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domingo, março 04, 2007 

Desabafos

No bairro onde moro falta a electricidade várias vezes ao dia. Quando isso me acontece de repente enquanto estou a fazer um trabalho importante que preciso de acabar com urgência esforço-me por fazer exercícios de respiração para não espumar pela boca e resmungar observações pouco educadas sobre as mães dos senhores responsáveis pelo “faça-se luz” neste país. A minha mulher, que é timorense e que antes de vir para a universidade vivia com os pais em Liquiçá numa casa onde não há corrente eléctrica, olha-me divertida enquanto acende velas e diz-me que não vale a pena ficar aborrecido, é só aguardar algumas horas e eles ligarão de novo a electricidade. Ainda por cima devo ser o único idiota que paga electricidade na minha rua, o Primeiro Ministro veio à televisão dizer que não fazia mal fazer ligações directas ilegais.

Alguns professores referem-se às vezes desdenhosamente aos fracos resultados dos alunos, ficam possessos porque alguém não fez o trabalho de casa, esquecem-se que por muito que a vida aqui seja difícil para o malai mal habituado é sempre mais difícil para o timorense. As refeições monótonas de arroz cozido com canco (um vegetal que cresce nos pântanos de água estagnada) - ou, agora que não há arroz, de milho ou de super mie (massa chinesa importada da Indonésia) -, a electricidade que falta todos os dias, fazendo com que as gotas de cera se juntem às gotas de suor que no calor da pequena casa de zinco escorrem para cima dos papéis da estudante, ao mesmo tempo que a mãe ralha com ela para tomar conta dos quinze irmãos mais novos que vão fazendo uma algazarra dos diabos, uns a brincar outros a chorar, e o irmão mais velho anda lá fora com a catana na mão a fazer “segurança ao bairro” e, às vezes, um calhau atirado pelOS OUTROS vem chocar violentamente com o zinco do telhado aumentando o choro das crianças e sobressaltando os pais que rezam o terço em volta alta e agora redobram o fervor da oração...

A vida aqui ainda por cima é muito cara, principalmente para quem, como nós cá no nosso lar, faz vida de rico: bebemos leite no matabicho, comemos carne ou peixe ao almoço e ao jantar, eu tenho uma motorizada própria e encho sempre o depósito quando vou pôr gazolina, aluguei uma casa com um quarto-de-banho decente e rede mosquiteira nas janelas (tenho direito a um quarto no Bairro da Cooperação perto da Faculdade, mas as regras da Cooperação Portuguesa não me deixam levar a minha mulher para morar lá comigo...), às vezes chegamos ao cúmulo de comprar iogurtes... Tudo coisas inacessíveis à grande maioria das famílias timorenses. E, para azar, trabalho para uma instituição onde o meu trabalho é respeitado, mas que paga mal. Quando eu for grande quero morar aqui e ser professor do Ministério do Ministério da Educação português (ganham duas vezes o que eu ganho e têm outras mordomias como subsídio de férias e décimo terceiro mês), ou leitor do Instituto Camões (três vezes o que eu ganho e também as tais mordomias), ou acessor internacional num ministério local (salário variável, umas quatro a oito vezes superior ao meu).

E já agora, a propósito de leitores. Há uns anos concorri para formador/leitor do Instituto Camões cá em Díli, trabalhando na época para eles aqui com a categoria de assistente. Passei no exame escrito, paguei do meu bolso a viagem a Lisboa para ser entrevistado durante cerca de trinta minutos (e o I.C. descontou-me das férias os dias em que me ausentei para ir à entrevista na própria instituição!), durante essa meia hora quase só me perguntaram coisas sobre o ensino de português aqui e sobre a presença portuguesa nesta região do mundo, apreciaram os meus conhecimentos de línguas e linguística locais, e depois disso tudo... ofereceram-me um lugar de leitor na Namíbia. Recusei e permaneci aqui mais uns tempos como assistente (que em Timor significava alguém que fazia o dobro do trabalho de um Formador por muito menos salário). Na altura senti-me como um nadador olímpico a quem dizem “Olhe, já tínhamos alguém para representar o país na competição dos cem metros crawl, mas gostámos das suas provas por isso resolvemos perguntar-lhe se não está interessado em participar antes nos cem metros em atletismo”. Portuguesices...

Agora é segunda-feira de manhã e este foi um fim-de-semana agitado. Começou a ofensiva contra o militar renegado Alfredo Reinaldo, e muitos jovens de Díli que estão convencidos de que ele é um herói vieram para as estradas queimar pneus e provocar distúrbios. No caminho de casa para a Faculdade passei por sítios onde o chão estava completamente juncado de vidros. As pessoas de bem vivem com o coração nas mãos, muitos mandam todos os filhos para a montanha, para longe da confusão da capital, à espera que as coisas acalmem para os chamarem então para regressarem à escola ou à universidade. Mas agora também as zonas rurais começam a andar agitadas. Violência, violência. Até quando?

Meu caro João Paulo Esperança:

Foi com dor e tristeza que li o seu artigo. E também fiquei triste com o que nos diz em relação ao posto de formador do Instituto Camões! Não entendo o que essa gente quer: Um bom formador e ou um mau formador politco? N˜åo sabem o que perdem e tenho a certesa que desconhecem o seu potencial como linguista....Olha decisões dessas não são os portugueses, veja só a salada russa da UNMIT?

É triste ver os nossos jovens perderem aulas como resultado da vioência no país. Rezemos para que venham melhores dias para Timor...

Rrobiana Florencio

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