Direitos, de quem?
Ainda de negro vestida, de negro véu de renda cobrindo-lhe a cabeça, G. regressa a casa depois de mais uma ida à Igreja onde em silenciosa prece procura alento para a dor profunda pelo desaparecimento do seu companheiro. Três meses é, efectivamente, muito pouco tempo e a dor corta como navalha afiada.
As lágrimas soltam-se-lhe facilmente dos olhos negros de luto profundo e entrecortam-lhe a voz enquanto desabafa que “...foi demasiado cedo, ainda não tinha chegado o tempo dele. “
E continua: “Baixou ao hospital depois de um primeiro ataque; ali, disseram-me que não tinham hipótese de o tratar. Que o hospital não tinha equipamento apropriado. Que era melhor levá-lo para o estrangeiro. Portanto era bom que a família arranjasse forma de o levar de Timor. Eu e os meus filhos tentámos tudo. Queríamos que ele fosse para Darwin. Mas eram precisos vinte e cinco mil dólares...(suspira!) para a Indonésia também não era fácil porque o meu marido andou a fazer trabalho clandestino no tempo da ocupação...
No Hospital Nacional de Timor-Leste não havia tratamento para ele e o meu marido morreu vítima de novo ataque cardíaco três dias depois de ter sido internado. Mas foi cedo de mais. Ainda não tinha chegado o tempo dele...”
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Manhã cedo, depois de deixar a filhinha em casa da avó, L. fazia o trajecto habitual para o escritório quando uma pedra bem grande lhe apanhou “a cabeça, ao lado da nuca, aqui do lado esquerdo”.
L. conta que “ fui logo para o hospital. Vomitei muito. Por isso o médico ficou muito preocupado, fez-me uma radiografia e também me aconselhou que ficasse em casa a descansar; mas desde que levei a pedrada passei a ter muitas dores de cabeça, tonturas e falta de equilíbrio. Eu já voltei outra vez ao hospital. Mas a radiografia não acusa nada. Por isso o doutor disse que tenho de fazer um exame mais completo. Mas o hospital de Díli não tem o equipamento e tenho de ir a Bali.”
L. teria ido logo se tivesse dinheiro para a viagem, estada e para o exame. Assim, vai trabalhar todos os dias embora continue com tonturas, falta de equilíbrio e muitas dores de cabeça. E, claro, continua sem dinheiro. Mas também continua à espera. De quê? Certamente que haja um milagre!
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Fala da universidade e da igualdade o artigo 16º da Constituição da RDTL que diz que “Todos os cidadãos são iguais perante a lei, gozam dos mesmos direitos e estão sujeitos aos mesmos deveres”;
Sobre a saúde, estipula o artigo 57º, 1, da CRDTL que “Todos têm direito à saúde e à assistência médica e sanitária e o dever de as defender e promover”;
O artigo 1º da Declaração dos Direitos Humanos defende que “Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e em direitos. Dotados de razão e de consciência, devem agir uns para com os outros em espírito de fraternidade.”
Doeu-me o coração ao ler o escrito, que é sem duvida e infelizmente a verdade. Quantos Timorenses morrem por falta de assistência medica, ou por falta de poder económico?
Os tais artigos da Constituição, numero 16 e o 57, dá a todos os Timorenses os mesmos direitos e regalias, numa afirmação de humanidade e igualdade que todos devemos ter perante a lei e a sociedade mas infelizmente essa mesma Constituição parece por vezes ter um só sentido, que é aquele que o poder político em vigor lhe queira dar.
Faz mais ou menos um ano por esta data que estando de ferias em Bali ai encontrei um conhecido membro do governo de Timor, em “tratamento” e quando lhe perguntei há quanto tempo ali estava, respondeu-me que já lá iam uns meses. Maliciosamente questionei-o como poderia eu resolver o problema da visa na Indonésia, uma vez que a sua duração era só de três meses e eu queria ficar lá mais tempo. Ensinou-me então que ele ia até Singapura ou Malásia, e lá arranjava a visa para voltar.
Enfim coisas de novos-ricos, que nem todos os Timorenses podem fazer.
Depois de ler de novo o artigo, fiquei a pensar que talvez a maneira de resolver o problema da saúde em Timor era que TODOS os Timorenses fizessem parte do governo de Timor, pois que assim poderiam ir-se tratar ao estrangeiro em avião fretado para o efeito, e teriam também direito a ajudas de custos.
mco
Posted by Mau Lear 10:56 da tarde
Infelizmente parece que esses artigos ficam muitas vezes no papel. Quando estudei em Lisboa lembro-me de estudar, na cadeira ONU, uma clausula que se chamava Cláusula facultativa de jurisdição obrigatória. Uma anedota!
Posted by Rubi 12:02 da tarde
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Mais um Blog que se tornou um Livro!
Filme da apresentação disponível no YouTube em “Camarada Choco”
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Posted by António Miguel Miranda 12:49 da manhã