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sábado, julho 05, 2008 

Atrevida ignorância!


O jovem desceu à cidade. Num golpe de sorte dos deuses, logo arranjou emprego. Estava a fazer-se um bom empregado. Educado, diligente, responsável, discreto, cumpridor. Gui andava satisfeito.
Um dia, seguido de outros tantos dias iguais, caiu redondo no chão.
A coisa complicou-se e dela diziam os amigos mais chegados: Aqui há coisa má! Isto é resultado do mau olhado!
Levou-se Gui ao médico. Pois, nada de especial. A cura aconteceria com o tempo (pois não é o tempo que tudo cura?) Bom, vá lá, uns comprimidos para ajudar a cura… Não ajudaram; Gui fartou-se da medicina dita civilizada e pediu autorização para ir à sua aldeia. Ali é que havia cura!
A tia, conhecida curandeira do sítio, em prece enladainhanda a vários deuses, socorria-se de diversos poderes. Avé Maria, Padre Nosso, rai nain, matan dok, raízes, chás, cascas diversas… Gui quase a cair ao chão, leve palmada na testa e Gui retornava à vida normal, definhando, definhando...
-Já se sabe o que tem Gui?
- É esquisito, porque quando parece que ele está bem, fixa o olhar no nada e, zás! Cai no chão sem mais nem quê!
- Mas...
Entredentes: Qual mas! Não há mas nenhum!E mais alto: Aquilo foi mau olhado originado pela inveja da sorte do rapaz! Bem, a verdade é que a irmã também já foi atacada do mesmo!
O tempo foi passando e o estado de saúde de Gui cada vez pior.
Meses mais tarde, os familiares da cidade sugeriram a um dos tios de Gui trazê-lo de novo à cidade.
De bigodaça farta, olhar vivo, desconfiado de modernices, o tio ficou-se pelo talvez... mas só depois de alguns tratamentos à base de umas raízes ainda não experimentadas.
Ao mesmo tempo, a família da montanha já descrente da cura de Gui andava a colectar alguns fundos entre familiares e amigos; sim, porque se Gui perecesse, era preciso ter tudo combinado e todos deveriam contribuir para as despesas.
Um dia, finalmente Gui regressou a Díli. Mais parecia um velhinho, trémulo, amarelo, magríssimo.
Análises, radiografias, comprimidos para o fígado e estômago e nada! Claro, os maus-olhados não deixam pista...
E todas as manhãs, à pergunta sacramental “como está Gui?”, a resposta sempre igual “Avó, a coisa má atacou-o três, quatro, cinco vezes. De noite, de madrugada, enquanto comia foi atacado e caiu para o lado. Até partiu um prato!”; “Avó, a coisa má atacou tão forte, e nós, com medo, deixámo-lo no chão, fugimos!”
Até que muitos desmaios e quedas depois, venham cá ver, Gui foi outra vez atacado pela coisa má!
Estirado no chão, olho revirado, som gutural, saliva ao canto da boca...
Parece que estava descoberta a coisa má que perseguia Gui há mais de um ano!
Decidiram avisados os amigos da cidade: à cautela, nem vamos pronunciar o nome da doença “maldita”, antes que fujam dele e o deixem sozinho. Assim foi feito.
Gui foi levado por um tio à Associação dos Doentes de Epilepsia situada em Pantai Kelapa onde lhe diagnosticaram a “bibi mate”*, tendo entretanto iniciado o tratamento.
Tenho esperança que Gui melhore. Tal como também tenho esperança de que os doentes epilépticos – apesar de não se ter em conta a “prioridade” da doença - passem a ter outro apoio – o do Estado - para além do que lhes é dado por uma ONG; espero que deixem de ser marginalizados e vistos pelos que deles fogem como o diabo foge da cruz receosos da coisa má como se fossem malditos.
E, já agora, que tal apostar na informação?

*Bibi mate significa, literalmente, cabrito morto; em sentido figurado, é o equivalente ao português “olhos de carneiro mal-morto”.

Seja bem aperecida menina Angela.Tantos dias que ao abrir o blog batia com o nariz na porta .Este Blog até tinhoa ou tem muitos leitores espalhados pelo Mundo escreva escreva porque o seu escrever tem graça e satifaz o leitor.Luis na Costa da Caparica

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