Da arte do cumprimento
As pessoas cumprimentam-se de maneiras diferentes pelo mundo. Os japoneses fazem vénias, os tibetanos põem a língua de fora, os maoris da Nova Zelândia encostam os narizes. Mas os europeus espalharam o aperto de mão por todo o lado.
Na primeira vez que estive na Guiné-Bissau ficava um bocado embaraçado de cada vez que um homem me apertava a mão e depois não largava mas continuava a conversar mantendo o cumprimento, assim numa espécie de mãos dadas entre gajos. Ora, eu sou um moço de ideias modernas, tolerante, auto-educado para o multiculturalismo, para o respeito pela diferença, porém os padrões culturais do meu país de origem e do meio social em que nasci vinham aí à superfície e gritavam-me dentro da cabeça que isto de um gajo estar a bem dizer de mãos dadas com outro gajo não é uma coisa normal. Depois habituei-me. Aliás, chegou a acontecer-me encontrar em Lisboa um colega português com quem tinha participado num projecto levado a cabo na Guiné e termos ficado assim, mantendo o aperto de mão, enquanto púnhamos um pouco a conversa em dia. Isto porque ambos estávamos habituados a conviver um com o outro não num contexto português mas guineense, e na Guiné-Bissau é comum dois amigos, heterossexuais, caminharem pela estrada de mãos dadas, ou comprimentarem-se e continuarem de mãos unidas enquanto conversam. Duas amigas também podem fazê-lo com naturalidade. Mas é extremamente raro ver um casal de namorados ou cônjuges a passear assim de mãos dadas, um homem e uma mulher não mostram afeição ou carinho em público como nós fazemos na Europa. Aqui em Timor esses gestos também são mais ou menos tabu, os namorados caminham ao lado um do outro, mas (quase) nunca abraçados ou de mãos dadas. Ninguém vê um beijo na boca, dois amantes unidos num abraço num jardim. Aqui essas coisas fazem-se às escondidas. Os casais mais velhos nas zonas rurais caminham frequentemente numa ordem hierárquica, o marido à frente e a mulher e os filhos uns passos atrás.
Dois homens cumprimentam-se, não como na Guiné, mas com um aperto de mão breve. Contudo um abismo separa a prática local e a da minha terra natal. Quando era miúdo fui ensinado que um aperto de mão deve ser firme, olhando francamente nos olhos o outro indivíduo. Alguns tipos preferiam exibir a sua força ao cumprimentar alguém, tentando quase esmagar a mão do outro como um torno. Por vezes o prosaico e casual “apertar o bacalhau” assumia o carácter de uma curta competição de masculinidade. Cá em Timor, actualmente, isso seria uma tremenda falta de educação. Uma grande parte dos timorenses dá um aperto de mão como o dos indonésios, um delicado e breve agarrar os dedos, que o meu avô classificaria sem mais delongas como efeminado (e agora sou eu que estou a ser eufemista, o meu avô não sabe destas palavras de vinte e cinco tostões, usaria concerteza um termo mais vernáculo...). Bastantes indivíduos levam a mão direita ao peito depois de cumprimentar outros homens, num gesto que também parece ter sido deixado pelos indonésios, e que se encontra por outras paragens do mundo islâmico. Um aperto de mão mais enérgico pode ser visto entre membros de alguns grupos de artes marciais, com a posição da mão esquerda a contribuir para a identificação grupal como companheiros das mesmas lides.
Entre duas mulheres ou entre uma destas e um homem dão-se dois beijinhos nas faces. Mas é mais complicado que isto. Um cumprimento mais formal é o tal “aperto de dedos”. Um meio-termo é uma forma em que se aperta a mão (dedos) e se dão simultaneamente os dois ósculos. Os beijinhos, apenas, funcionam como modelo menos formal, mas a ordem é contrária à portuguesa, o que leva a que eu, que convivo maioritariamente com timorenses, ande muitas vezes a chocar narizes com malais que beijam primeiro a face direita, ao passo que aqui se começa pela esquerda. Aconteceu-me uma coisa parecida na Holanda, onde se dão três beijos em sucessão.
As criancinhas pedem a benção aos mais velhos como forma de cumprimento, pegando-lhes na mão e levando-a aos lábios. Os timorenses de todas as idades e classes sociais fazem a mesma coisa aos padres.
Outros costume javanês que por cá ficou é a forma como as pessoas se curvam, com uma mão para a frente e outras para trás, enquanto dizem “com licença”, ao passar à frente de alguém ou entre dois indivíduos.
Agora, com todas estas cortesias e salamaleques por que Diabo é que os jovens persistem em andar à pedrada e à catanada uns aos outros?!?
Na primeira vez que estive na Guiné-Bissau ficava um bocado embaraçado de cada vez que um homem me apertava a mão e depois não largava mas continuava a conversar mantendo o cumprimento, assim numa espécie de mãos dadas entre gajos. Ora, eu sou um moço de ideias modernas, tolerante, auto-educado para o multiculturalismo, para o respeito pela diferença, porém os padrões culturais do meu país de origem e do meio social em que nasci vinham aí à superfície e gritavam-me dentro da cabeça que isto de um gajo estar a bem dizer de mãos dadas com outro gajo não é uma coisa normal. Depois habituei-me. Aliás, chegou a acontecer-me encontrar em Lisboa um colega português com quem tinha participado num projecto levado a cabo na Guiné e termos ficado assim, mantendo o aperto de mão, enquanto púnhamos um pouco a conversa em dia. Isto porque ambos estávamos habituados a conviver um com o outro não num contexto português mas guineense, e na Guiné-Bissau é comum dois amigos, heterossexuais, caminharem pela estrada de mãos dadas, ou comprimentarem-se e continuarem de mãos unidas enquanto conversam. Duas amigas também podem fazê-lo com naturalidade. Mas é extremamente raro ver um casal de namorados ou cônjuges a passear assim de mãos dadas, um homem e uma mulher não mostram afeição ou carinho em público como nós fazemos na Europa. Aqui em Timor esses gestos também são mais ou menos tabu, os namorados caminham ao lado um do outro, mas (quase) nunca abraçados ou de mãos dadas. Ninguém vê um beijo na boca, dois amantes unidos num abraço num jardim. Aqui essas coisas fazem-se às escondidas. Os casais mais velhos nas zonas rurais caminham frequentemente numa ordem hierárquica, o marido à frente e a mulher e os filhos uns passos atrás.
Dois homens cumprimentam-se, não como na Guiné, mas com um aperto de mão breve. Contudo um abismo separa a prática local e a da minha terra natal. Quando era miúdo fui ensinado que um aperto de mão deve ser firme, olhando francamente nos olhos o outro indivíduo. Alguns tipos preferiam exibir a sua força ao cumprimentar alguém, tentando quase esmagar a mão do outro como um torno. Por vezes o prosaico e casual “apertar o bacalhau” assumia o carácter de uma curta competição de masculinidade. Cá em Timor, actualmente, isso seria uma tremenda falta de educação. Uma grande parte dos timorenses dá um aperto de mão como o dos indonésios, um delicado e breve agarrar os dedos, que o meu avô classificaria sem mais delongas como efeminado (e agora sou eu que estou a ser eufemista, o meu avô não sabe destas palavras de vinte e cinco tostões, usaria concerteza um termo mais vernáculo...). Bastantes indivíduos levam a mão direita ao peito depois de cumprimentar outros homens, num gesto que também parece ter sido deixado pelos indonésios, e que se encontra por outras paragens do mundo islâmico. Um aperto de mão mais enérgico pode ser visto entre membros de alguns grupos de artes marciais, com a posição da mão esquerda a contribuir para a identificação grupal como companheiros das mesmas lides.
Entre duas mulheres ou entre uma destas e um homem dão-se dois beijinhos nas faces. Mas é mais complicado que isto. Um cumprimento mais formal é o tal “aperto de dedos”. Um meio-termo é uma forma em que se aperta a mão (dedos) e se dão simultaneamente os dois ósculos. Os beijinhos, apenas, funcionam como modelo menos formal, mas a ordem é contrária à portuguesa, o que leva a que eu, que convivo maioritariamente com timorenses, ande muitas vezes a chocar narizes com malais que beijam primeiro a face direita, ao passo que aqui se começa pela esquerda. Aconteceu-me uma coisa parecida na Holanda, onde se dão três beijos em sucessão.
As criancinhas pedem a benção aos mais velhos como forma de cumprimento, pegando-lhes na mão e levando-a aos lábios. Os timorenses de todas as idades e classes sociais fazem a mesma coisa aos padres.
Outros costume javanês que por cá ficou é a forma como as pessoas se curvam, com uma mão para a frente e outras para trás, enquanto dizem “com licença”, ao passar à frente de alguém ou entre dois indivíduos.
Agora, com todas estas cortesias e salamaleques por que Diabo é que os jovens persistem em andar à pedrada e à catanada uns aos outros?!?
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