Um novo jardim?
Sou do tempo em que não havia energia eléctrica na cidade. Em que era preciso ligar por um telefone à manivela ao Sr. Salvador telefonista e pedir-lhe que estabelecesse uma qualquer ligação telefónica ou para saber quem estava a ganhar no campo de jogos situado um bom bocado mais acima da estação dos correios. Mas nós acreditávamos nos dotes de adivinhação do Sr. Salvador que dizia soltando sonora gargalhada com um ar de quem sabia tudo “O Benfica está a ganhar!”. Ou então, num tom mais sério, “O Benfica está a perder…”
Sou do tempo em que Díli era uma cidadezinha bonita, arrumada, com as ruas arborizadas, bem delineadas. Era poeirenta - só havia pouco mais de três quilómetros de estrada asfaltada! -, mas penso que ninguém se lembrará negativamente desse pequeno e menos bom pormenor, até porque também não havia assim tantos carros!
Naqueles tempos, uma vez por ano, a cidade animava-se com as festas do Dez do Junho, o dia da Raça do tempo de Salazar e de Caetano, quando cada concelho administrativo expunha as suas mais valias artísticas e económicas .
Nos tempos de hoje, não há nem mostra de arte nem do nosso desenvolvimento económico - ou não haverá desenvolvimento nenhum? - e Díli é uma cidade feita de remendos, sem qualquer plano urbanístico, com casas coladas umas às outras, outras tantas casas ocupadas e mal cuidadas, lixo, muito lixo nas bermas das ruas esburacadas e mercados que nascem como cogumelos onde haja sombra de uma árvore, para além dos esgotos a céu aberto que desaguam nas praias da capital, assim contribuindo para a degradação do “environamento” do país.
Ainda se vêem sinais da destruição de 1999 e a estes, nós, os timorenses, já bem dentro do tempo da nossa independência, em 2006, fizemos o favor de contribuir com algo de verdadeiramente nosso, dando azo a que nos achem tão bons destruidores quanto os “outros”, os ocupantes, adicionando mais uns quantos edifícios que queimámos por divertimento, por vingança, por selvajaria.
Ainda me lembro das acácias vermelhas no jardim defronte do Palácio do Governo, dos gondoeiros enormes, majestosos, junto à marginal. Em dias de festa ou não, era no jardim defronte do Palácio que jovens e menos jovens marcavam encontro para conversar, para ver as modas de então ou até mesmo e só para apreciar a paisagem.
Já li e ouvi alguns argumentos a favor e outros tantos contra as obras que se desenrolam no espaço que foi o do mal redesenhado jardim do tempo indonésio e pouco cuidado dos nossos dias de independência.
É claro que todos sabemos que há muitas outras prioridades no país, que há campos de deslocados nos quais as condições são pouco menos que miseráveis, etc, etc, etc.
Mas também sabemos que não devemos necessariamente cultivar o miserabilismo apenas e só porque receamos ter de assumir que também temos direito ao belo e ao bonito!
Um espaço bem concebido, ajardinado e necessariamente bem cuidado, tornará bem mais aprazível a zona dianteira do palácio em substituição da área estanque, cheia de grandes blocos de cimento a delimitar o território que foi o parque automóvel circunscrito a titulares de cargos públicos!
Não compreendo em que há-de a reconstrução do jardim prejudicar o desenvolvimento do país. Gosto do esforço do embelezamento da cidade, gosto que haja espaços abertos de lazer, plantio de árvores e de flores. Talvez porque quero acreditar que esse pode ser um ponto de partida para que retomemos o gosto pela limpeza da cidade com o retorno obrigatório de porcos e cabritos aos currais de onde não deveriam sair…
Obrigado Angela.
Pois sempre nos vai pondo em dia do que se passa nesse belo País, apesar de todas as contrariedades que por aí acontecem.
Posted by AnadoCastelo 10:28 da tarde
"Por vezes, apenas nos resta rir... para não chorar. Esta é a visão de um malai sobre a situasaun em Timor Leste, e no mundo, através dos seus desenhos, cartoons e algumas palavras..."
Convidam-se V. Exªs a visitar http://timorcartoon.blogspot.com
Posted by Joao 8:54 da manhã