Dificuldades do "povo kiik"
O Hospital Nacional Guido Valadares já não é só um hospital. É também a “casa” de um grande número de refugiados que se espalham pelos espaços relvados e pelas varandas dos diversos pavilhões do hospital. Cozinha-se ao ar livre. Na varanda-casa de um deles, há um televisor. As crianças brincam no relvado, mexem nos caixotes de lixo. Lá mais à frente, mesmo junto a um corredor onde passam centenas de pessoas, há uma cama de madeira, sem colchão. Dorme-se sobre a tábua dura.
As casas-de-banho de alguns dos quartos particulares são utilizadas pelos refugiados. E quem está internado num quarto passa a fazer parte da família refugiada na varanda, ouve as suas conversas, assiste à preparação das suas refeições, ouve uma criança chorando e acaba por se sentir culpado por estar num quarto rodeado de algum conforto enquanto que outras pessoas, timorenses como ele, têm como casa uma tenda ou uma varanda.
O Hospital Nacional é-nos muito familiar. Entra-nos quase diariamente pela casa adentro, de cada vez que o director – sempre com ar tranquilo - faz o balanço dos doentes internados, dos feridos com rama ambong, catanadas, acidentes, etc., etc.
Ontem, voltámos a ver o director que, com o mesmo ar tranquilo, veio desta vez falar-nos sobre as dificuldades sentidas no hospital.
Por exemplo, ficámos a saber que há falta de gaze para as operações. E também ficámos a saber que os profissionais do hospital arranjaram forma de remediar a falha: havendo apenas gaze de tamanho pequeno, da que é usada para pequenas feridas, faz-se um milagre, costurando, remendando a gaze uma à outra, aumentando assim o seu tamanho. Depois, é só esterilizar para poder utilizá-la!
Segundo parece, também há falta de medicamentos. E de sangue…
A M., “ferik-oan” do V. teve de ser internada de urgência. Foi-lhe feita uma cesariana e nasceram dois pimpolhos, aumentando de três para cinco o número de filhos do casal.
A parturiente está com sérios problemas de saúde. Tem tido muitas hemorragias, tem a tensão alta, vomita, tem tonturas e nem tem forças para dar de mamar aos dois filhotes recém-nascidos. Receoso de que os filhotes passassem mal e sem sequer se deter para pensar que, com certeza, o hospital não iria deixar morrer as duas crianças à fome, o V. concluiu que o melhor era levar as duas crianças recém-nascidas para a montanha e deixá-las à guarda de uma irmã mais velha. Não lhe foi permitido, claro.
Entretanto, era urgente fazer-se uma transfusão de sangue à fragilizada “ferik-oan” de V.
Novo problema surgiu: o hospital não tem sangue. V. assustou-se ainda mais e ofereceu-se para “comprar” o sangue necessário para salvar a sua M. V. não deve sequer saber que o hospital onde a mulher está internada é público e, por isso, não tem de pagar nada!
Afinal, sempre havia uma embalagem de sangue e a transfusão foi feita. Só que não há mesmo mais sangue pelo que V. vai ter de trazer os familiares da M. para que dêem sangue.
Se falta gaze, se nem todas as radiografias são feitas porque não há “chapas” suficientes, se faltam medicamentos, se o oxigénio é racionado, haverá forma, tempo e paciência para se ver se o dador não tem doenças ou se o sangue é compatível com o da doente?
Quando vai a classe dirigente deste país convencer-se de que a saúde é um bem inestimável, que a saúde não tem preço e é urgente e necessário apostar nela?
Não sei se a classe política se vai lembrar disso, com tanta confusão com as eleições...
Posted by Unknown 5:29 da tarde
ho
Posted by Unknown 8:22 da tarde