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sábado, outubro 07, 2006 

Consciência estimulada


Bela, a cerimónia de abertura dos Jogos da Lusofonia! Gostei. Tal como gostei que a televisão timorense a tivesse transmitido em directo.
Talvez que assistindo ao desfile de centenas de atletas de onze países e regiões onde se fala português, os descrentes e desconfiados da bondade da nossa permanência na CPLP tenham compreendido que esta comunidade é constituída por países independentes, soberanos, de todos os continentes, que não correm o risco de perder a independência e não vão ser de novo colonizados; que só há vantagens em integrarmos organizações nas quais haja interesses comuns. E o afecto, como a língua são, comuns aos oito países da CPLP.
Era bom que, de entre os desconfiados e descrentes, houvesse quem tivesse percebido que, em vez de fabricarmos à pressa novas e mal consubstanciadas amizades e alianças baseadas apenas em interesses de grupos e de ocasião, talvez fosse melhor consolidarmos os elos que já existem.
Vivi uns meses em Macau, entre 1982 e 1983; sempre que pude, revisitei a região, antes e depois da sua transferência para a China. Sempre me espantou o ritmo do desenvolvimento macaense! Conseguido por mérito próprio, é bom que se acrescente.
Recordo que, na década de 80, pouca gente falava português. Mas, hoje, é diferente. Macau percebeu que a diferença passava pela língua. E a China vendo que dai não viria mal nenhum, não bloqueou o ensino do português.
Perante aquele espantoso espectáculo de luz e de cor, muitos pensamentos me afluíram à cabeça ao mesmo tempo que fui experimentando sensações contraditórias entre a alegria, a tristeza, o orgulho, a vergonha, a humildade, a incerteza…
Mas hoje importa apenas o lado positivo, até porque “tristezas não pagam dívidas”.
Gostei de ver a minha gente - a do lado de cá, deste lado do Mundo que antigamente era Oceânia e agora passou a Ásia - , de ar alegre, sorridente, vestida de festa! Gostei do ar - entre o emocionado e o orgulhoso - do presidente do comité olímpico de Timor-leste, o meu irmão João, quando o Eládio Clímaco anunciou a entrada da delegação timorense.
Uns minutos antes já me tinha emocionado com a passagem da delegação de Portugal. E claro que gostei igualmente de ver os atletas do meu país de “charme europeu”!
Em momentos como este, nunca sei se sou mais timorense, se sou mais portuguesa. Sinto que sou as duas coisas. E gosto, gosto muito da minha condição de luso-timorense. Gosto muito de ser, adoro ser mestiça!
Ainda que saiba que ao afirmar isto, não faltará quem vocifere contra os mestiços que “não são carne, nem peixe, não são de uma terra nem de outra, não são brancos nem pretos”! Ou que sendo filha de uma mulher de Lorosa´e, não deveria estar em Loromunu, zona geográfica onde, aliás, nasci.
Talvez esteja ainda contagiada pelo ambiente de festa que a transmissão da TV deixava transparecer; talvez a transmissão tenha estimulado a consciência da minha mestiçagem e provavelmente sacudiu-me o suficiente para que me apercebesse de uma verdade incómoda: é que, muitas vezes, deixando-se levar pelas vozes dos fundamentalistas que acreditam que o Mundo é feito apenas de branco e preto, os mestiços sentem-se culpados da sua origem e mal reagem à marginalização. Tanto, que também os há os que se encolhem e os que escolhem uma parte em detrimento de outra! E, no entanto, deveria apenas sobressair o sentimento de profunda satisfação por serem fruto de uma união de dois seres provindos de lugares, educação e cultura diversa!
É por me sentir hoje tão segura e de consciência tão estimulada que concluo dizendo quanto lamento que haja quem se atenha a estas pequenas coisas de raça, de cor, ou de geografia e as utilize como arma de arremesso ou de insulto. Porque, quem assim se deixa ficar, quem assim pensa, quem assim segrega, nunca entenderá que o Mundo é povoado de seres humanos e esses não podem nem devem ser catalogados.

Mas que duas palavras importantes neste comentário: Vergonha e tristeza. Tanta tristeza e vergonha ao vermos os nossos atletas numa competição onde não deviam estar. Ainda não possuimos a menor preparação para participarmos num evento desportivo internacional. Os nossos atletas em Timor não têm equipamentos (camisolas, calções, botas, sapatilhas, meias, bolas), não têm recintos desportivos, não têm balneários, não têm clubes, nâo têm dirigentes, não têm treinadores, não têm condições de alimentação e higiene, não têm transportes, não têm estabilidade para desenvolver um treino. E é neste panorama, sob a esmola de Macau, que estamos presentes numa competição que nem dá para aprender porque nem professores temos que nos ensinem a corrigir erros. Ontem, por exemplo, a vergonha e a tristeza foram enormes quando no jogo de basquetebol o marcador final se quedou em 180!!! pontos para o adversário e 30!!! para a nossa selecção.
Hé que deixar os sentimentalismos de lado e cairmos na realidade. Há que não ter medo de dizer que TIMOR-LESTE NÃO DEVIA TER PARTICIPADO NOS JOGOS DA LUSOFONIA.
Devemos construir um país sem dar espectáculo de bobos ou de assessores de palhaçadas. Temos a nossa dignidade, temos bons atletas, mas o tempo para disputar confrontos só depois de se consolidar raízes desportivas, estruturas e associações de nível idêntico ou semelhante aos adversários.

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