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quarta-feira, novembro 22, 2006 

Cuidado, não vás por aí...


Quero ir até Lecidere e já consegui escapar do tormento da rotunda do aeroporto!
Tenho de escolher o caminho.
Tenho de evitar a marginal.
Junto à Pertamina, num terreno que antes dos problemas estava vedado com arame farpado, existe agora um grande mercado de rua que é ninho de atiradores francos, a qualquer hora e contra quem quer que seja. O importante é apedrejar. O resto, virá depois...
Se tiver escapado dessa, terei de ter cuidado com o campo situado ao pé do porto. Se lhes apetece, sempre se distraem com algumas pedradas sobre quem lhes parece estar a provocá-los...
Prefiro a estrada anterior? Pois, sim, mas há o mercado de Comoro, Fatuhada. Ai Mutim, o Delta Comoro... Há que evitar esse caminho...
Prefirirei uma terceira via? Posso escolher o caminho que passa pelo bairro Pité... Pois, mas e então a zona de Hudi Laran e do próprio bairro Pité, será que aí não há problemas?
Se tiver sorte, chego a Colmera. Posso continuar pela marginal até Lecidere. Terei de acelerar junto ao hotel, não vá a pedra apanhar-me... Ou então, vou por Balide. Mas também por aí terei de ter a sorte de não apanhar com conflitos junto ao campo de refugiados situado defronte do Obrigado Barracks...
Poderei descer para o centro da cidade em direcção ao campo de futebol? Sim, desde que tenha saído incólume do Quintal Mascarenhas e Quintal Kiik e a zona do mercado municipial de Díli esteja calma!
Então, talvez seja de esolher o caminho via Santa Cruz... Sim, se não houver pedradas entre a família do morto e aqueles que estão do lado do grupo que matou...
Vou ver como está Bidau! Que complicação!!! Levei uma pedrada, um tiro, tenho a pele estraçalhada por uma rama ambon! Bom, o melhor é ir ao hospital Guido Valadares para que me tratem... Irei, ou terei de fugir antes que se lembrem de me castigar por passar num sítio "libertado"?
Assumo que sou timorense, mestiça, filha de pai português, mãe timorense de Lorosae e que eu nasci em Loromonu... Resultará? Não? Que faço? Fujo?
Então, que posso fazer?
Fico fechada em casa à espera que o problema acabe, que a situação melhore, que a tranquilidade volte?
Bem, devo estar muito pessimista, mas acho que morreria sentada.
À espera!

PS: De fora, ficaram Becora, Bebonuk, Taibesse, Lahane, Manleuana. Fatu Meta... Será que tudo está bem por aí?

Palavras tristemente realistas... Alguns alunos chegam-me as aulas cheios de sono porque tiveram que estar a noite inteira a fazer seguranca no bairro - se nao o fizerem serao os proprios conterraneos e vizinhos a ataca-los por "desercao". Preso por ter cao e preso por nao ter...

Meu Deus deve ser complicado viver assim. Ainda mais para quem nasceu em Timor e a conheceu de outra maneira.

Bela prosa.
Se a situação não fosse tão séria, o texto poderia servir de base à “II guerra do Solnado”.
Sem querer entrar em “análises profundas”, parece-me que a solução para o problema de “desordem civil” que se vive especificamente em Dili, terá que passar por, entre outras medidas, pelo lançamento de uma politica de obras públicas que permita ocupar profissionalmente a massa de jovens desempregados que está a causar os distúrbios.
Luís Mota Carmo

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