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quarta-feira, julho 12, 2006 

Quem tudo quer… tudo perde!


Em algumas das encostas montanhosas de Timor-leste, mais propriamente nas que se situam próximo do leito de ribeiras, existem algumas grutas que são, muitas delas, verdadeiras obras de arte de estalactites e estalagmites.
No tempo da ocupação, porém, muitas dessas grutas foram vandalizadas porque os indonésios acreditavam no poder curativo e, dizem, afrodisíaco das estalactites e estalagmites e quase as destruíram. Reduziam-nas a pó que depois ingeriam. Desconhece-se se a magia das “pedras” transmitiram um pedaço que fosse de delicadeza e de ternura àqueles seres de espírito tortuoso e agressivo!
Essas grutas, húmidas, fascinam os curiosos que adivinham mistérios em volta daquelas “pedras” estilizadas pelo tempo. Para lá delas, acredita-se, há caminhos secretos que transportam os iluminados pela sorte até ao centro da Terra. E os enchem de ouro e pedrarias! De sabedoria!
O centro da Terra ou morada dos deuses é inacessível ao comum dos mortais. E o lado mais fundo da sua antecâmara, a gruta, está igualmente vedado aos seres comuns. Apenas se pode permanecer na sua parte frontal, do que está escancarado ao olhar de todos! Mas, ai de quem tenha a veleidade de passar a fronteira! Desafortunado de quem vislumbrar a morada, mesmo que ao acaso, sem a aprovação dos deuses que ali moram!
Em Timor-Leste, os deuses, a quem também há quem chame Rai Nain, ou seja, os donos da Terra, tomam as formas mais variadas. Manifestam-se sob natureza diversa, da árvore, à água, à pedra… Podem ser homem, mulher, cobra, crocodilo…
Ora numa gruta quase no sopé de uma zona montanhosa, de vegetação luxuriante, com cheiro a café e a canela, de bambus a menearem-se suavemente pelo sopro do vento, bem próximo de uma ribeira afluente da Lóis, viviam os deuses ou Rai Nain que aí tomam a forma de cobra. Não são grandes, asseveram os habitantes da zona, mas possuem um “corpo” volumoso num tronco relativamente curto. Sabe-se que são deuses, diferentes das demais jibóias que por ali pululam, porque têm um sinal a diferençá-las das suas súbditas cobras.
O macho, o Bere-Heto, ostenta acima dos olhos um sol de oiro. A fêmea, a D. Maria, é ligeiramente menos rica, uma vez que apenas ostenta uma lua, igualmente em ouro. Ambas são majestosas, veneradas naquela zona próximo da qual até as vozes viram murmúrio, os risos perdem a intensidade, as cabeças se curvam em sinal de respeito!
Um dia, um jovem trabalhador rural de nome Eugénio, filho único bem querido, bem parecido, alto, namoradeiro e cobiçado pelas feto-ran*, da zona, entendeu querer apropriar-se do sol de oiro de Bere-Heto. Ambicioso, pensou que assim se tornaria muito e mais depressa do que se seguisse o curso normal da vida rico para casar com mais do que uma mulher! Pelo menos duas! E ele até já as tinha debaixo de olho!
Fez-se a caminho, de madrugada, acompanhado do seu cão de guarda, cuja tarefa era justamente a de matar o deus-cobra.
Surpreendido no interior da gruta pelo seu imponente morador, Eugénio titubeou mas respondeu às perguntas de Bere-Heto. Confessou-lhe os seus intentos. E, bem assim, os seus anseios de homem viril, inquieto, ávido por feminina companheira.
Bere-Heto não teve qualquer tipo de complacência e, logo ali, envolveu o cão no seu curto mas musculado corpo, partiu-lhe os ossos, transformou-o numa massa disforme e dele fez a sua refeição do dia.
Permitiu, contudo, a Eugénio, que voltasse a casa. Apenas lhe impôs silêncio. Mas Eugénio relatou a história à mãe, pedindo-lhe o máximo segredo, não fosse ela também vítima de castigo do Rai-Nain Bere-Heto!
E a mãe falou ao pai. E o pai contou a um amigo… O segredo deixou de o ser; os curiosos desrespeitosos irromperam pela gruta adentro na expectativa de ver Bere-Heto e D. Maria que tiveram de se exilar para o mais profundo do centro da Terra até que os mortais se convencessem de que tudo era apenas fruto da imaginação de Eugénio e de sua mãe.
Porém, Eugénio nunca foi mais foi o mesmo. Tornou-se triste, perdeu a exuberância que era sua imagem de marca. Passados uns tempos, depois de um longo período de apatia, de desinteresse pela vida, Eugénio partiu, deixando os pais entregues à dor profunda de o perder.
Em sonhos, o deus-cobra explicou à Sofia, angustiada mãe de Eugénio o porquê daquele castigo exemplar. Falou-lhe à razão, que o coração de Sofia, esse, de tão completamente partido, ficara incapaz de ouvir o que quer que fosse…
Disse-lhe que Eugénio tinha o sustento garantido para o resto da Vida. Era só manter o trabalho! Que ia conseguir duas mulheres, pelo menos. Mulheres, mães dos seus filhos, estavam destinadas a ser o consolo dos dias da sua velhice, preparadas para lhe dar carinho e aquecê-lo nas frias noites da montanha. Bere-Heto acrescentou até que Eugénio iria ter dinheiro suficiente para pagar o barlaque, comprar vacas, cabritos e porcos e dois terrenos, um para cada uma das esposas.
- O problema, Sofia - disse Bere-Heto à mãe chorosa - é que Eugénio foi demasiado ambicioso. Não soube dar tempo ao tempo. Não quis esperar. Não olhou a meios para atingir os fins. Nem sequer reflectiu sobre o resultado das suas acções e predispôs-se a matar-me e à D. Maria! Não cuidou de saber da vossa dor. Apenas pretendia riqueza, ouro, poder.
Sofia, posso ajudar quem me procure, quem invoque o meu nome. Só não perdoo quem mate em nome da ambição pela riqueza e pelo poder. A esses, Sofia, aplico o castigo máximo: Quem tudo quer, tudo perde!

* Feto ran- donzela, adolescente

Agressividade Humana

A agressividade humana é resultado inerente à sua animalidade ainda vigente. O homem primitivo necessitava dessa agressividade para sobreviver às intempéries e à vida selvagem do Planeta Terra apoiando-se nela como arma que o protegia e fortalecia.
Com o decorrer dos séculos o homem passou a usar mais a razão do que a força física acrescentando à violência física numa violência mais moral e psicológica. Nesta segunda fase da agressividade humana o homem usa-a para reinar e oprimir estabelecendo uma barreira intransponível entre os mais fortes e os mais fracos.
Milénios afora e o homem só, gota a gota, se livra da agressividade, transportando-a consigo, diariamente, como se fosse um talismã que o protege do outro ser humano que é tratado como um inimigo e não com um irmão.
A agressividade humana é a força que se opõe ao Amor Universal, é aquela que cria as barreiras, os muros, as fronteiras entre os povos, países, culturas enfim, irmãos.
A agressividade é característica a descartar numa sociedade fraterna, que não a vive pois não a concebe nem admite sequer a sua existência.
O espírito precisa de se auto transformar libertando-se de muitas características que advêm do orgulho e do egoísmo. A agressividade é uma delas!


12 de Julho de 2006
Cristina Brandão Lavender

Adoro estes contos. Podes continuar.

http://forum-haksesuk.blogspot.com/2006/07/esquadro-da-morte-de-alkatiri-3.html

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