para os cargos dos "órgãos da FRETILIN a todos os níveis".
3. A eleição no II Congresso, por votação por braço no ar, de Mari Alkatiri para Secretário Geral e de Francisco Guterros Lu-Olo para Presidente, ambos da FRETILIN, é ilegal porque
a) O artigo 18° - c), da Loi 3/2004 estabelece que "os titulares dos órgãos de direcção (dos partidos políticos) só podem ser eleitos por voto directo e secreto do todos os filiados ou de assembleia deles representativa":
b) Tem sido prática do Partido FRETILIN desde 1974 a sua liderança ser eleita por voto directo e secreto;
c) Os delegados que participaram no Congresso foram eleitos por voto secreto;
d) O Presidente da República disse no seu discurso à nação de 22 de Junho de 2006 que a eleição da liderança da FRETILIN era ilegal por ter sido feita por votação por braço no ar;
e) A eleição por braço no ar não dá liberdade aos delegados para expressar a sua convicção política porque sempre existo pressão psicológica, política, física por parte de quem tem o poder, e, como tal, pode matar o espírito democrático consagrado na constituição e na lei de Timor-Leste.
Não obstante os requerentes terem pedido uma tomada de decisão imediata por parte do Tribunal, tinha que se dar cumprimento ao princípio do contraditório a dar à parte contrária o direito de resposta antes da decisão.
Notificada, a FRETILIN, através da sua liderança, apresentou atempadamente a sua resposta, defendendo a improcedência da impugnação.
Diz que o pedido deve ser indeferido porque
1. No Congresso da FRETILIN participaram 577 delegados dos 586 que foram convocados;
2. Votararn a favor de Francisco Cuterres Lu-Olo para Presidente e Mari Alkatiri para Secretário Geral da FRETILIN 550 dos delegados que votaram no acto:
3. De acordo com o artigo 55°, n°s 1 e 2, dos Estatutos da FRETILIN, qualquer lista concorrente para os cargos de Presidente e Secretário Geral deve ser subscrita por 20% dos delegados;
4. A lista de Francisco Guterres Lu-Olo para Presidente e Mari Alkatiri para Secretário Geral foi proposta por 515 dos delegados ao Congresso;
5. Os delegados que não apoiaram essa lista representavam menos de 20% dos delegados participantes, pelo que matematicamente não era possível a existência de outra lista concorrente;
6. Se o legislador quisesse limitar a sistema de eleição dos titulares dos órgaos de direcção dos partidos ao sistema de voto directo e secreto não poderia admitir a eleição através de assembleia representativa, que é um voto indirecto;
6. Se o legislador quisesse através da alínea c) do artigo 18° o Iei 3/2004, de 14 de Abril, limitar a eleição dos titulares dos Órgãos de direcção dos partidos ao sistema de voto directo e secreto teria sirnplesmente dito que os titulares dos órgãos de direcção só podern se eleitos por voto directo e secreto, ou ainda, pessoal, directo e secreto; se essa tivesse sido a opção do legislador os órgãos de direcção teriam que ser eleitos directamente por voto secreto de todos os filiados, não abrindo a hipótese de votação por via indirecta, através de uma assembleia que no caso é o Congresso;
7. Ao dizer o que disse na alínea c) do artigo 16°, o entendimento deve ser o da necessidade de se marcar a diferença, isto é, quando o voto é por todos os filiados deve ser directo e secreto, mas quando é por assembleia representativa (de mandatários) em nome da transparência e, obedecendo à conjuntura política e social, aos delegado são Congresso se deve conferir a decisão da escolha do sistema de votação, para que melhor possam responder perante os seus mandantes ou eleitorado;
8. No primeiro Congresso da FRETILIN, em 2001, os delegados optaram pelo voto secreto; antes disso houve duas Conferências Nacionais, uma em 1981, em Timor-Leste, em que se desconhece o método de votação utilizado, e outra em 1998, em Sydney, Austrália, em que se adoptou o voto por braço no ar;
9. É verdade que os delegados ao Congresso foram eleitos por voto directo e secreto dos filiados;
10. A opinião do Presidente da República não pode servir de argumento para "ilegitimar" actos de Congresso de qualquer partido político,visto que a decisão sobre essa questão cabe ao Tribunal de Recurso, nos termos do artigo 29°, n° 2, da Lei 3/2004;
11. A ratio do artigo 17° dos Estatutos aprovados no II Congresso da FRETILIN é a seguinte:
a) Quando se refere ao "voto pessoal, directo e secreto" quer-se dizer, em termos de regra, o voto de todos os militantes chamados a exercê-lo directa e pessoalmente, como acontece com a eleição dos delegados ao Congresso;
b) Os delegados ao aceitarem representar os delegantes devem fazê-lo ou querer fazê-lo na linha e no sentido do voto conferido pelos mandantes. A ser assim, podem preferir um acto mais aberto, mais transparente e tão democrático quanto o voto secreto e directo;
c) Nessa linha de pensamento é legítimo que os delegados tenham preferido no II Congresso o voto de braço no ar.
Alega ainda a FRETILIN que a impugnação da decisão deu entrada no tribunal muito depois do prazo legal para o efeito, e, portanto, as eleições impugnadas se convalidaram e são totalmente válidas e inquestionáveis.
Notificados os requerentes da resposta e documentos que a acompanharam vieram eles pronunciar-se nos termos do requerimento que se encontra nos autos, nomeadamente sobre a questão da extemporaneidade da impugnacão.
Cumpre apreciar e decidir
São as seguintes as questões que o Tribunal do Recurso deve decidir:
(a) Se o Tribunal de Recurso é competente para decidir da petição apresentada; (b) Se é obrigatório o recurso prévio à Comissão Nacional de Jurisdição a quem, nos termos do art° 79°, n° 1 — e), dos Estatutos do partido, compete instruir e julgar os processos de validade das deliberações dos órgãos nacionais e distritais da FRETILIN, e qual a consequência da eventual preterição dessa instância;(c)Se a impugnação da deliberação do II Congresso da FRETILIN foi apresentada dentro do prazo legal e qual a consequência da sua não apresentação atempada; (d) Se o artigo 17°, n° 2, dos Estatutos da FRETILIN, que permite a eleição por braço no ar, viola o artigo 18° - c) da [ci 3/2004; (e) Se a eleição por votação por braço no ar de Francisco Guterres Lu-Olo para Presidente e Mari Alkatiri para Secretário Geral da FRETILIN, contraria o disposto na Lei 3/2004,e envolve a ilegitimidade da actual liderança destes;(f) Se o tribunal pode ordenar ao Partido FRETILIN que realize congresso extraordinário para a escolha de nova liderança.
II - Os factos provados
São os seguintes os factos relevantes para a decisão que o Tribunal considera provados:
O Partido FRETILIN realizou o seu II Congresso, em Díli, nos dias 17, 18 e 19 de Maio de 2006;
Nesse Congresso foram aprovados os estatutos do partido, de que se encontra texto integral nos autos;
Nesses estatutos está escrito no seu artigo 17°, entre outras coisas, o seguinte:
"1. 0 voto é pessoal, directo e secreto nas eleições para os cargos dos órgãos da FRETILIN a todos os níveis. 2. Pode haver a votação de braço no ar se para tal for proposto por 10% dos delegados ou membros presentes dos órgãos e aprovados pela maioria";e no seu artigo 55°,entre outras coisas,o seguinte:"1. O Presidente e o Secretário Geral da FRETILIN são eleitos pelo Congresso Nacional em lista única fechada. 2. As listas únicas são propostas por um número mínimo de 20% dos Delegados ao Congresso".
Nesse Congresso foi apresentada apenas uma lista única de candidatos para Presidente e Secretário Geral da FRETILIN, integrada por Francisco Guterres Lu-Olo para o cargo de Presidente e Mari Alkatiri para o cargo de Secretário Geral.
Nesse Congresso participaram 577 delegados dos 586 que foram convocados;
A lista de Francisco Guterres Lu-Olo para Presidente e Mari Alkatiri para Secretário Geral foi proposta e apoiada por 515 dos delegados ao Congresso;
Votaram a favor de Francisco Guterres Lu-Olo para Presidente e Mari Alkatiri para Secretário Geral da FRETILIN 550 delegados ao Congresso;
O requerimento em que se impugna essa eleição entrou no Tribunal de Recurso em 6 de Julho de 2006.
IV - A competência do Tribunal de Recurso
Os requerentes dirigiram o pedido de impugnação de decisão tomada pelo II Congresso do Partido FRETILIN ao Tribunal de Recurso, dizendo que essa decisão violou o artigo 18° - c) da Lei 3/2004 (sobre os partidos políticos).
O artigo 29° da citada lei diz que
"1. O tribunal competente para a presente lei é o Supremo Tribunal de Justiça.
2. Enquanto o Supremo Tribunal de Justiça não estiver instalado a iniciar funções, as competências previstas na presente lei seräo exercidas transitoriamente polo Tribunal Superior de Recurso em colectivo exclusivamente composto por magistrados judiciais nacionais."
Não obstante a expressão "Tribunal Superior de Recurso" utilizada no número 2 desse artigo, não temos dúvida de que o legislador querer referir-se ao Tribunal de Recurso, que era a instância judicial máxima em funções em Timor-Leste aquando da entrada em vigor da Constituição timorense e continua a sê-lo hoje, por força do disposto no artigo 164° desse diploma legal, conjugado com os artigo 14 do Regulamento 11/2000, alterado pelo Regulamento 25/2001, todos da UNTAET, e 110°, n° 2, da Lei 8/2002, de 20 de Setembro, na redacção dada pela Lei 11/2004.
O Colectivo que está a decidir dessa questão é composto por três Juízes de nacionalidade timorense, em cumprimento do disposto no número 2 do referido artigo 29°. Para completar o número de juízes nacionais exigido por lei, o Conselho Superior da Magistratura Judicial indicou para integrar esse colectivo a juiza estagiária Maria Natércia Gusmäo Pereira, nos termos do referido artigo 110°, no 2, da Lei 8/2002.
Portanto, o Tribunal de Recurso tem competência para conhecer da petição e o Colectivo de Juízes tem a composição exigida por lei.
V - Preterição do recurso prévio à Comissão Nacional de Jurisdição
Não há indicação nos autos de que, antes de se dirigir ao tribunal, os requerentes tivessem recorrido à Comissão Nacional de Jurisdição da FRETILIN, a quern. nos termos do art° 79°, n° 1 — e), dos Estatutos do partido, compete instruir e julgar os processos de validade das deliberações dos seus órgãos nacionais e distritais.
No entanto, não há disposição legal ou estatutária a obrigar o recurso prévio a esse órgão antes de provocar a intervenção do tribunal; e, na falta dessa disposição legal ou estatutária, entende este Colectivo de Juízes que a preterição dessa instância não pode impedir o recurso ao tribunal.
VI - A extemporaneidade da apresentação da impugnação no tribunal
A FRETILIN alega na sua resposta que quando os requerentes apresentaram no tribunal a impugnação das eleições para os cargos de Presidente e Secretário Geral já tinha passado há muito o prazo legal para o efeito, e, portanto, as eleições impugnadas se convalidaram e são totalmente válidas e inquestionáveis. Argumenta que, nada prevendo a lei sobre os partidos políticos ou outra lei que se aplique ao caso, a norma que regula o prazo para a impugnacão judicial das deliberações dos partidos políticos ser a prevista do Código do Processo Civil no seu artigo 119°, n° 1, que detemina que é de dez dias o prazo geral para a prática de actos processuais, na falta de prazo específico, e no seu artigo 109° que deterrnina que o prazo processual e continuo.
Na verdade a referida Lei 3/2004 nada estabelece sobre a prazo para a impugnação ou arguição da violação das suas normas; nem existe outra norma específica aplicável ao caso. Assim, o tribunal tem que preencher essa lacuna da lei aplicando subsidiariamente a norma do Código de Processo Civil sobre os prazos. Neste código encontramos o artigo 119°, n° 1, que diz: na falta de disposição especial, é de dez dias o prazo para as partes requererem qualquer acto ou diligência, arguirem nulidades, deduzirem incidentes ou, exercerem qualquer outro poder processual' e o artigo 109°, que diz: o prazo processual é contínuo, suspendendo-se apenas durante as férias judiciais.
Tendo em conta que o Congresso começou em 17 e terminou a 19 de Maio de 2006, quando em 6 de Julho de 2006 a petição da impugnação da eleição feita nesse Congresso entrou no Tribunal de Recurso, já tinham decorrido, pelo menos, 48 dias sobre a data da eleição.
Os requerentes não deram qualquer justificação válida para o facto de só terem apresentado a impugnação naquela data. Alegam apenas, por um lado, que a instabilidade política de Maio e Junho afectou o seu esforço legal, e, por outro, que tinham invocado na impugnação a nulidade absoluta com base no artigo 48° da Constituição.
Sobre o ter a instabilidade política do país afectado o esforço legal dos requerentes, este Colectivo de Juízes não consegue perceber em que é que a instabilidade política do país afectou o esforço legal dos requerentes, nem o que eles querem dizer por "esforça legal".
Se é verdade que o país tem passado por uma situação de perturbação e insegurança, sobretudo na semana que se seguiu à da realização do Congresso da FRETILIN, o certo é que os tribunais continuaram abertos ao público e as requerentes nada alegam nem demonstram que essa situação as impediu totalmente de se dirigir ao Tribunal e apresentar o requerimento de impugnação no prazo devido , de modo a poder beneficiar do mecanismo de justo impedimento previsto no artigo 111 do Código do Processo Civil.
Além disso, a partir da chegada a Tirnor-Leste das forças intemacionais, no dia 26 de Maio, menos razão havia a situação do país constituir um impedimento para os requerentes o fazerem. Finalmente se a decisão da impugnação é tão importante para a resolução da crise política que Timor-Leste atravessa, como os requerentes sugerern no final do seu requerimento inicial, menos ainda se compreende por que demoraram eles 48 dias a apresentar a impugnação que deveriam ter apresantado no prazo de 10 dias.
Sobre o terem os requerentes invocado na impugnação a nulidade absoluta com base no artigo 48° da Constituição, o Colectivo de Juízes não consegue perceber a relação que existe entre a nulidade absoluta no art° 48.° da Constituição nem o que é o direito de petição consagrado nesse artigo tem a ver com o prazo para a apresentação da impugnação. Sobre a alegada invocação da "nulidade absoluta" na impugnação, o que se pode encontrar no requerimento inicial dos requerentes eles é que aí não falam da nulidade absoluta mas da anulação, sendo certo que juridicamente nulidade absoluta e anulação são coisas diferentes. O certo é que, como veremos mais à frente, não há lugar, quer à nulidade ou quer à anulabilidade da eleição impugnada, por ela não violar o citado artigo 18° - c) da Lei 3/2004 ou qualquar outra norma.
Decorrido que está o prazo em que os requerentes podem impugnar a eleição do Presidente e Secretário Geral da FRETILIN, esta já não pode mais ser posta em causa, convalidando-se definitivamente; o tribunal já não pode conhecer do pedido feito pelos requerentes.
Não obstante a extemporaneidade da impugnação impedir o tribunal da conhecer do fundo da questão, entenda este Colectivo de Juízes por bem analisar também as questões substanciais levantadas no processo para melhor esclarecer sobre a validada dos argumentos apresentados pelos requerentes no requerirnento de impugnação.
VII - O artigo 17°, n° 2, dos Estatutos e o artigo 18° - c) da Lei 3/2004
Os requerentes alegam como fundamento da impugnação da eleição da liderança da FRETILIN a violação do artigo 18° -c) da Lei 3/2004 pelo artigo 17°, n° 2, dos Estatutos da FRETILIN, que permite a eleição do Presidente e Secretário Geral da FRETILIN por votação por braço no ar e a utilização do voto por braço no ar nessa eleição.
Apresentam vários argumentos que iremos analisar a começar pelos menos relevantes, deixando para o fim o que carece de maior explicação.
O primeiro dos argumentos invocados pelos requerentes a favor da sua tese é o de que o artigo 17°, n° 2, dos Estatutos da FRETILIN contraria o disposto no número 1 do mesmo artigo, que diz: "O voto é pessoal, directo e secreto, nas eleições para os cargos dos órgãos da FRETILIN a todos os níveis".
Sobre esse argumento o que se pode dizer é que quem leia o artigo 17°, mesmo que não tenha qualquer formação jurídica, não terá dificuldade em ver que a norma do seu número 2 contém uma excepção à regra constante do seu número 1; mas também não terá certamente dificuldade em se lembrar do ditado popular "nao há regra sem excepção", que quer precisamente dizer que todas as regras têm sempre uma excepção. Quem já alguma vez tenha lido estatutos, leis ou outros instrumentos normativos de certeza já se deparou com vários artigos contendo num dos seus números a norma que estabelece a regra e noutro a norma que estabelece a excepção. O facto de o artigo 17° conter ao mesmo tempo uma regra no seu número 1 e uma excepção no seu número 2 nada adianta sobre o questão de saber se o artigo 17°, n° 2, dos Estatutos da FRETILIN viola o artigo 18° - c) da Lei 3/2004.
Um segundo argumento é o de que tem sido prática do Partido FRETILIN desde 1974 a sua liderança ser eleita por voto directo e secreto.
Sobre este argumento basta dizer, primeiro, que a FRETILIN contesta a afirmação de que tem sido prática à sua liderança ser eleita por voto directo e secreto e os requerentes não cumpriram o ónus de provar o que alegam ; segundo, que, mesmo estando provada essa prática, ela é irrelevante para a questão de saber se o artigo 17°, n° 2, dos Estatutos da FRETILIN viola o artigo 18° - c) da Lei 3/2004, por não haver norma legal ou estatutária que obrigue o partido a eleger a sua liderança de acordo com a sua prática anterior .
Um terceiro argumento o de que os delegados que participaram no congresso foram eleitos por voto secreto.
Sobre este argumento diremos apenas que o facto de os delegados que participaram no congresso terem sido eleitos por voto secreto não implica que a eleição do Presidente e do Secretário Geral da FRETILIN devam ser eleitos por voto secreto .
Um quarto argumento é o de que o Presidente da República disse no seu discurso à nação de 22 de Junho de 2006 que a eleição da liderança da FRETILIN era ilegal por ter sido feita por votação por braço no ar .
Sobre esse argumento diremos que essa declaração só pode ter valor de uma opinião, visto que nem a Lei nem a Constituição atribui ao Presidente da República competência para declarar a ilegalidade da liderança de qualquer partido . Por outro lado o Tribunal não pode basear-se nessa opinião para decidir sobre esta impugnação, antes tem que fazê-la de acordo com os factos provados e a lei aplicável ao caso (artigos 119° e 120°, n° 2, da Constituição).
Um quinto argumento é o de que a eleição por braço no ar não dá liberdade aos delegados para expressar a sua convicção política porque sempre existe pressão psicológica, política, física por parte de quem tem o poder, e, como tal, pode matar o espírito democrático consagrado na constituição e na lei de Timor-Leste.
Sobre esse argumento diremos que não é de aceitar a afirmação categórica de que a eleição por braço no ar nunca dá liberdade dos delegados para manifestar a sua convicção política, embora se reconheça uma certa dose do risco de essa forma de voto poder afectar a liberdade do votante e a necessidade de imposição do voto secreto em determinadas situações. Mas, quando se trata de eleição através de delegados em Congresso, como é caso, a utilização do método do braço no ar tem a virtualidade de conferir maior transparência, a par do controlo dos filiados sobre os delegados que eles escolheram, controlo que voto secreto não permitiria.
O úlltimo argumento dos requerentes a favor de violação da alínea c) do artigo 18° da Lei 3/2004, que deve merecer maior atenção deste Colectivo de Juízes, é o próprio texto dessa alínea que diz: "os titulares dos órgãos de direcção só podem ser eleitos, por voto directo e secreto de todos os filiados ou de assembleia deles representativa".
É no texto desta alínea que assenta basicamente a impugnação, e será através da descoberta do significado desse texto, por via da sua interpretação, que se pode encontrar a resposta à questão de fundo.
Sem entrarmos em grandes explicações teóricas, importa indicar aqui alguns princípios que devem orientar este Colectivo na interpretação da Lei:
(a) A interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada;
(b) Não pode ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso;
(c) Na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete deve presumir que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.
Para a compreensão do sentido do texto referido convém dizermos aqui muito sumariamente o que é o voto, o que significa voto directo e o que significa voto secreto na perspectiva que aqui interessa, ou seja, como forma de escolha dos titulares do órgãos de um partido ou do país e de exercício do poder político pelos cidadãos.
O voto é o acto pelo qual os cidadãos escolhem quem eles querem que governe o país ou os filiados de um partido escolhem quem eles querem que lidere o partido. É regra básica da democracia a submissão à vontade da maioria traduzida através do voto [1].
O voto pode assumir duas formas: voto directo e voto indirecto.
Como diz o Professor Gomes Canotilho, "O voto directo ou imediato significa que o voto tem de resultar «imediatamente» da manifestação de vontade do eleitor, sem intervenção de «grandes eleitores» ou de qualquer vontade alheia. Por outras palavras: a imediaticidade do sufrágio garante ao cidadão activo a «primeira» e a «última pa1avra», pois os eleitores dão directamente o seu voto aos cidadãos (incluidos ou não em listas) cuja eleição constitui escopo último de todo o procedimento eleitoral. No sufrágio indirecto ou mediato, os eleitores limitam-se a eleger um colégio de delegados eleitorais («grandes eleitores») que, por sua vez, escolherão os candidatos para os diversos órgãos do poder político"[2]
Olhando pare a alínea c) do artigo 18° da Lei 3/2004, vemos que ela permite a utilização das duas formas de voto na eleição dos órgãos de direcção dos partidos: (a) o voto directo, de todos os filiados; (b) o voto indirecto, através de assembleia representativa dos filiados. Na primeira forma de eleição os próprios filiados escolhem directamente os órgãos de direcção do partido; na segunda forma de eleição os filiados escolhem delegados que, por sua vez, irão escolher, numa assembleia, os titulares dos órgãos de direcção, em representação deles.
Olhando para o conceito de voto directo e voto indirecto (sufrágio indirecto, na expressão utilizada por Gomes Canotilho) vemos que, pela sua própria natureza, o voto da assembleia representativa dos filiados nunca pode ser voto directo, é sempre indirecto. Portanto, quando a alínea c) do artigo 18° fala em voto directo só pode querer referir-se ao voto dos filiados, não pode querer referir-se ao voto do delegado que numa assembleia representa os filiados que o elegeram — o voto feito pelo delegado nunca pode ser voto directo, só pode ser um voto indirecto.
Por sua vez, no voto secreto não é possível saber em quem votou o filiado ou o delegado que representa os filiados que o escolheram. O contrário do voto secreto é o voto não secreto em que é possível saber em quem votou o filiado ou o delegado. O voto por braço no ar é, sem dúvida alguma, um voto não secreto.
Voltando à análise do texto da alínea c) do artigo 18°, vemos que, a propósito do voto dos filiados, essa alínea diz, sem qualquer dúvida, que ele tem que "directo e secreto". E sobre o voto da assembeia representativa dos filiados, quererá a alínea c) do artigo 18° dizer que também ele tem que ser "directo e secreto"? A resposta só pode ser negativa. Pois, pela sua própria natureza, o voto da assembleia representativa nunca pode ser directo, será sempre indirecto. O legislador nunca poderá impor que o voto da assembleia representativa dos filiados seja directo, uma vez que esse voto, por natureza, nunca poderia ser directo. Ao admitir que os titulares dos órgãos de direcção podem ser eleitos também por voto de assembleia representativa dos filiados o legislador só pode querer dizer que admite que os titulares dos órgãos de direcção sejam eleitos através de voto indirecto; e, ao admitir isso, não pode impor os requisitos (directo e secreto) que exige para o voto dos filiados.
Daqui temos que tirar as seguintes conclusões, que darão resposta às questões que este Colectivo tem para decidir:
A primeira conclusão a tirar é que a alínea c) do artigo 18° estabelece dues formas de eleição: (a) uma através de voto de todos os filiados, em relação ao qual exige que seja "voto directo e secreto "; (b) outra através de voto da assembleia representativa dos filiados, em relação ao qual não pode exigir que seja directo nem exige que seja secreto.
A segunda conclusão a tirar é que, não exigindo a alínea c) do artigo 18° que o voto da assembleia representativa dos filiados seja "directo e secreto", o artigo 17°, no 2, dos Estatutos da FRETILIN não viola a alínea c) do artigo 18° da Lei 3/2004.
A terceira conclusão a tirar é que, não exigindo a alínea c) do artigo 18° que o voto da assembleia representativa dos filiados seja "directo e secreto", o Congresso da FRETILIN tinha a liberdade de adoptar o sistema de voto secreto ou o de voto não secreto para eleger os titulares dos seus orgãos de direcção do Partido.
A quarta conclusão a tirar é que o Congresso da FRETILIN não violou a alínea c) do artigo 18° ao estabelecer nos estatutos do partido a possibilidade de optar pela votação por braço no ar (voto não secreto) para a eleição do Presidente e do Secretário Geral.
A quinta conclusão a tirar é que o Congresso da FRETILIN não violou a alínea c) do artigo 18° ao eleger por votação por braço no ar (voto não secreto) Francisco Guterres Lu-Olo para Presidente e Mari Alkatiri para Secretário Geral do Partido.
A sexta conclusão a tirar é que a liderança de Francisco Guterres Lu-Olo como Presidente e Mari Akatiri como Secretário Geral da FRETILIN não é afectada na sua legitimidade por eles terem sido eleitos por voto por braço no ar.
A sétima conclusão a tirar é que não há qualquer base para o Tribunal ordenar à FRETILIN que realize congresso extraordinário para escolher nova liderança.
VIII - A consequência da eventual violação do artigo 18° da Lei 3/2004
Um última questão a abordar por este Colectivo de Juízes é o de saber qual é a consequência da violação da Lei 3/2004, nomeadamente da norma constante da alínea c) do artigo 18°.
Para responder a essa questão temos que olhar para a estrutura da norma. Em sentido próprio a norma de conduta social contém (a) uma previsão - apresenta um tipo de factualidade (evento, conduta ou relação) -. e (b) uma estatuição — liga ao facto típico, como resultado da implicação jurídica, um outro facto (outro evento e/ou a necessidade de adoptar uma determinada conduta e/ou a constituição, modificação ou extinção da relação jurídica). Às vezes a norma estabelece ainda uma sanção, comina uma reacção para o não cumprimento da estatuição, ou, dito de outro modo, prevê uma consequência que atinge quem viola a regra. Mas nem sempre existe uma específica sanção cominada à violação da estatuição de uma norma.[3]
Olhando para a norma da alínea c) do artigo 18 da Lei 3/2004, vemos que ela contém a previsão e a estatuição; mas não encontramos nesse artigo 18° ou em qualquer outra disposição dessa lei uma sanção para a sua violação.
Confrontando com outras normas jurídicas constantes da Lei 3/2004, que expressamente prevêem sanção para a sua violação (artigos 21° a 28°), parece-nos claro que o legislador, deliberadamente, não quis estabelecer uma censura juridicamente relevante para tal violação. Na ausência de uma tal tutela coactiva, não pode o tribunal, substituindo-se ao legislador, sancionar o eventual incumprimento da norma em causa. Tratando-se de norma relativa ao funcionamento intemo dos partidos, parece-nos lógico e justificado que o legislador tenha optado por remeter para as filiados e até para os cidadãos em geral a faculdade de sancionar as violações ao disposto no artigo 18°, nomeadamente na sua alínea c). Serão os filiados ou os cidadãos quem, se assim o entender, poderá sancionar, através da sua intenção de voto, o comportamento violador da norma em causa. Será política e não jurídica a censura para a violação a essa norma.
A conclusão a tirar daqui é a de que, mesmo que haja fundamento para declarar que a eleição do Presidente e do Secretário Geral foi feita com violação ao disposto artigo 18° - alínea c), da Lei 3/2004, não pode o tribunal ordenar a FRETILIN que realize congresso extraordinário para a eleição da nova liderança de acordo com os princípios da Lei 3/2004.
XIX – Conclusão
Pelo exposto, delibera este Colectivo do Juízes do Tribunal de Recurso:
1. Julgar extemporânea a impugnação da eleição da liderança da FRETILIN deduzida por Vitor da Costa, Vicente Mau Boci, Adérito do Jesus, Igídio de Jesus, César Moreira, Ricardo Nheu, Armando Midar e Adolfo António Belo, e, em face disso, declarar que o Tribunal não pode conhecer do pedido dos requerentes;
2. Declarar, contudo, que,
a) Mesmo que se considerasse que a impugnação foi deduzida dentro do prazo, a pedido dos requerentes deve ser indeferido na totalidade , visto que
- A alínea c) do artigo 18° estabelece duas formas de eleição: (a) uma através de voto do todos os filiados, em relação ao qual exige que seja "voto directo e secreto "; (b) outra através de voto da assembleia representativa dos filiados, em relação ao qual não pode exigir que seja directo nem exige que seja secreto;
- Não exigindo a alínea c) do artigo 18° que o voto da assembleia representativa dos filiados seja "directo e secreto", o artigo 17°, n° 2, dos Estatutos da FRETILIN não viola a alínea c) do artigo 18° da Lei 3/2004 ;
- Não exigindo a alínea c) do artigo 18° que o voto da assembleia representativa dos filiados seja "directo e secreto", o Congresso da FRETILIN tinha a liberdade de adoptar o sistema de voto secreto ou o do voto não secreto para eleger os titulares dos seus órgãos de direcção do Partido;
- O Congresso da FRETILIN não violou a alínea c) do artigo 18° ao estabelecer nos estatutos do partido a possibilidade de optar pela votação por braço no ar (voto não secreto) para a eleição do Presidente e do Secretário Geral;
- O Congresso da FRETILIN não violou a alínea c) do artigo 18° ao eleger por votação por braço no ar (voto não secreto) Francisco Guterres Lu-Olo para Presidente e Mari Alkatiri para Secretário Geral do Partido ;
- A liderança de Francisco Guterres Lu-Olo como Presidente e Mari Alkatiri como Secretário Geral da FRETILIN não é afectada na sua legitimidade por eles terem sido eleitos por voto por braço no ar;
- Não há qualquer base para o Tribunal ordenar à FRETILIN que realize congresso extraordinánio para escolher novo liderança
b) Mesmo que houvesse fundamento para se considerar que a eleição do Presidente e do Secretário Geral foi feita com violação ao disposto artigo 18° alínea c), da Lei 3/2004, não pode o Tribunal ordenar à FRETILIN que realize congresso extraordinário para a eleição da nova liderança do acordo com os princípios da Lei 3/2004 .
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- Notifique
Díli, 11 de Agosto do 2006
O Colectivo de Juízes do Tribunal de Recurso
Cláudio Xirnenes
Jacinta Correia da Costa
Maria Natércia Gusmão Pereira
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[1] A nossa Constituição, depois de dizer que a República Democrática de Tirnor-Leste é um Estado de direito democrático, baseado na vontade popular ( art° 1°, n° 1 ), que a soberania reside no povo, que a exerce nos termos da Constituição (art° 2°, n° 1), que o poder político radica no povo e é exercido nos termos da Constituição (art° 62°), indica expressamente em vários dos seus artigos como o povo exerce esse seu poder político. Diz que "os órgãos eleitos de soberania e do poder local são escolhidos através de eleições, mediante sufrágio universal, livre, directo. secreto, pessoal e periódico" (art° 65°, n° I); que "os partidos políticos participam nos Órgãos do poder político de acordo com a sua representatividade democrática, baseada no sufrágio universal e directo (art° 70, n° 1); que "o Presidente da República é eleito por sufrágio universal, livre, directo, secreto e pessoal" (art° 76°, n° 1); que "o Parlamento Nacional é eleito por sufrágio universal, livre, directo, igual, secreto e pessoal" (art° 93, n° I); que "O Primeiro-Ministro é indigitado pelo partido mais votado ou pela aliança de partidos com maioria parlamentar e nomeado pelo Presidente da República ouvidos os partidos políticos representados no Parlamento Nacional' (ad° 106°. n° 1).
Em suma, em democracia é através do voto que os cidadãos exercem o poder soberano e político que a constituição lhe atribui, escolhem o Presidente da República e o Parlamento e determinam quem deve chefiar o Govemo. A lei 3/2004 define os partidos políticos como "organizações de cidadãos de carácter peremanente, como o objectivo de participar democraticamente na vida do país e de concorrer para a formação e expressão da vontade política do povo, em conformidade com as leis e com os respectivos estatutos e programas, intervindo nomeadamente no processo eleitoral mediante a apresentação ou o patrocínio de candidaturas" (art° 1°, n 1 ) e impõe que a organização intema deles obedeçam a regras democráticas, nomeadamente que os estatutos e programas políticos sejam aprovados pela totalidade dos membros filiados ou pelos Orgãos representativos (art° 18° - a)) e que os titulares dos Orgãos de direcção só podem ser eleitos, por voto directo e secreto de todos os filiados ou de assembleia deles representativa.
[2] 2 J• J• Gornes Canotilho — Direito Constitucional e Teoria da Constituição. Almedina. 4 edição. pág. 300
Posted by Malai Azul 2 1:47 da manhã