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domingo, julho 09, 2006 

E, todavia, tudo voltou ao normal…

Aparentemente, a situação está mais calma. Os mercados exibem as suas bancas de legumes e fruta. Só é pena é que o número de compradores não corresponda à diversidade exposta!
Como nos bons tempos de tranquilidade, as ruas transbordam de gente. Os mais jovens movimentam-se nas bicicletas numa deambulação sem fim, para a frente, para trás, às voltinhas... As meninas volteiam nas suas saias curtas, blusinha e calças à moda. A sedução anda à solta! É tempo dele, reconheça-se. Viva a juventude!
Na marginal, desde a praia dos Coqueiros à praia da Areia Branca, a maré baixa é pretexto para a apanha de frutos do mar, com famílias inteiras munidas de balde horas a fio em busca de um qualquer ser minúsculo vivo que sirva de ementa do jantar.
Polícias australianos iniciaram ontem a reposição de alguma ordem no caótico trânsito de Díli, obrigando ao retorno do cumprimento de regras de trânsito no qual a falta de civismo é apenas um reflexo da total anarquia que reina no pais, em que ninguém parece respeitar ninguém.
Na cidade há patrulhas periódicas de militares. Portugueses, australianos, malaios e neo zelandeses percorrem de carro ou a pé as principais vias de comunicação da capital.
Ainda na marginal, próximo das embaixadas, reapareceram os restaurantes de fim de tarde – entenda-se, restaurantes de rua, junto à praia - onde se podem experimentar sassatis ( espetadas de carne com molho de soja e tamarindo), peixe grelhado, milho verde assado, ao mesmo tempo que se aproveita para se pôr a conversa em dia. Saber do parente, da casa, do perigo, da paz… Mas, também aqui, a clientela especialmente constituída por timorenses, não voltou a atingir o número de outras tardes mais animadas.
Tudo tão calmo, tão sereno… tanta quietude cortada apenas por vozes que falam baixo, riem baixo, num condizer perfeito com o sussurrar do vento e das ondas do mar, imagens vulgares de tardes de calmaria de Timor-Leste… Tanta calmaria que até a vaca que pastava no campo voltou a ocupar o seu lugar por zeloso dono que acredita estar afastado o perigo de apropriação do animal por amigos do alheio!
Os espaços mais reservados e mais cosmopolitas são escolhidos por outro género de pessoas. São gente de fora e de dentro, com outro poder de compra, outras solicitações e outros interesses. Aí, onde se reúnem os experts da questão timorense, as conversas são ainda mais sussurradas, de meias palavras, de leitura nas entrelinhas... Com outro requinte, outra sofisticação e também outra segurança ali se discute, ali se traçam os planos individuais que cada um adivinha - e tem a certeza! - de ser o melhor para o país. Agora que o futebol ainda está na ordem do dia, também não ficaria mal se lhes fosse dado o epíteto de treinadores de bancada.
Numa dimensão divergente estão os outros. Aqueles que não têm nem cinco cêntimos para a maçaroca de milho verde assada, os que se deixam ficar em seus casinhotos, receosos de que alguém possa descobrir um qualquer elo de ligação, mesmo indelével, com alguém de Este ou Oeste, versão aceite e insípida do que é hoje politicamente incorrecto pronunciar-se, de Lorosa´e ou Loromonu. Estes estão mais atentos. Em guarda.
Aqueles que deixaram as suas casas para trás em busca de alguma segurança fora de portas da capital, provavelmente esperançados de que nada lhe acontecerá ou, então de que mais vale salvar a vida antes dos bens materiais – esses, porque estão ausentes, apenas podem confiar na Providência divina.
A distracção é geral, as ruas estão guardadas e patrulhadas, tudo voltou ao normal, mas a insegurança mantém-se, silenciosa mas infelizmente presente; os incêndios às casas continuam, nos becos como em algumas vias principais, estas porventura desprovidas momentaneamente de patrulha. O tempo suficiente para atear o fogo e destruir tudo.
E, todavia, tudo voltou ao normal…