As iscas do Zé do Benfica
Há muito, muito tempo, talvez há uns quarenta anos, o bar do Sport Díli e Benfica enchia-se ao fim da tarde, quer houvesse quer não actividades desportivas. Também não se enchia propriamente só de jovens desejosos de dar uma espreitadela ao treino de basquetebol das meninas jogadoras nem às aulas de patinagem artística das alunas do liceu Dr. Francisco Machado.
Nada disso!
A razão era bem mais prosaica e prendia-se com o estômago, com a arte de bem petiscar! Passada a hora da sesta, melhor, lá mais para as quatro, cinco da tarde, o bar enchia-se de bons chefes de família, ou não fossem eles do Benfica! Lamento, sportinguistas, mas todos sabem que não há exagero…
Sempre houve rivalidade entre os dois clubes. O Sporting tinha uma sede imponente e com o leão pintadinho de novo impressionava do mais pacóvio ao mais ilustre. O Benfica era menos espampanante. A águia que ainda hoje se vê na frontaria do salão, coitada, não impressionava muito. Mas se a águia não se recomendava, o mesmo já não se podia dizer das iscas: essas não tinham igual!
Ninguém queria perder o petisco cujo cheirinho alastrava bem para além da sede do clube das águias. Tão boas e tão famosas que ainda hoje todos recordam com alguma nostalgia as iscas do Zé do Benfica que era o empregado do bar. Alguns dos meus familiares mais velhos e seus amigos dizem que a frigideira onde se fritavam as iscas nunca era lavada. Não sei se seria esse o segredo. A verdade é que eram uma especialidade e ninguém lhes resistia. Os mais velhos acompanhavam a comezaina com uma geladíssima Laurentina, cerveja moçambicana que ganhou sempre à angolana Cuca.
Não havia iscas com elas, as batatas cozidas, mas havia com ele, o excelente pão da padaria do senhor Pereirita.
O senhor Pereirita devia o diminutivo à sua pouca altura. Era um senhor doce, simpático e quem não soubesse nunca iria acreditar que, sob aquele ar dócil e afável, se escondia um “feroz” comunista opositor de Salazar. Era deportado político, daquela mão-cheia de comunistas e anarco-sindicalistas que – permitam-me que me refira a alguns deles - como o senhor Abreu o senhor Serafim Martins (pai do Eng.º Rogério Martins) o senhor Fernando Martins (que foi barbaramente assassinado pelos japoneses), os irmãos Filipe (avô e tio-avô de Ramos Horta) ou o meu pai, tendo sido considerados muito perigosos, foram mandados para Timor porque, sendo este o destino mais longínquo do império, podia ser que nunca mais voltassem ou que as “febres” acabassem com eles…
Uma recordação traz outra e disto tudo me lembrei esta tarde quando uma senhora, figura franzina e sorridente de mim se aproximou perguntando-me o meu grau de parentesco relativamente aos meus irmãos. Conversa longa de velhas amigas, lá me foi falando das dificuldades da vida, do sofrimento do pai doente que faleceu faz tempo depois de ter apanhado muita tareia porque queria a independência. Da tristeza passou à animação ao recordar o Benfica e, claro, as iscas!
A Maria Silva nem compreende porque ainda não se reabriu o Benfica, agora que a sede do Sporting já está toda pintada! E lançou o desafio que daqui repito aos benfiquistas: é preciso fazer reviver o clube! Ela que, sendo Maria Silva, só é tratada pelos amigos por Maria Benfica! E logo me lembrei da professora de Matemática, também ela Maria Benfica assim baptizada por um grupo de cábulas de que eu fazia parte.
Pois bem! A Maria Benfica timorense tem razão: reabramos o Benfica! É que sem a frigideira nunca lavada do Zé do Benfica, nunca teríamos aprendido a gostar de iscas, não teríamos comido especialidade tão apetitosa nem saberíamos que melhor do que iscas “com elas”, as batatas cozidas, são iscas “com ele”, o pão confeccionado com a receita do senhor Pereirita. Não só pelo futebol e pelo basquete, mas também pelo pão e pelas iscas de outrora! Vale a pena tentar revitalizar o Benfica, não acham?
Nada disso!
A razão era bem mais prosaica e prendia-se com o estômago, com a arte de bem petiscar! Passada a hora da sesta, melhor, lá mais para as quatro, cinco da tarde, o bar enchia-se de bons chefes de família, ou não fossem eles do Benfica! Lamento, sportinguistas, mas todos sabem que não há exagero…
Sempre houve rivalidade entre os dois clubes. O Sporting tinha uma sede imponente e com o leão pintadinho de novo impressionava do mais pacóvio ao mais ilustre. O Benfica era menos espampanante. A águia que ainda hoje se vê na frontaria do salão, coitada, não impressionava muito. Mas se a águia não se recomendava, o mesmo já não se podia dizer das iscas: essas não tinham igual!
Ninguém queria perder o petisco cujo cheirinho alastrava bem para além da sede do clube das águias. Tão boas e tão famosas que ainda hoje todos recordam com alguma nostalgia as iscas do Zé do Benfica que era o empregado do bar. Alguns dos meus familiares mais velhos e seus amigos dizem que a frigideira onde se fritavam as iscas nunca era lavada. Não sei se seria esse o segredo. A verdade é que eram uma especialidade e ninguém lhes resistia. Os mais velhos acompanhavam a comezaina com uma geladíssima Laurentina, cerveja moçambicana que ganhou sempre à angolana Cuca.
Não havia iscas com elas, as batatas cozidas, mas havia com ele, o excelente pão da padaria do senhor Pereirita.
O senhor Pereirita devia o diminutivo à sua pouca altura. Era um senhor doce, simpático e quem não soubesse nunca iria acreditar que, sob aquele ar dócil e afável, se escondia um “feroz” comunista opositor de Salazar. Era deportado político, daquela mão-cheia de comunistas e anarco-sindicalistas que – permitam-me que me refira a alguns deles - como o senhor Abreu o senhor Serafim Martins (pai do Eng.º Rogério Martins) o senhor Fernando Martins (que foi barbaramente assassinado pelos japoneses), os irmãos Filipe (avô e tio-avô de Ramos Horta) ou o meu pai, tendo sido considerados muito perigosos, foram mandados para Timor porque, sendo este o destino mais longínquo do império, podia ser que nunca mais voltassem ou que as “febres” acabassem com eles…
Uma recordação traz outra e disto tudo me lembrei esta tarde quando uma senhora, figura franzina e sorridente de mim se aproximou perguntando-me o meu grau de parentesco relativamente aos meus irmãos. Conversa longa de velhas amigas, lá me foi falando das dificuldades da vida, do sofrimento do pai doente que faleceu faz tempo depois de ter apanhado muita tareia porque queria a independência. Da tristeza passou à animação ao recordar o Benfica e, claro, as iscas!
A Maria Silva nem compreende porque ainda não se reabriu o Benfica, agora que a sede do Sporting já está toda pintada! E lançou o desafio que daqui repito aos benfiquistas: é preciso fazer reviver o clube! Ela que, sendo Maria Silva, só é tratada pelos amigos por Maria Benfica! E logo me lembrei da professora de Matemática, também ela Maria Benfica assim baptizada por um grupo de cábulas de que eu fazia parte.
Pois bem! A Maria Benfica timorense tem razão: reabramos o Benfica! É que sem a frigideira nunca lavada do Zé do Benfica, nunca teríamos aprendido a gostar de iscas, não teríamos comido especialidade tão apetitosa nem saberíamos que melhor do que iscas “com elas”, as batatas cozidas, são iscas “com ele”, o pão confeccionado com a receita do senhor Pereirita. Não só pelo futebol e pelo basquete, mas também pelo pão e pelas iscas de outrora! Vale a pena tentar revitalizar o Benfica, não acham?
Eu morei ao pé do Benfica. Você fez-me recordar os bons velhos tempos, em que indo para a tropa acabei por trabalhar dois anos na Missão Geográfica de Timor com o Engº Botelho.
Lembra-me do malai Godinho, assim para o bruto...
Lembra-me do administ. Pité, do Dr. Remédios, do Cristovão Santos, dos seus irmãos, etc.
Leio sempre aquilo que escreve, e qual é o outro blog?
Posted by Anónimo 9:48 da tarde
Não deixei de escrever para "o outro lado do mundo". So fiz uma pausa. Um dia destes, recomeço.Continuo sem telefone, logo, sem internet. Um abraço
Posted by Ângela Carrascalão 6:11 da manhã
Ola Angela
Boas iscas as do Benfica, quando cheguei a Timor e fui jogAR E TREINAR A EQUIPA DE BASQUETEBOL, COMIA E BEBIA UMAS lAURENTINAS LÁ COM O TEU IRMÃO JOÃO.
iSTO PORQUE EM TTIMOR NÃO HAVIA O GLOTIOSO BELENENSES. MAS JÁ HÁ , FICA EM OÉ CUSSE.
DE QUALQUER MODO OBRIGADO, PELA LEMBRANÇA DESSA LOCAL TÃO AGRADÁVEL
Posted by azinheira 8:20 da manhã
S.pereira,
Sim, o Sr. Mario Lopes vivia em Mau Meta, atauro, para onde foi deportado. Era de Sao Tome.
Mas havia muitos mais deportados politicos, com historias bem curiosas.
Posted by Ângela Carrascalão 1:07 da manhã