terça-feira, fevereiro 03, 2009 

Um olhar breve sobre Díli

Uma Nação não se faz num abrir e fechar de olhos nem a educação se adquire de um dia para o outro. Por isso, não há que ser intransigente. Vivemos ainda com os hábitos adquiridos durante 24 anos de um quotidiano marcado pelas regras da sobrevivência sem que a educação cívica fosse tida – logicamente – como uma prioridade.
Apesar de tudo, avança-se, ainda que devagar e com alguma desorganização. Há desenvolvimento, há crescimento. Mas subsiste a desorganização. Díli, a capital de Timor-Leste, é disso um bom exemplo. Cresce sem um plano director de urbanização. Mais diria que está vulgarizado e bem aceite o conceito de crescimento ao deus-dará.
Os passeios de Díli estão a ser arranjados, há menos animais nas vias públicas, os funcionários da Administração local fazem regularmente a limpeza das ruas, sem haver do lado do cidadão o cuidado de a manter limpa.
O trânsito quase não conhece horas mortas e é caótico. Muito automóvel, muitos jeeps particulares e do Estado (que aqui se diz do Governo), da ONU, muitas camionetas, microletes (autocarros pequenos) , biscotas (autocarros maiores), “tiga-roda”, bicicletas, motos. Vêem-se alguns sinais de trânsito aconselhando a andar a menos de 50Km/hora, limite para o cidadão comum nem sempre cumprido por todos, com particular realce para os carros da polícia (mais a internacional) que, numa ostensiva manifestação algo saloia do seu poder (poder pequenino mas sempre poder!) anda veloz seja dia seja noite e em que circunstâncias for.
Os “tiga-roda”, as bicicletas e as motos nem sempre cumprem as regras de trânsito, tanto se lhes dando que a via seja de dois ou de um só sentido.
As motos transportam uma família inteira. O pai e a mãe andam com o capacete posto cumprindo as regras que, contudo, não são extensivas às crianças porque as motos são meios de transporte apenas para uma ou duas pessoas. Ora as crianças – duas, três ou até quatro, tudo dependendo do tamanho da família - quando andam com os pais nesse meio de transporte de duas pessoas transformada rapidamente em familiar amontoam-se... com algum jeito, é verdade, no dito cujo meio de transporte de família; ou ficam à frente do assento do pai ou entre este e mãe, todos muito agarradinhos. Às vezes andam apenas com o pai-motorista. E é vê-las, duas, três quatro, procurando manter-se direitas num tem-te-não-caias, agarrando-se com os seus bracitos à cintura do que vai à frente que, por sua vez, se agarra ao pai-motorista que tem à sua frente e junto do depósito de combustível uma outra criança. Presumo que vão para escola, o que quer dizer que ainda há que arranjar espaço para as mochilas.
Já me aconteceu ver uma criança que, embalada pelo movimento da moto, quase adormeceu e em resultado disso ia escorregando para fora do assento. Valeu-lhe o pai ter-se apercebido do afrouxamento do abraço em volta da cintura e ter parado a tempo...

As casas comerciais multiplicam-se, são um sinal evidente de desenvolvimento, de vitalidade. Crescem em qualquer canto da cidade, em habitações mal reparadas, por vezes num aproveitamento oportuno de casas desocupadas em 1999. O movimento dos clientes deixa antever que os comerciantes não perdem dinheiro e que devem até ter algum lucro. Só que não é excessivo dizer que o lucro conseguido não é, nunca é utilizado para melhorar coisa nenhuma que saia do estrito e muito particular interesse do comerciante.
Recordo que, no início da década de sessenta, quando Díli era uma cidade poeirenta, sem ruas alcatroadas, sem energia eléctrica e com as lojas comerciais a funcionar em casas de palapa cobertas de colmo e a cair de velhas, o Governador Themudo Barata decidiu lançar um desafio aos comerciantes exortando-os a substituí-las por casas de pedra e cal. A reacção foi rápida: não tinham dinheiro para o fazer. Mas o Governador não desarmou e o seu argumento de que, apesar de comerciar em casas de palapa, o facto de manterem as lojas abertas onde havia significável movimento de clientes era sinal de que faziam dinheiro, deitou por terra as razões dos comerciantes. O aspecto da Rua Dr. António de Carvalho (hoje Nicolau Lobato) e da Colmera, onde se situa o edíficio San Tai Ho então considerado sumptuoso, melhorou substancialmente.
Talvez tenha chegado a hora de os responsáveis pela urbanização da cidade exortarem os comerciantes a reparar o interior e o exterior das suas lojas, a pintar as paredes, umas sujas, outras sem pintura nenhuma, a lavar as varandas igualmente sujas onde os vendedores de rua se aglomeram em pacífica coabitação com os comerciantes formais. Pensando melhor, o ideal seria que essa medida a ser tomada fosse extensiva a todos os edifícios públicos!
A manter-se este estado de coisas, não admira que se diga que Díli não é uma cidade simpática. Nem bonita. Ou que Díli é o pior de Timor-Leste. Ou que, conhecendo apenas Díli, não se fica a conhecer Timor-Leste. Mas, sendo a capital, é urgente transformá-la! Depressa e bem!