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sábado, maio 05, 2007 

De novo, o Hospital Nacional

A campanha para a 2ª volta das presidenciais tem dominado as conversas, as páginas dos jornais, os noticiários das rádios e televisão. Contudo, sempre vão surgindo algumas notas sobre os incidentes que persistem nos bairros onde a violência ocorre tão normalmente como quem bebe um copo de água.
Há dias, os vidros do Hospital Nacional Guido Valadares ficaram todos partidos como resultado de uma desordem entre os refugiados que vivem nos jardins e varandas do hospital e os que circundam o edifício.
Já um dia referi o ar tranquilo do director do Hospital sempre que, uma vez por semana, aparece na televisão para fazer o balanço do movimento do hospital, onde, desde há quase um ano, dão entrada mais pacientes feridos pelas armas, catanadas, etc., etc., do que por doentes de outra natureza que, só se a sua situação clínica for de facto muito grave, se deixam internar…
Mesmo quando se refere às más condições de trabalho e às dificuldades que marcam o quotidiano daquela unidade hospitalar, o director mantém aquele ar tranquilo de quem há muito já interiorizou que não vale a pena gastar as energias com o que não está na sua mão resolver.
Também tranquilamente, os profissionais de saúde – médicos , enfermeiros, administrativos – embora muito cansados e certamente sentindo-se completamente incapazes de continuar a trabalhar naquelas condições, ameaçaram fazer greve se os refugiados não forem transferidos para outro local.
Vi e ouvi na RTTL um bem disposto vice-ministro da Saúde declarando que vai colocar as FDTL a fazer segurança ao hospital Guido Valadares. Com o mesmo sorriso, esclareceu o jornalista que o entrevistava que o hospital não tem falta de medicamentos. O que acontece, disse o governante, é que há um problema de gestão. E acrescentou que os profissionais que lá trabalham vão gastando o que há e se esquecem de avisar que o stock está no fim…
Fiquei elucidada.
Os refugiados vão continuar no hospital, vivendo sem nenhumas condições de habitabilidade, cozinhando na rua/relva (que é como quem diz, em tudo quanto seja um espaço vago) e enchendo de fumo da lenha utilizada todo o espaço hospitalar; dormindo em tendas e varandas, oferecendo-se alegremente aos mosquitos; as crianças brincando ao esconde-esconde, colhendo flores e remexendo divertidas nos caixotes pejados do lixo dos refugiados, das enfermarias e dos quartos do hospital, com certeza, sendo contagiadas sabe–se lá por que tipo de doenças; utilizando as casas-de-banho dos quartos e talvez das enfermarias ou passeando-se pelos corredores que separam os vários pavilhões do hospital onde se cruzam com doentes transportados em macas e com quem lá trabalha.
Os profissionais de saúde sabem agora que tudo vai ficar igual-ao-que-era-dantes da ameaça de greve mas, aleluia!, vão ser guardados pelas FDTL!!!
Se houver problemas, será que a culpa vai ser das Forças Armadas, dos refugiados de dentro, dos de fora ou dos profissionais de saúde?
Não sei se persistirá a ameaça de greve, até porque, havendo tanta falta de trabalho e sendo os direitos dos trabalhadores –ainda que existentes no papel – completamente ignorados, quem pode arriscar a perder o emprego? Têm razão? Claro que sim! Mas não podem ficar sem trabalho e têm de se dar por satisfeitos com a decisão do Sr. Vice-Ministro. Sobretudo agora que o Vice-Ministro –sem culpa nenhuma do que acontece porque ele é governante e por isso não comete falhas - afirmou que a culpa da falta de medicamentos cabe à gestão e essa é feita pelos profissionais que trabalham no Hospital…

A discrição do Hospital Nacional perturbou-me.
Quando vivemos a milhares de Km dessa realidade, o nosso egoismo faz com que consigamos ignorar o que nos devia perturbar.Só perante um episódio que nos afecte pessoalmente ficamos atentos às dificuldades vividas também há muito tempo por milhares de pessoas, dificuldades que fomos obrigados a partilhar durante alguns dias. Foi o que me aconteceu , quando uma pessoa muito próxima teve de ser assistida e ficar internada nesse Hospital.
E aí , quando os problemas passaram a ser também meus, reflecti no egoismo que nos governa.
Como conseguimos ignorar o que nos perturba mas não nos afecta pessoalmente,
Como ràpidamente nos "habituamos" a aceitar como irremediáveis as más condições de trabalho ,
Como pactuamos com o inaceitável,
Como arranjamos soluções/remendos para nos auto-conformarmos com a falta de condições.
Como poderemos transformar a nossa revolta em algo de positivo?
Como conseguir manter a nossa indignação?
Como canalizar a vontade de melhorar as coisas para o caminho certo?
Espero conseguir não me esquecer do que me aconteceu, para não ter a desculpa de não fazer nada por melhorar o "sistema"
Acho que em quase tudo, e por isso tambem aqui, se aplica o mote "think globaly, act localy"

Angela,

Seu texto é de uma vivacidade incrível. É um privilégio poder contar com seus relatos aqui do Brasil, do outro lado do mundo. Eles colocam o Timor hiper-real de escanteio e revelam aos leitores algumas das vicissitudes deste lugar que, como qualquer outro no mundo, é cheio de encantos e problemas. Obrigada por suas crônicas tão esclarecedoras.

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