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domingo, junho 18, 2006 

Arco-íris e sombras em Timor-Leste


Aqui, em Comoro, mais concretamente nas Aldeias 30 de Agosto, 4 de Setembro e Terra Santa, os últimos dias pareciam mais calmos.
Os militares malaios que percorrem a pé os bairros, de metralhadora em punho, tornaram-se habituais bem assim como o som dos tanques, dos jeeps, dos carros blindados e dos helicópteros que começam a tornar-se comuns no dia-a-dia deste lado da cidade.
Distintos são os sons do zinco a ser levantado do telhado, ou as vozes um bocado alteradas pela pressa com que se recolhem mobília, portas, janelas, tudo coisas a serem aproveitadas por quem já é apelidado pela população das casas roubadas, destruídas e incendiadas, como os novos donos dos seus bens.
O caminho que vai da encosta onde está situado o antigo depósito de água que abastecia esta zona da cidade ao outro lado da montanha no sentido da ribeira de Comoro, tem sido percorrido todos os dias por grupos de famílias, adultos e crianças, que se entretêm a apoderar-se do que é não seu, do que foi deixado para trás na fuga para leste por outras famílias tão pobres quanto eles.
Mas, ontem e hoje, percebeu-se alguma movimentação diferente do que já está a tornar-se rotineiro. De madrugada, depois do jogo entre o Gana e a República Checa transmitido pela RTTL, dois veículos militares passaram a grande velocidade para o sopé da montanha, um bocado mais para os lados de Rai Kotuk, do lado de cá de Taci Tolu.
Hoje, o fim de tarde que caía aparentemente calmo foi quebrado pelo som de tiros que repentinamente, se fizeram ouvir. Sem poder garantir, pareciam vir de Manleuana, do outro lado da ribeira. Mas já houve quem afiançasse que os tiros tinham sido na Pertamina, lá para os lados da Avenida de Portugal.
Olhei para o depósito da água e lá estavam uns vultos. Não sei se eram militares. De um momento para o outro surgiram três carros blindados abarrotados de militares dirigindo-se para a colina onde despejaram os homens que a pé iniciaram a subida até onde se encontravam as sombras.
Entristece-me não poder sequer apreciar o fim de tarde na minha varanda. Detesto sentir receio por algum tiro perdido.
A noite caiu, mas ainda tive tempo de fotografar o arco-íris que cortava o céu. Ao sentimento misto de tristeza e angústia que a hora crepuscular sempre me provoca juntou-se o desencanto. Pela falta de paz, pela insegurança e muito, pela incapacidade colectiva de nos deliciarmos, de desfrutarmos o que o nosso país nos oferece - cada pedaço de terra em Timor-Leste é um regalo para os olhos! -,sem termos de despender nada, a não ser respeitarmo-nos mutuamente, coexistirmos pacificamente e fazermos, todos juntos, aquilo que aqui se diz por tudo e por nada – e, que sendo sério, de tão vulgarmente repetido se tornou uma banalidade - que é “ construir a Nação”.

Quando é que os timorenses aprendem que têm um país fabuloso? Talvez porque nunca sairam daí e é uma pena. Pelo que contas a situação ainda não está totalmente controlada. Vamos ver o que o futuro trás.
Bejos

Luís Marques,

Para o nosso amigo João Paulo Esperança, profundo conhecedor do tétum, arco-íris diz-se baur.
Para o Luís Gonzaga, de Viqueque, diz-se baur-tubu.
O João Paulo Esperança deu também o significado em bahasa indonésio: pelangi.

E em tocodede (de Liquica e arredores) diz-se, de acordo com a minha esposa:
maga-lelor (cuja traducao literal parece ser algo como "a alma do sol")

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