Crianças
São muitas as crianças de Timor-Leste. Delas se diz que são o futuro da Nação.
Todos os dias se vêem centenas de crianças que, embora menos do que antes da crise, enchem as ruas com as suas fardas multicores. De entre essas que frequentam a escola, há algumas que, não tendo de forma nenhuma invejável qualidade de vida, ostentam um ar mais feliz, menos pobre e fazem parte do grupo de pessoas que, num país normal, tem três refeições por dia. Em Timor-Leste, isso é um luxo!
Mas o grosso das crianças timorenses que andam na escola têm uma refeição diária e são filhas de pais que percorrem a cidade vendendo todo o género de legumes em busca dos almejados cinco dólares para pagamento da mensalidade escolar.
Há ainda outro tipo. São as que também vivem fora da cidade e, ao fim-de-semana descem à capital carregados de mangas, ananases, maracujás, bananas, etc., etc., porque precisam de ajudar em casa e porque também têm de juntar dinheiro para a escola…
Outro género são as crianças que não estudam. Enquanto os pais tratam da horta, elas substituem-nos na venda dos legumes, a elas lhes cabendo a difícil responsabilidade de conseguir diariamente dinheiro para o sustento da família. Há outras ainda a quem cabe ir ao mato ou à montanha buscar lenha que transportam sobre a cabeça, sem se queixar do peso que provoca inevitáveis problemas na coluna.
Também as há crianças de rua. Entregues a si próprias, sem eira nem beira, inventam mil e uma coisas para conseguir uns cêntimos. Lavam sujando carros com uma garrafa de água e oferecem-se para fazer segurança ao carro. Muitas destas nem sabem onde andam os pais. Alguns miúdos são filhos de pais problemáticos, dos que não trabalham, dos “vadios”.
As crianças andam sujas, andrajosas, quase sempre de ranho amarelado a pingar do nariz e não pedem nada de extraordinário. São apreciadores de um gelado, de uma boa maçã, sempre preferível a uma qualquer fruta tropical que por aqui abunde … alguns, mais afoitos, pedem uma camisola, umas bolachas. E dos que trabalham de sol a sol, surge muitas vezes o pedido de uma garrafa de água.
Mais discretos, menos visíveis, existem os órfãos que somam uns largos milhares. Esses são pobres, mas têm, por enquanto, algo que pode assemelhar-se ao aconchego de um lar e, ainda que tenham de trabalhar, ao mesmo tempo que lhes é dada a hipótese de estudar, têm três refeições diárias.
Nem sempre de rua, antes sendo propensos à asneira, existem os malandros e malcriados. Daqueles que insultam quem não falando tétum não lhes dá o que querem e ameaçam os timorenses que também não estão dispostos a contribuir para o fortalecimento da futura geração gang de Timor-Leste.
As crianças entregues a si próprias são uma herança dos tempos da UNTAET. Provavelmente, muitas dessas crianças que dormiam sob as arcadas do Palácio do Governo transformaram-se nos selvagens de hoje, dos que queimam, apedrejam, amedrontam, matam …
De entre o triste panorama das crianças que pulam pelas ruas de Díli, há aos miúdos que são jogadores de futebol, dos que dominam o futebolês e sabem muito bem quem o Ronaldo, Ronaldinho ou o Figo... ou as que se agarram a uma viola a acompanhar canções da moda, em tétum ou em português... E não faltam as que cantam afinadamente no coro da Igreja onde também há as que acompnaham à missa.
Mais ou menos felizes, crianças de rua, pedintes, malandros e malcriados são apenas crianças mas, à maior parte deles, é-lhes negada o direito de serem crianças, de brincarem e de estudarem.
Timor-Leste assinou a Convenção dos Direitos da Criança. Mas, em boa verdade, o Estado timorense não lhes tem prestado a devida atenção, nem à violação dos seus direitos.
Quase parece que se aceita de ânimo leve a existência de trabalho infantil. Porque toda a gente sabe e vê como as crianças trabalham!
Talvez porque os homens de hoje se julguem imortais, talvez porque pensem que o futuro será deles eternamente, talvez porque as crianças não votam, poucos há que por eles se interessem e quase ninguém aposta na sua valorização.
A impressão com que se fica é que os homens e as mulheres de hoje, preferem antes fechar os olhos e deixar que as crianças timorenses cresçam ao deus-dará, sem disciplina, sem referências a não ser aquelas com as quais convivem no seu quotidiano de rua e essas, inevitavelmente, farão delas os agitadores e os vândalos de amanhã.
PS: Está lenta, muito lenta a Internet. Enervantemente lenta! A lentidão não se prende todavia com o calor intenso que é normal nesta altura do ano, é a razão lógica de ser da nossa indolência e nos tolhe os movimentos…
As crianças são das melhores recordações que tenho de Timor. Tenho fotos lindíssimas de crianças timorenses, a quem falta tudo mas cujo sorriso apaga ou ilude a pobreza.
Posted by Rubi 3:16 da tarde
Li e adorei este texto e a forma como o escreveu: sentida e real. Eu também por aí passei e o que me dá mais saudades são os sorrisos das crianças que todas as manhãs me davam os bons dias e um tímido sorriso de pérolas muito brancas, à saída da casa onde eu vivia no Bairo Pité - agora assolado por lutas de gangs. De enternecer o coração, como as crianças por todo o mundo. Espero realmente que com esforços conjuntos se possa fazer mais por aqueles que serão, certamente, o futuro de Timor-Leste.
Posted by * Mindfully Wondering 7:51 da tarde
Isso está mesmo a precisar de uma reviravolta. Eu sempre ouvi dizer que as crianças são o futuro de amanhã. E realmente se assim não é, então Timor tem de começar pelo principio, que são as crianças.
Posted by AnadoCastelo 1:18 da manhã
Olá amigos e amigas de Timor, nós aqui do Brasil também sentimos tristeza ao vermos as crianças mal nutridas justo nas quais depositamos nossa esperança de um futuro mais promissor.
É triste vermos nossos governos gastando fortunas em empreendimentos mal planejados e as crianças sem escola, médicos e alimentação adequada.
Força a vocês e que consigam reverter este quadro.
Um abraço brasileiro.
Posted by Zé Carlos 6:35 da tarde
As crianças negligenciadas em Timor, resultam certamente nos "gangs" que vão proliferando, à pedrada. Fora de Dili parece tudo diferente...há mais ingenuidade; os rumores parecem não correr, ou não causar estragos ou movimentações, pelo menos para a ponta leste. Em Baucau, sendo a segunda cidade de Timor, sente-se também um certo clima instável. Demasiados jovens sem emprego reúnem-se a fazer sabe-se lá o quê.
A capital, sede do governo e de desgoverno, dita o desenvolvimento e futuro do país. Gostava de ter tido a oportunidade de visitar Oecussi e perceber se lá o acolhimento timorense seria igual e se lá se ouvem as novas de Dili.
Obrigada pelo blog e por este artigo em particular. Faz com que Timor Leste não seja lembrado apenas em períodos mediáticos. Sandra Gomes
Posted by Sandra Gomes 9:30 da tarde
Angela, adorei ler este artigo. Parabens. Muito real e bem sentido por quem o le. As criancas timorenses, deixaram recordacoes muito queridas no meu coracao. Esperemos que o governo de Timor-Leste invista no maior investimento desta nacao; As criancas!
Abraco de amizade
Idalina
Posted by Idalina M.J DaSilva 4:45 da manhã