domingo, setembro 04, 2011 

A "generosidade" estrangeira em Timor-Leste

No belíssimo Palácio de Lahane cedido para o que pretendia ser a “gala” organizada pelo, creio, “Rotary Club” e patrocinada por um resort de Bali, estava a “fina flor” da classe de estrangeiros residentes em Timor-Leste; entre estes, representantes de várias e bem conhecidas empresas estrangeiras que “investem” no nosso país.

A festa de ontem à noite tinha como objectivo a angariação de fundos a favor de uma das regiões mais sofridas do país desde o tempo da ocupação indonésia, pelo que os organizadores entenderam leiloar alguns produtos, entre os quais peças de mobiliário em madeira fabricadas em Timor, viagens ao estrangeiro, uma caixa de charutos cubanos assinados por Raul Castro e um quadro da autoria de uma pintora timorense – a convite de quem me encontrava na festa - que o pintou especialmente para esse efeito a pedido dos organizadores do evento.
Cada entrada custava 100 USD e, de entre tanto estrangeiro, pontuavam uns 30 timorenses que não empresários. Alguns, pouquíssimos portugueses. Não vi representantes de empresas portuguesas ou timorenses. Conclui que a festa se destinava quase exclusivamente a estrangeiros, na sua maioria de língua inglesa. A noite era de língua inglesa!
Pensei eu que, perante tanta lantejoula, tanto fato comprido, um ou dois uniformes militares de gala, saia escocesa, tanto casaco escuro e tanto champanhe a condizer com a pretensa solenidade da gala, os ditos empresários ou representantes de grandes empresas que dizem investir em Timor-Leste bem como os altos funcionários internacionais fossem abrir os cordões à bolsa contribuindo, dessa forma, para algum bem-estar das populações sofridas de uma zona recôndita do distrito de Ainaro. Pensei mal. Porque, se alguns estrangeiros ainda entraram no despique das viagens ao estrangeiro, quanto às peças de mobiliário apenas o grupo de timorenses se aventurou a adquiri-las – claro, são eles que fazem cá, em Timor-Leste, a sua vida! – já a caixa de charutos teve de ficar nas mãos do embaraçadíssimo licitador. Quanto ao quadro - sobre o que nem a intervenção da mulher do Primeiro-Ministro a favor das gentes sofridas de Mauchiga valeu ou provocou alguma reacção dos empresários ou representantes de grandes empresas estrangeiras ou dos altos quadros internacionais presentes que se mantiveram em embaraçante silêncio -, acabou nas mãos de uma particular, igualmente estrangeira.
A somar à vergonha pela despudorada avareza dos ditos senhores que vêm investir em Timor-Leste e dos ditos quadros internacionais que também vêm trabalhar, dizem, pelo desenvolvimento deste país, senti particular revolta pela indiferença com que as excelências acompanhavam a licitação das duas peças finais que, tudo fazia crer, seriam bem vendidas indo assim servir para ajudar a minorar o sofrimento e a pobreza daquelas populações.
Fiquei a saber que, em festas do género anteriormente realizadas, os ditos senhores importantes apenas abrem os cordões à bolsa se estão presentes ou o Presidente da República ou o Primeiro-Ministro. Então, têm de dar um ar da sua fictícia generosidade, e não deixando transparecer o que de menos bom lhes vai na alma, não lhes sobra outra solução senão a de entrar no jogo destinado, repito, a ajudar as populações timorenses mais carenciadas! Ontem, não estava ninguém das autoridades timorenses pelo que eles, os estrangeiros que ganham muito bem - sim, eu sei que é seu direito! - ou que têm lucros das suas empresas sediadas em Timor-Leste – também é seu direito, eu sei! – entenderam por bem deixar bem explícito que o que ganham não é para ficar em Timor-Leste! É para ser transferido para os seus países de origem. Claro que o conseguem à conta, também e claramente, das condições de subdesenvolvimento económico de Timor-Leste e da falta de quadros técnicos timorenses...
Cumprida a parte do leilão, a animação voltou. E os senhores internacionais, do alto da sua importância e da sua displicência por estas coisas de povo pobre que não lhes dizem qualquer respeito, foram divertir-se dançando no salão nobre. E, se eu tinha dúvidas, fiquei com a certeza de que eles, os estrangeiros, apenas queriam divertir-se. Porque - devem ter pensado - caramba!, se pagaram 100 USD pela entrada tinham direito a isso!
Tão generosos que eles são!