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quinta-feira, julho 06, 2006 

Domingos, vendedor de tangerinas


Em Díli, para além da banca do mercado, a fruta é vendida nas ruas por vendedores ambulantes que transportam a mercadoria presa por fitas de plástico de várias cores a um tronco de madeira que trazem atravessado sobre os ombros.
Tal como quase todos os vendedores ambulantes de fruta, Domingos tem 14 anos, muito franzinos, e estuda. Cabelo crestado do sol, olhar vivo, empoeirado…
Viu uns carros por perto e ei-lo em grande correria, vendendo o seu peixe, que é como quem diz, as suas tangerinas.
Ao sol escaldante do meio-dia, Domingos corre em direcção às potenciais compradoras.
Sorriso aberto, atira: Tangerina! Tali ida, satu dólar (1).
Aviso-o de que é melhor dizer-me em tétum o preço da fruta. Não sei falar bahasa indonésio, explico.
Nem pensa duas vezes e atira de novo, desta vez com o preço em bom português, tali ida, um dólar!
Cada corda tem quatro a cinco tangerinas e o preço varia de acordo com o tamanho. Grandes, um dólar, pequenas, 50 cêntimos.
Resolvo conversar um pedaço com ele.
- Não achas que estás a vender demasiado caro?
- Pois é, majemenus,(2) mas é que eu já as compro caras…
- E eu ainda ontem te comprei três cordas!
Ensaia um ar de enfado. Percebe imediatamente que não é por aí. Muda o ar. Envereda por outro atalho. Agora temos a versão cansaço. E pede-me:
- Tia – entendo logo que já não tenho idade para ser tratada por mana… - compre-me lá uma corda deste lado e outra daquele, diz apontando para as extremidades direita e esquerda do tronco que traz atravessado sobre os seus frágeis ombros. Isto está muito pesado!
Corpo franzino, ombros frágeis, costas curvadas… percebe-se o que lhe custa suportar o peso que traz!
Faço-lhe a vontade. São todas iguais, mas entro no jogo, pergunto se são doces ( oh, sim, muito doces!) peço-lhe e ele permite-me que escolha as cordas de tangerina. E depois ficamos a conversar um pedaço.
- Olha lá, com esta insegurança, porque não ficas em casa?
- Porque preciso de estudar e tenho de arranjar dinheiro para isso. E também para a família .E ainda porque agora “estou de feriado”.
- E não tens medo?
Sim, diz-me que sim. Mas tem de “buka vida, fila liman” (3)…
Domingos dá a conhecer o seu dia-a-dia. Pernoita em casa de um tio em Taibessi, de madrugada faz a pé alguns quilómetros até Lekidoi (localidade a caminho de Aileu) onde compra as benditas tangerinas, melhor dizendo, onde vai buscar as tangerinas de uma árvore já comprada e reservada mal se adivinha a qualidade e a quantidade da fruta na época. Volta para a cidade. Só regressa a casa do tio depois de vender tudo. A sorte, disse-me ainda, é que não lhe incendiaram a casa!
Desprendida a língua, revela que em dias de sorte chega a vender entre dez e quinze dólares, só que, uma boa parte é para o dono da tangerineira lá em Lekidoi. A ele, à sua família, cabe-lhes apenas uma pequena comissão…
Naquele intervalo e de uma só assentada, Domingos sentiu os seus ombros aliviadas de oito cordas de tangerina.
E amanhã, como será? Bem, amanhã, é outro dia!

(1) Tali ida, satu dólar – uma corda, um dólar
(2) Majemenus – versão timorense de mais ou menos
(3) buka vida, fila liman – fazer pela vida, fazer negócio