sexta-feira, junho 29, 2007 

Ensinar português em Timor

Kata berimbuhan adalah kata yang telah mengalami proses pengimbuhan (afiksasi). Imbuhan atau afiks adalah morfem terikat yang digunakan dalam bentuk dasar untuk menghasilkan suatu kata. Hasil dari proses pengimbuhan itulah yang kemudian disebut kata berimbuhan.
Menurut bentuknya, imbuhan dikelompokkan sebagai berikut.
1. Awalan atau prefiks, misalnya me(N)-, ber-, di-, ter-, se-, per-, ke-.
2. Sisipan atau infiks, misalnya –el, -em, dan –er. Contoh pemakaian: geletar, gemetar, gerigi
3. Akhiran atau sufiks, misalnya –kan, -i, -an, dan –nya. Contoh pemakaian: turunkan, uraian, jalani, akhirnya
4. Awalan-akhiran atau konfiks, misalnya ke-an, pe(N)-an, per-an, ber-an, se-nya. Contoh pemakaian: keadilan, penyamaan, perhatian, bersamaan, semaunya.


Isto é um excerto de um manual de escola secundária da disciplina de língua indonésia (*), e explica algumas noções muito básicas sobre afixos desta língua. E então? O caríssimo leitor compreendeu? Pois... mas em Timor espera-se que os aprendentes timorenses adquiram proficiência na língua portuguesa com materiais preparados apenas em português. Vejo que o caro leitor - que é um indivíduo perspicaz - está já pronto para objectar dizendo que os timores falam tétum, uma língua que tem uma percentagem enorme de léxico proveniente da língua em que Luís Cardoso e Fernando Sylvan escreveram as suas obras. Tem toda a razão. Vamos então aprender tétum usando apenas explicações em tétum:

Ora, parese katak verbu lia-tetun nian simples no ‘mamar’ liu verbu lia-portugés no lia-inglés ninian, maibé bainhira ita liu ba feisaun seluk sistema verbál nian, mak aspetu, ita haree kedas katak dalen austronéziku sira (tetun no malaiu) maka kompleksu ka ‘toos’, enkuantu dalen europeu sira simples ka ‘mamar’.
Tempu ne’e feisaun gramatikál ida-ne’ebé hatán ba lia-husun ‘bainhira?’. Dalen austronéziku sira (hodi haleno makdalek sira-nia kultura) ladún importa kona-ba tempu, ne’ebé importante tebetebes fali ba malae-Europa sira. Dalen austronéziku sira hali’is liu ba aspetu, ida-ne’ebé hatán ba lia-husun ‘hotu ka seidauk?’.
Hodi hanoin kona-ba hahalok ida hotu ka seidauk, makdalek tetun baibain husu an se hahalok ne’e karik
(1) sei la’o hela lailais/maka’as nune’e uza matadak
gresivu daudaun
(2) sei la’o hela neineik nune’e uza matadak
estativu hela
(3) sei la’o hela, la’ós prontu atu hotu nune’e uza matadak
prospetivu sei
(4) hotu tiha ona nune’e uza matadak
perfetivu tiha
(5) hahú ona nune’e uza matadak
insetivu ona
(6) hahú ona no mós hotu ona nune’e uza matadak (katetek) perfeitu tiha ona
(7) foin hahú nune’e uza matadak
resentivu foin
(8) atu hahú de’it nune’e uza matadak
aprosimativu ba
(9) prontu ona atu hahú nune’e uza matadak
iminentivu atu” (**)

Como vê o tétum tem de facto muito vocabulário oriundo do português, mas ainda assim seria mais fácil para o aprendente lusófono se estas explicações sobre o sistema de tempo-modo-aspecto do idioma estivessem em língua portuguesa. (Para os que se interessam realmente pelo tema é oportuno lembrar que as explicações incluídas no “Guia de Conversação Português-Tétum” de Luís Costa, pág. 27-29 – que repetem mais ou menos o que diz Basílio de Sá (***) em 1961 – estão gramaticalmente incorrectas, devido fundamentalmente a uma simplificação excessiva e errónea e à tentativa de espremer à força o tétum para dentro da gramática do português.)

Há teorias que defendem o ensino da língua segunda e da língua estrangeira usando apenas a língua alvo, mas a validade disso na prática depende de muitas circunstâncias. Qualquer pessoa percebe que faz todo o sentido ensinar espanhol a portugueses falando apenas em castelhano, ou que um aluno português de nível universitário a viver em imersão linguística num país escandinavo pode frequentar com proveito aulas do idioma nacional leccionadas apenas nessa língua. Mas agora imagine que está num ambiente onde se fala a sua língua materna e a aprender em contexto escolar japonês, chinês, basco, umbundo, indonésio ou tétum, e o professor ensina utilizando exclusivamente esse idioma. Passará meses de frustração sem compreender quase nada do que está a ser dito, sentir-se-á desmotivado, talvez desista do curso e quando um amigo lhe perguntar o que já sabe dizer na língua que estudou poderá ter que confessar que só aprendeu as saudações básicas. Pense então no aprendente timorense, que tem que lutar também com outros condicionalismos como a situação socio-económica do país e a falta de conhecimentos metalinguísticos básicos não adquiridos devido ao péssimo sistema de ensino existente.
Os materiais para o ensino de português em Timor-Leste têm sido habitualmente elaborados (ou adaptados de outros já existentes) em gabinetes em Portugal por pessoas que não conhecem as línguas relevantes no país. Ter o tétum em conta ao escrever um livro de PL2/PLE (português língua segunda/língua estrangeira) não significa meramente mandar traduzir para essa língua as instruções do género “Preencha os espaços em branco”. Também não significa agarrar num livro usado em Lisboa para ensinar estrangeiros e mudar apenas as Elisabeth para Marias Imaculadas e a Rua Augusta para Colmera. Contextualizar o ensino da língua inclui ter em atenção que um falante de inglês usa o verbo “to be” onde um português usará “ser” ou “estar”, e que portanto haverá que dar uma atenção especial aos diferentes usos destes dois verbos. Para um falante de castelhano já só será importante explicar algumas poucas diferenças entre os “ser” e “estar” deles e os nossos. Em tétum não há verbo “ser”. Há docentes em Timor que ensinam os alunos a memorizar transcrições fonéticas do português europeu padrão como aprenderam na Faculdade, esquecendo que os alunos não têm acesso fácil a falantes desse dialecto, e que os timorenses que falam fluentemente a língua portuguesa usam regras fonológicas diferentes.

Por outro lado existem os “nativistas” que pensam que contextualização de materiais didácticos para as escolas de Timor significa que os livros não podem mencionar nada que seja exterior à realidade do aluno timorense típico. Vivem angustiados com a possibilidade de alguém lhes chamar neo-colonialistas. Exaltam-se se vêem uma ficha sobre transportes que mencione o comboio, porque não há comboios no país. Pois eu espero vir a criar os meus filhos em Timor e quero que eles saibam o que são comboios. Também não há naves espaciais em Portugal e quando eu era pequeno aprendi o que eram. Os livros escolares coloniais onde só apareciam maçãs e pêras, e nada de bananas, mangas e papaias, eram ridículos. Mas querer aprisionar as crianças nos limites da sua aldeia em vez de lhe dar também algumas janelas para ver o mundo também é digno de comiseração.

Uma outra lacuna grave do ponto de vista estratégico é a não instrumentalização da língua indonésia. Não me perceba mal, caro leitor, eu também sou dos que consideram o indonésio uma ameaça latente contra a especificidade cultural timorense, e acho que é da maior importância a disponibilização de apoios para o desenvolvimento do tétum. Mas às vezes é útil usar as armas do adversário (as Falintil usavam armas americanas capturadas ou compradas aos militares ocupantes, não iam combatê-los com surik – espada tradicional – em nome da pureza cultural). Justificava-se a produção de materiais para o ensino do português a jovens adultos utilizando a língua indonésia, que é aquela em que a maior parte desses alunos fizeram o seu percurso escolar e cuja gramática estudaram. Seria fácil evitar leituras políticas inapropriadas elaborando esses materiais tendo como público-alvo directo e declarado os próprios indonésios, já que o Instituto Camões tem um leitorado em Jacarta, e disponibilizando depois em Timor uma grande parte da tiragem. Nas pequenas livrarias improvisadas em cima de uma lona no chão ou de uma mesinha na beira das estradas em Díli (os locais em que normalmente os timorenses compram livros) é mais fácil encontrar manuais de espanhol do que de português, e estes têm procura pelos muitos candidatos a uma bolsa de estudos para Cuba.




Há uns anos uma instituição portuguesa envolvida no ensino de português em Timor orgulhava-se de disponibilizar glossários técnicos em português e tétum que consistiam em duas colunas com os termos numa e noutra língua. Na realidade a utilidade de tais listas de palavras é muito reduzida já que boa parte dos termos técnicos do tétum disponibilizados são propostas novas de um cultor da língua, que os falantes não apenas ainda não utilizam como precisam até de explicações adicionais para compreender. Esse caminho é interessante para o desenvolvimento do tétum, o que é útil, mas pouco produtivo para outro objectivo, o da divulgação da língua portuguesa no momento imediato. Os falantes jovens que usam ainda empréstimos lexicais do indonésio para o vocabulário técnico ao falarem em tétum achariam mais útil um glossário de indonésio-português. Assim poderiam saber que “pengacara” corresponde a “advogado”, em vez terem uma lista a informar que “tét–advogadu = port–advogado”. Se o jovem timorense que está a procurar a palavra não conhecia o vocábulo “advogado”, mas apenas “pengacara”, o glossário é completamente inútil para elucidá-lo. O professor português que está a dar uma aula apoiado em tais materiais procurará inutilmente termos cujo significado em língua portuguesa os alunos solicitam, coisas como: hukuman mati, hukum adat, hakim, kesaksian, olah raga, piala dunia, tinju, catur, wasit, pemenang, (sekolah) swasta, TK (lê-se “te ka”), pariwisata, kwitansi, sejarah, arsitek... Se houvesse glossários técnicos indonésio-português disponíveis o professor poderia dar as respostas: pena de morte, direito consuetudinário, juiz, testemunho, desporto, campeonato do mundo, boxe/pugilismo, xadrez, árbitro, vencedor, (escola) privada, escola pré-primária, turismo, recibo, história, arquitecto. O Instituto Nacional de Linguística (INL) está atento à necessidade de substituir os empréstimos lexicais do indonésio que ainda vão aparecendo nas conversas e textos em tétum e por isso publicou o muito útil “Disionáriu Malaiu-Tetun” (2002), de Geoffrey Hull e Toni Pollard, patrocinado pela Finlândia. Os autores também prepararam um Dicionário Malaio-Português, que está pronto há muito tempo, mas que nenhuma instituição portuguesa se disponibilizou para publicar. Pode ser que qualquer dia a Finlândia resolva investir na divulgação da língua portuguesa e então o dicionário possa ser publicado...



Devia haver comunicação entre os representantes do Instituto Camões em Jacarta e em Díli, isso traria proveito para ambas as partes. Instituições portuguesas como a Gulbenkian dão bolsas de estudo a estudantes timorenses que frequentam universidades indonésias, talvez fosse possível chegar a algum tipo de acordo entre esta fundação, o Instituto Camões (do MNE) e o Governo timorense, de forma a que a atribuição da bolsa tivesse associada a exigência de frequência de aulas de português com aproveitamento para os alunos que estão em Jacarta, onde o IC tem um leitorado. Aliás, isso deveria até ser alargado a pelo menos mais uma cidade, Yogyakarta, onde há uma enorme concentração de estudantes de Timor-Leste, eventualmente com a colocação de mais um leitor ou assistente português. A França não tem laços históricos relevantes com a Indonésia, ao contrário de Portugal, mas o Centro Cultural francês em Yogyakarta é mais bem equipado e mais activo do que o Centro Cultural português em Díli!! E o que vai salvando a honra do convento aqui é o empenho da Mara, dinâmica jovem responsável por ir fazendo omeletes quase sem ovos... Mesmo iniciativas meritórias levadas a cabo pelos portugueses em Jacarta, como a publicação de uma tradução para indonésio do livro de António Pinto da França “Portuguese Influence in Indonesia” [Pengaruh Portugis di Indonesia (2000)], não têm eco em Díli. Deveriam ter sido distribuídos, ou pelo menos disponibilizados para venda, muitos exemplares dessa tradução em Timor, em vez disso apareceu só meia dúzia de exemplares, vendidos apenas numa ONG de jovens timorenses que tinham estudado na Indonésia, agora já extinta. A revista indonésia de literatura “Prosa” (193 págs) publicou em 2002 a tradução de uma extensa entrevista de Katherine Vaz a José Saramago, além do texto em indonésio do primeiro capítulo do “Ensaio sobre a Cegueira”. Não existe nenhum exemplar nas bibliotecas que os portugueses mantém em Timor, apesar de terem sido então alertados.





Muitos portugueses em Timor, incluindo alguns professores, têm uma visão eurocêntrica da realidade linguística local e agem como se a língua portuguesa fosse a panaceia universal capaz de resolver todas as dificuldades do país. Nem lhes passa pela cabeça que a vida quotidiana das pessoas se centre em problemas mais prementes do que a língua, e vêem como uma ofensa pessoal a decisão de algum timorense de aprender inglês para ver se arranja emprego. Dizem orgulhosamente que não lhes apetece perder tempo a estudar tétum porque é uma língua que não serve para nada e que estão em Timor é para ensinar português. Gostava de os ver na França a tratar com essa sobranceria os franceses e a sua língua. Os australianos, que são mais práticos nestas coisas, aprendem geralmente tétum, que para eles é de mais difícil aprendizagem do que para nós por causa da quantidade de empréstimos do português que nós já conhecemos previamente e eles têm que decorar pela primeira vez. Desta forma eles conseguem conversar com toda a gente, com destaque para os jovens, enquanto os portugueses se entretêm a falar sozinhos ou com os velhos que lhes dizem o que eles querem ouvir.



A produção portuguesa sobre línguas de Timor é escassa e ainda não se libertou de alguns complexos hoje anacrónicos. Mesmo o “Dicionário de Tétum-Português” (2000) de Luís Costa, timorense residente em Portugal, é um dicionário para malai ver, não tem os timorenses como público alvo (além de não usar a ortografia oficial do tétum, mas isso é outra história...). Bastante diferente é a filosofia que tem presidido à elaboração de gramáticas, prontuários, livros de exercícios, etc, do INL. Veja-se o impressionante dicionário monolingue de tétum, “Disionáriu Nasionál ba Tetun Ofisiál” (2005), de 872 páginas, resultante de um trabalho de equipa de linguistas australianos e timorenses, e patrocinado pela União Europeia e por instituições austríacas. Há professores portugueses em Timor com uma atitude louvável, que tentam investigar e produzir alguma coisa fundamentada, principalmente para o ensino de PL2, mas não é fácil com os horários carregados que têm e com os condicionalismos que enfrentam. Deveria haver uma política determinada de produção de materiais didácticos, o que implicaria reduzir a carga horária dos envolvidos.





O tétum não está em concorrência com o português, mas pode roubar cada vez mais espaço de manobra ao indonésio na sociedade timorense. O português continuará a ser necessário para o futuro da nação, principalmente após a escolaridade básica. E claro que não há recursos disponíveis em tétum para formar um engenheiro ou um médico. Contudo, se alguém pensar em fazer um plano nacional de leitura para as escolas de Timor, isso só será minimamente credível actualmente se for com livros em tétum. Seria necessário mudar a mentalidade colonialista/colonizada no que se refere à forma como se olha para a língua nacional de Timor-Leste. Muitas percepções incorrectas devem-se apenas ao eurocentrismo. Uma vez, aquando da visita de um especialista em manuais escolares numa missão do Banco Mundial, houve uma reunião do tal senhor com um pequeno grupo de intelectuais timorenses, na qual também fui chamado a participar. A determinada altura defendi que o tétum deveria ser usado para fornecer explicações nos manuais de português e dei o exemplo de aulas de iniciação em que o professor malai tenta explicar a diferença entre “ser” e “estar” recorrendo a vocabulário e conceitos gramaticais complicados que o aprendente que não conhece os significados de “ser” e “estar” nunca compreenderá. Um amigo meu retorquiu que seria difícil explicar a diferença entre esses verbos por não existir uma tradução directa de “ser” em tétum, o que – acrescentou – trazia dificuldades acrescidas à teologia e ontologia. No livro de Susan Bassnett “Estudos de Tradução”, p.XXIV, podemos encontrar talvez uma resposta a esta última inquietação:

Lefevere explica-se bem quando enumera alguns absurdos da história cultural que derivam de uma concepção excessivamente estreita da tradução: «Dá que pensar (...) que o Aramaico que Jesus Cristo falava fosse destituído de verbos copulativos, especificamente do verbo ‘ser’, apesar de os teólogos se terem questionado durante séculos sobre o verdadeiro significado do ‘é’ que aparece, na tradução grega, em frases do tipo ‘este é o meu corpo’ e que tenham queimado, sempre que tiveram esse poder, aqueles que discordavam da sua reescrita.»

Numa outra ocasião explicava eu a dois colegas docentes universitários portugueses uma característica da variedade de português falada pelos timorenses que é influenciada pelas línguas autóctones: a resposta a perguntas na negativa. Se eu perguntar a um português “Não vais?” é de esperar que ele responda “Não” se não pretender ir, mas um timorense irá responder “Sim” na mesma situação. Se um lisboeta tiver um convidado de Timor e lhe perguntar “Não quer mais café?” e este disser “Sim” o português irá encher-lhe novamente a chávena e o timorense ficará muito surpreendido. A resposta do timorense é afinal mais lógica do que a nossa: “sim = é verdade que não vou”, “sim = é verdade que não quero mais café”. Isto também acontece no tétum. Os meus colegas achavam que isso era uma forma incorrecta de organizar o pensamento, um entrave ao raciocínio científico. Estive a tentar convencê-los com argumentos do relativismo cultural aplicado às línguas, mas entretanto descobri um de maior peso. É que o japonês também funciona como o português falado em Timor e o tétum, e não passa pela cabeça de ninguém imaginar que a língua japonesa seja um obstáculo ao raciocínio científico.

Noutra situação ainda, uma amiga a quem estava a dar aulas de tétum comparava a gramática deste idioma à da “novilíngua” de Orwell em “1984”. Mas afinal também o chinês, p.ex, tem adjectivos que são verbos, além de palavras novas formadas por composição do género de “ró-ahi” (‘barco-fogo’ = navio a vapor): em mandarim “canguru” é algo como ‘ratazana bolsa’, “girafa” é ‘veado pescoço comprido’, “telefone” é ‘palavras eléctricas’, “computador” é ‘cérebro eléctrico’, os termos habituais para “europeu” costumavam ser ‘diabo estrangeiro’ ou ocasionalmente ‘nariz grande’... Mas não esqueçamos que a China tem uma civilização milenar, que produz actualmente também tecnologia de ponta, e que há quem defenda que no final do século XV a China tinha escrito e reproduzido sozinha mais livros do que todos os restantes países do mundo em conjunto. Outros tentam tirar mérito ao tétum por ter muitos empréstimos lexicais do português. Respondo com o exemplo do inglês, cujo vocabulário é em cerca de cinquenta por cento proveniente do francês e do latim.

O português é na minha opinião essencial para um futuro harmonioso em Timor-Leste, mas é necessário reflectir sobre todas estas questões. Não chega ter boas intenções. Em ocasiões anteriores tenho manifestado a minha perplexidade por haver docentes portugueses que usavam o “Auto da Barca do Inferno” como obra de estudo nos cursos para ensinar a língua portuguesa a professores timorenses nos vários distritos. Houve quem discordasse de mim. Aos que gostam da ideia de ensinar português em Timor recorrendo a Gil Vicente, recomendo uma experiência iluminadora: vão aprender a falar inglês usando como texto base os “Canterbury Tales” de Geoffrey Chaucer, ou, melhor ainda, o “Beowulf”.

Uma parte enorme do corpo docente das escolas do país tem apenas qualificações mínimas. Muitos queixam-se de não compreender os livros que lhes dão para usar. Um livro para ser usado em aulas de português, ou leccionadas em português, com estas características deve ser acompanhado de um manual do professor que traga as lições planeadas até ao pormenor, antecipando as dúvidas do docente e explicando em tétum as respostas que ele deverá dar aos alunos. Os autores destes livros devem conhecer muito bem a realidade social, linguística, cultural e educativa do Timor dos dias de hoje. Mas como criticar é fácil, vou passar a tentar convencer alguém a dar-me as condições necessárias para produzir o tipo de materiais que me parece que fazem falta para complementar o que já há. Andemos, que é para a frente que é o caminho.

(*) NURDIN, Ade, MARYANI, Yani dan MUMU – Intisari Bahasa dan Sastra Indonesia: Ringkasan Materi Lengkap disertai Contoh Soal-Jawab dan Latihan UAN, Cet. II. Bandung, Pustaka Setia, 2004, p. 43

(**) Hull, Geoffrey Stephen e Correia, Adérito José Guterres – Kursu Gramátika Tetun – Ba Profesór, Tradutór, Jornalista no Estudante-Universidade Sira. Díli, Instituto Nacional de Linguística, 2005, p. 38 [trata-se de um livro sobre a gramática do tétum destinado a um público falante dessa língua]

(***) Sá, Artur Basílio de [ed. crítico] – Textos em Teto da Literatura Oral Timorense, vol.1, Lisboa, Junta de Investigação do Ultramar/ Centro de Estudos Políticos e Sociais, 1961, p. XXX-XXXI

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quinta-feira, junho 28, 2007 

Ena, pá! Tantos partidos!!!

Quatro partidos, a APODETI, a ASDT/ FRETILIN, o KOTA e a UDT – nasceram em 1974.
Havia ainda o Partido Trabalhista mas esse, ainda que tenha tido uma presidente pós-1999, desapareceu de cena. E nem o aparecimento –ainda que fugaz - aquando das presidenciais foi suficiente para o revitalizar.
Há muitos partidos em Timor-Leste, demasiados, consideram alguns observadores que acrescentam dizendo que, em Timor, a exemplo das universidades, os partidos nascem como cogumelos.
A profusão de partidos talvez se explique pela natural evolução das pessoas. Tempos novos, ideias novas… Por outro lado, em Timor-Leste, a tolerância das pessoas varia conforme os momentos, os interesses e os humores. Se alguém não gosta de uma atitude do líder do seu partido, o mais certo é nem perder tempo. Não vale a pena debater, nem lutar pela alternância na liderança do partido. Esse caminho pode ser muito democrático mas, já que a democracia reconhece o direito de formar partidos e acarinha a pluralidade partidária, torna-se mais fácil fundar um novo partido. E vá de se formar novo partido que, às vezes, se limita a quatro paredes e a um apelido!!!
Pode, porém, acontecer que haja apenas desvios de rota, como é o caso da FRETILIN-Mudança, a versão moderada da histórica FRETILIN, agora liderada pelo grupo de Maputo de Mari Alkatiri,
A FRETILIN-Mudança - cujo líder, José Luís Guterres, é um dos fundadores desse partido, ocupou o cargo de Embaixador em Nova Iorque e foi MNE de Julho de 2006 a Maio de 2007 -, é a variação mais mediática da FRETILIN que, passados quase 33 anos sobre a data do seu nascimento, se mantém igual ao que era em 1974-75.
Em 1974, a FRETILIN queria ter uma intervenção mais radical e, quando entendeu que a ASDT era demasiado moderada, mudou de nome e de estilo, transformando-se numa Frente, à boa maneira revolucionária. E, mesmo sendo hoje um partido, isso não quer dizer que aceite facilmente no seu seio a coabitação interna com as várias nuances entretanto surgidas.
Muitos anos mais tarde, já depois de 2000, alguns elementos da FRETILIN que permaneceram em Timor quando o território estava ocupado pela Indonésia, não se identificaram nesse partido. Assim renasceu a ASDT de Francisco Xavier do Amaral, o proclamador da República unilateralmente declarada pela FRETILIN a 28 de Novembro de 1975 que, no mato, divergiu da orientação da ala radical da FRETILIN.
Com isso, surge outra dúvida: será a FRETILIN mãe/pai da ASDT? Ou será ao contrário?
Também acontece que nem todos estão dispostos a aparecer numa situação de inferioridade, sem voz activa, sem voto em nenhuma matéria. Pelo que é normal que nasçam outros partidos. Uns, são os filhos da FRETILIN, de que o mais célebre é o CNRT.
A FRETILIN não perdoa a Xanana que dela se tenha apartado em 1987, quando decidiu despartidarizar a luta. Xanana também não gostou nada que o grupo de Maputo da FRETILIN não o tivesse na conta de Pai da Resistência.
A relação é de amor-ódio. Tão depressa se batem e se insultam, como se beijam apaixonadamente. Ambos gostam do Poder e ambos assumem que podem ganhar por percentagens altíssimas, menosprezando ambos a importância dos seus adversários.
Mais velho que o CNRT é o PNT de Abílio Araújo, fervoroso adepto da FRETILIN e da independência quando, há muito, muito tempo, era um radical …
Depois, os negócios e o amor por uma vida de conforto foram mais fortes. De revolucionário, Abílio passou a empresário de sucesso, seguidamente a ter-se aproximado da Indonésia. Nos anos idos de 90, protagonizou os encontros de reconciliação de Londres e, com o apoio da Indonésia, quis reunir pró-integracionistas e pró-independentistas.
Há, entre os dissidentes da FRETILIN, uns quantos sobre os quais pendem algumas dúvidas. Tanto podem ser filhos ou enteados, como irmãos ou primos afastados… De comum, têm algumas ideias e a vida feita no mato, lutando na clandestinidade contra a ocupação estrangeira.
Por exemplo, a Undertim, que tem à cabeça L-Sete, veterano das FALINTIL (que foi até 1987 o braço armado da FRETILIN), para além de orientar espiritualmente a seita do Sagrado Coração.
Descontente com o tratamento dado pela FRETILIN às FALINTIL, sob a batuta de L-Sete, o CPD/RDTL despiu a vestimenta de movimento de desordem interna e vestiu a de partido político, a UNDERTIM, ganhando assim outra respeitabilidade, ainda que mantendo a orientação radical ao qual soma a vertente religiosa.
Entre os primeiros descontentes, estavam os COLIMAU (Mau de Mau Bere) 2000. Outro movimento agitador, de desordem interna. Tal como a UNDERTIM, também os Colimau se alimentavam de um culto quase seita ao qual não faltava um “bispo”! Um dia, descobriram que era mais prático enveredar pela política para assim melhor difundirem as suas ideias e formaram o PRDT.
Mais permeável às modas, o KOTA de hoje pouco tem a ver com o KOTA de 1974. Igual, apenas no nome. Manuel Tilman afastou os elementos que se situavam à direita e tanto pode encostar-se à esquerda como à direita, conforme os seus interesses de momento: esses aconselharam o líder que virasse à esquerda e se oferecesse em namoro descarado à FRETILIN.
A UDT, o mais antigo dos partidos timorenses, mantém-se igual a si própria. Perdeu terreno com a formação do PSD, quase desapareceu com a obra de engenharia das eleições de 2001 para a Assembleia Constituinte mas, o seu eleitorado mais conservador mantém-se fiel ao partido. O ano de 1975 marcou profundamente todos quantos sobreviveram às prisões e castigos da FRETILIN; os filhos dos que foram então assassinados, passados os primeiros anos de silêncio, assumem agora ser os continuadores do partido de eleição dos seus progenitores.
Depois de se saber que ocupara o cargo de vice-presidente do CNRT no interior do território de Timor, Mário Carrascalão assumiu as suas diferenças relativamente ao partido de que fora co-fundador, a UDT, e, convencido por Xanana Gusmão e Ramos Horta, criou o PSD, transferindo para este partido social-democrata grande parte dos simpatizantes da UDT.
Quanto à UDC/PDC, o seu líder – Vicente Guterres - era um dos representantes da UDT em Lisboa, juntamente com Moisés do Amaral e Paulo Pires. A dissidência surge entre os anos 80-90, quando João Carrascalão e Domingos Oliveira reorganizam a UDT.
Detinha um lugar no Parlamento mas o registo obrigatório dos partidos “matou” a UDC/PDC que não conseguiu registar-se e Vicente Guterres transferiu-se para o CNRT.
O PDC do Reverendo Arlindo Marçal e de António Ximenes é “democrático-cristão”. Mas, que quererá isto dizer? Será uma dissidência da UDC?
Quanto ao PPT, o Partido do Povo de Timor, tanto pode ser filho do Kota como da UDT. É monárquico como KOTA e o seu líder, Jacob Xavier, dirigiu o conservador MNLTD, Movimento Nacional de Libertação de Timor Díli, surgido em Lisboa, depois de 1975.
Depois do referendo de 30 de Agosto de 1999, a APODETI lavou-se profundamente, descartou-se da pele de integracionista e transformou-se na Apodeti Pró-Referendo. Está praticamente inactiva.
Nos tempos da ocupação, os simpatizantes da APODETI não tiveram problemas com o poder ocupante. É a geração APODETI dos anos de ocupação que não se revê na cultura de 1974-1975. Filhos da mãe-nação indonésia, só tomaram contacto com a realidade da independência quando essa era inevitável e não tiveram outro remédio senão tentar apanhar o barco. Só que há o problema da língua da independência – o português – que é o seu calcanhar de Aquiles… No tempo da ocupação, não se falava português e o tétum era tolerado em casa. A língua malaia, a que os indonésios resolveram chamar bahasa indonésio é o traço comum do PR e do Milleniun Democrático, dois partidos formados recentemente. Ambos preconizam outra opção para além do português como língua oficial. E, se o líder do Partido Republicano ainda faz alguma cerimónia e vai lançando a defesa do tétum como primeira língua oficial, já quem tem as rédeas do Millenium, defende abertamente a escolha da língua indonésia.
Depois do Referendo, Xanana Gusmão incentivou o grupo de estudantes timorenses que haviam estudado na Indonésia, onde formaram as organizações estudantis de resistência como a RENETIL e a IMPETU, a organizar-se em partido político.
Nasceu o PD de Fernando Lasama de Araújo, Mariano Sabino e Rui Menezes. A estes, juntou-se Paulo Assis, que fora anteriormente membro da FRETILIN.
Há, naturalmente dúvidas quanto ao parentesco. Será o Partido Democrático filho de pai incógnito? E terá mãe cultural indonésia? Poderá ser prima afastada da FRETILIN e da UDT pela via da Resistência?
Um bom bocado mais à esquerda, temos o PST de Avelino Coelho, outro dos animadores da RENETIL. Será o PST o parente mais radical e proletário da FRETILIN? Mas, como se explica que, sendo assim, o PST também prefira o tétum ou o indonésio ao português?
Finalmente, o PUN, Partido de Unidade Nacional, liderado por Fernanda Borges que foi Ministra das Finanças do primeiro governo chefiado por Alkatiri.
Talvez descenda da FRETILIN, mas, pela certa rebelou-se contra o pai… Surge numa versão leve, ligeira, a sua presidente fala num tom baixo, sereno e muito, muito populista. O que não esclarece nada porque ainda ninguém sabe concretamente quem estará por detrás do PUN.

É vasto o leque dos partidos políticos timorenses. Mas, se analisarmos atentamente, verificamos que todos eles, mais próximos ou mais afastados, descendem de dois partidos: UDT e FRETILIN. O que levanta de imediato uma série de perguntas, a primeira das quais é “ Então, para quê tantos partidos?”
Também não deixa de ser curioso que os haja defensores de que os dois partidos históricos de 1974-75, UDT e FRETILIN, devem deixar as lides políticas uma vez que já cumpriram a sua obrigação fazendo Resistência e lutando pela independência.
O que, também é, no mínimo, bizarro, ridículo e falho de razoabilidade. Porque, como defendia alguém, “então, se eles é que lutaram pela independência e sofreram na pele o jugo do ocupante, que sentido faz, desaparecerem agora, sair de cena, virar costas ao povo e ao país por cuja independência lutaram contra ventos e marés, esquecer aqueles que morreram em defesa dos seus ideais, para dar lugar àqueles que nada fizeram senão assumir o corte do cordão umbilical quando formaram os seus próprios partidos?”.

terça-feira, junho 26, 2007 

Timor, Terra do Mel. Porque não???


Dos lados de Lequidoi – aldeola a caminho de Aileu – é originária quase toda a fruta que se vende nas ruas de Díli. Mas não só fruta.
Do seu pedaço de terra, marido e mulher descem à cidade. Ele vende tangerinas. Ela vende mel.
Luta difícil a dos timorenses pela vida!
Haverá algo que lhes torne menos amargos os dias que vivem desde que nascem até que morrem? Haverá alguém que se lembre -
fora do período de campanha eleitoral e para além das promessas que desde há quase um mês lhes são feitas - de que estas pessoas têm direito a saúde, escola, alimentação, casa, emprego?...
Não sei se o mel que esta mulher vende em garrafas lhe adoça a vida. Sei que, para o recolher e livrar-se das picadas das abelhas, se esfregou com óleo.
E também sei –por experiência própria - que a qualidade do mel é boa, havendo até quem diga ser o melhor desta zona.
Mas isto, obviamente, pouco importa para a história. Porque também o café era
o melhor do Mundo mas, agora, nos supermercados - tal como o mel, alfaces, tomate, abacates, cenouras, etc., etc. -, também já se vende café importado para além do nosso que anda agora tão mal tratado e esquecido…

quarta-feira, junho 20, 2007 

Todos os caminhos vão dar a Roma...


Surge em toda a sua magnificência logo a seguir à fronteira entre Ermera e Liquiçá.
A voz que nos diz que aquela parede de terra que cai a pique sobre a ribeira se deve à erosão do terreno perde ela própria terreno perante outra voz, menos verosímil mas bem mais imaginativa e por isso mesmo mais escutada e aceite que a da razão…
À escarpa dá-se o nome de Romaria.
-Porquê?
- Porque todos os caminhos vão dar a Roma…
- Como?
- Bem, no tempo do malais portugueses muitos deles metiam-se pela mata adentro e nunca mais apareciam. Contam os mais velhos que escolhiam aqueles caminhos convictos de que, também por ali, iam dar a Roma

terça-feira, junho 19, 2007 

Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades…


Ei-los que surgem seguros. O olhar é grave; a pose é de líder austero que se recomenda à Nasaun!
Aqueles que nos entram todos os dias em casa à hora nobre através da televisão, movimentando-se lentamente, olhando para um lado e para o outro, acenando, andando calmamente a apreciar a ambiência envolvente, meio sorriso desenhado no rosto a dar-e-retirar-de-seguida confiança q.b.– naquela atitude própria de quem mostra saber estar no seu lugar, quase no pedestal onde os colocam os seguidores e por isso mantendo as devidas distâncias, - ao povo que os espera e os vitoria em haklalaks vibrantes enquanto as meninas vestidas de tais susu-metin colocam a salenda e lhes atiram flores (quase sempre buganvílias de cores variegadas) são os mesmos que, desde 2001-2002 andaram a semear instabilidade, ligeira, bem entendido, quando comparada com a deste último ano.
Mas, os tempos mudaram!
Os chefes de grupos marginalizados ou auto-marginalizados, praticantes assumidos de alguma violência de que se guarda memória o bloqueio das estradas com troncos de árvores para se conseguirem uns trocos ou a destruição temporária de uma ponte para chamada de atenção dos dirigentes da Nasaun, passaram a líderes de partido, incontestados e respeitados pelos seus admiradores.
Depois de serem recebidos com tebedai, batuque e rufar de tambores – recepção reservada aos nain-ulun -, apresentam as suas ideias, falam dos seus programas, criticam o que têm a criticar, apontam o dedo, clamam por justiça, pela paz, pelo bem-estar do povo. Querem desenvolvimento, querem democracia, manifestam-se contra a violência!
O povo ouve atentamente e em silêncio cada palavra, diz que sim ou que não conforme a palavra do líder, aplaude quando necessário. Findo o comício, os líderes descem ao terreiro, misturam-se com o seu povo com quem cantam e dançam. “Oh, Oh, Oh, Ita mos bele, Oh, Oh, Oh, fotii sae Timor!” … Oh,Oh,Oh,nós somos capazes… erga-se, Timor!

segunda-feira, junho 18, 2007 

Na senda do desenvolvimento...

A população vive na miséria, as tendas de refugiados recordam-nos que a situação continua instável, continua a não haver trabalho mas, não obstante os problemas com que se defrontam os timorenses, pensamos seriamente em nos equiparmos com armamento moderno, sofisticado!
Assumindo ser completamente leiga em assuntos militares mas porque sou timorense, não posso deixar de questionar para que queremos mísseis, helicópteros, etc., etc.?
É inevitável que o desenvolvimento económico do país, a melhoria de qualidade de vida dos timorenses, a nossa dignidade enquanto povo e enquanto Nação passe pela posse de sofisticado armamento?
E se as nossas Forças Armadas estão longe de ser um modelo de disciplina, capacidade, imparcialidade, se ainda se fala tanto na sua formação, quem vai manusear, cuidar, guardar tão sofisticado equipamento?

sábado, junho 16, 2007 

A tradição já não é o que era...

Um dia da semana passada, acompanhava eu a campanha eleitoral transmitida pela RTTL e ouvi um líder novo de um dos novos partidos surgidos este ano a falar contra a poligamia, preconizando o seu fim e fazendo a apologia da monogamia como base da união, estabilidade e força de uma família.
Prestei atenção e aprendi mais uma coisa. É que não são apenas os homens que são polígamos. Há mulheres que coleccionam maridos. Pelo menos dois.
Sobre a poligamia – bem aceite, aliás - dos homens, sei que existe a fen boot (que, literalmente quer dizer “mulher grande” e se refere à primeira mulher) e a fen kiik (mulher pequena, a mulher que vem a seguir à fen boot) e que o homem tem de ser suficientemente abastado para sustentar ambas as mulheres e os filhos dos vários casamentos. Acontece por vezes o marido pedir autorização à fen boot para se casar com uma mulher que será a sua fen kiik. Mas a recusa da fen boot não é determinante para a não realização da união... Porque com ou sem autorização, haverá as fen kiik que o homem quiser e puder sustentar e que podem perfeitamente ficar a viver na mesma casa…
Nunca antes ouvira falar abertamente sobre a poligamia feminina e fiquei francamente surpreendida. Não sei se o tabu se deve à natureza fechada da sociedade timorense ou se os homens se sentirão diminuídos no seu orgulho de manu-aman (galo) e por isso preferem fingir desconhecer o facto. A verdade é que nunca ouvi nenhuma mulher falar do laen (marido) boot ou do laen kiik.
Sem, obviamente, estar a fazer qualquer juízo de valor, a poligamia feminina, numa sociedade patriarcal como é a de Timor-Leste, não só é um facto curioso como pode bem querer dizer que, afinal, a tradição já não é o que era…

sexta-feira, junho 15, 2007 

E tudo o vento nos leva!




São pedaços do rikosoi (riqueza) timorense.
Não, não se trata do “salútifero sândalo”. Desse, também houve quem - séculos passados sobre o corte selvagem da madeira preciosa de Timor -, amigo da Natureza e de Timor-Leste o tivesse cortado, mesmo havendo legislação proibindo o abate de árvores…
Alguém apreendeu o sândalo e guardou-o nuns armazéns estatais, ali para os lados do antigo aeroporto de Díli, onde os toros de sândalo ficaram a salvo (???) até que sobreveio a crise de 2006 e foi um ar que lhes deu! Dos ditos armazéns desapareceram toros de sândalo no valor de umas centenas de milhar de dólares… Dizem que uma camioneta os retirou dos armazéns do Estado. Mas, quem pode garantir que assim tenha sido? Eram tempos em que ninguém se atrevia a pôr o nariz na rua, quanto mais esquadrinhar o que se passava em casa alheia, neste caso, em armazéns alheios! Sabe-se lá se não foi uma fortíssima rabanada de vento que os levou!
Esta madeira que se vê na foto faz parte do rikosoi timorense. Trata-se de pau-rosa das matas do Loré, outrora quase inacessíveis.
Hoje, a mata deixou de estar tão impenetrável. Mas, as estradas estão em muito mau estado. O que, também não quer dizer nada…
O curioso que no ano passado resolveu acampar para aqueles lados, fotografou os toros devidamente arrumados, prontos. Para quê?

quarta-feira, junho 13, 2007 

Ai, a identidade!


O presidente indonésio exultou com a importância dada pelo presidente timorense à língua indonésia e à sua utilização actual em Timor-Leste. Tanto que alvitrou de imediato o seu ensino em Timor para muito breve e, um dia destes teremos hipótese de aprender o indonésio na Universidade Nacional… Talvez seja uma mais-valia desde que ensinada como língua estrangeira!
De acordo com o editorial do Jakarta Post, perante o discurso do Presidente Ramos Horta, os indonésios acordaram para o elemento unificador da língua, vital para a unidade do país-arquipélago; mas, uma grande maioria dos timorenses entre os quais me incluo espera que a unificação linguística não se estenda mares fora e chegue a Timor-Leste!
A menos que se queira que o tétum desapareça.
Quando se compra qualquer coisa, seja na rua, seja num qualquer estabelecimento comercial, o preço nunca nos é indicado em tétum. Somos independentes há cinco anos mas os vendedores teimam em nos dizer satu dólar, duapulu dólar, etc… E, se queremos o preço em tétum, temos de esperar que o vendedor/a descodifique o que tem bem interiorizado como sendo indispensável para a sua vida (o preço, o valor do dinheiro liga-se a poder…) e, passados uns longos segundos, lá vem a titubeante tradução: dólar ida, dólar ruanulu… *
Dos 16 partidos (dois deles em coligação) concorrentes às eleições, uns quantos, pequenos, defendem outra língua oficial que não o português. A um desses defensores e justamente em discurso na defesa de outra língua ouvi e contabilizei numa curta frase cinco palavras em português.
O nome de todos eles também é e se escreve em bom português. Pelo que não deixa de ser curioso e ao mesmo tempo estranho tanta obstinação!
“Poucos” se expressam em português. É verdade. Mas, como ouvi a uma mãe com quatro filhos em idade escolar, vai ter de começar tudo de novo e desbaratar-se o esforço despendido na reintroduzição do português? Não parece muito acertado…
Por outro lado, talvez fosse bom recordarmos que, durante mais de quatro séculos, tétum e português andaram lado a lado, coexistindo sem se atropelarem nem se assassinarem…
É verdade que ainda não é a maioria que domina o português. Mas acredito que esse dia chegará. Admito que, no futuro e na pior das hipóteses, falemos uma dialecto derivado do português, mas também tenho a certeza de que o tétum irá sair bastante enriquecido com o vocabulário herdado do português.
Já não acredito é que, a adoptar-se o indonésio ou o inglês, alguém continue a falar tétum… E será então chegado o tempo para que todas as mulheres que tenham Maria como primeiro nome, se esqueçam de que são Ilda, Josefa, Sebastiana, etc, passem a ser Mary e todas - sem excepção e à semelhança do que acontece agora na Austrália – se chamem, simplesmente, Maria…
Ai, a identidade!

*um dólar, vinte dólares

domingo, junho 10, 2007 

Memórias de um outro Dez de Junho

Nos tempos do Timor Português, os dias decorriam muito iguais. As noites eram diferentes. Havia festas particulares, bailes no Benfica e no Sporting, coremetan de que se ouvia a música do violino (quando o havia… ) ou o ritmo menos audível mas nem por isso menos excitante do garfo a bater na garrafa, tudo pretextando o saracoteio animado dos corpos “até ao raiar do sol”.
Tónico vivificante da “alma do Império”, conceito necessário para a perpetuação da crença “Portugal do Minho a Timor”, recordado dia após dia nas emissões da Emissora Nacional captadas na “província portuguesa “ de Timor com imenso ruído, passava em tom pausado a mensagem de que “Portugal não é um país pequeno: é grande o seu Mundo e maior a sua Alma!” .
A “cerimónia da bandeira” constituía ponto alto do desfraldar das nossas convicções, nós, intrinsecamente portugueses, povo, alma, mundo e bandeira!
A cerimónia do arrear da bandeira em fim de tarde de domingo reunia imensa gente defronte do jardim do largo Infante D. Henrique que assistia em silêncio respeitoso, lábio tremeluzente de comoção e olhar perdido na distância, quiçá em busca da alma simbolizada na bandeira portuguesa.
Nós, os deste lado do que se cria ser o Mundo português, na nossa costumeira e tradicional formalidade, gostávamos dos cerimoniais solenes de que são exemplo as paradas militares em que desfilavam, a par do exército português, os moradores dos vários concelhos vestidos tradicionalmente, alguns deles fazendo soar as trombetas feitas de corno de búfalo, e a cavalaria do Régulo D. Gaspar Nunes de Maubara.
Sempre que chegava alguém muito importante da “Metrópole”, o que acontecia muiiii…to de vez em quando, era certo que havia festa e o povo descia à cidade.
É preciso que se diga que a festa (ou o seu organizador) não alimentava ninguém; a alma – a Alma do Império - não se alimenta de comida! E o corpo prefere-se ágil. Ligeiro…
Não havia comida nem bebida mas havia animação, o suficiente para quebrar a monotonia.
O Dez de Junho era vivido com intensidade. Corridas de cavalos, paradas, recepções formais para as entidades oficiais e feira para todos.
Para a feira do Dez de Junho, que também pretendia ser uma mostra cultural, cada concelho trazia as suas danças tradicionais e o que de melhor produzia e que era pouco, é verdade. Mas era a oportunidade para se conhecer o artesanato timorense, como, por exemplo, os barros de Manatuto, os tais de toda a “província” e a cestaria de Maubara que enchiam o olho pela alacridade das cores.
Ouvia-se muita música popular ( na altura ninguém falava de música pimba) e, durante os três dias da feira ninguém se lembrava senão de que Timor era luz, era cor, era alegria…
Inebriados o corpo e a alma por mais uma dose tonificante que a Mãe Pátria devotadamente dava ao longínquo Timor, parcela “querida” pelo amor das suas gentes à bandeira das quinas – talvez por isso podendo ser tão esquecida! - , quem iria lembrar-se do bizarro, surreal sentido do “Dia da Raça” que vivíamos tão intensa e convictamente em cada Dez de Junho?
Qual raça? Havia seguramente quem se questionasse, não faltando os que se lembravam porque estavam conscientes do que tudo não passava de “folclore”. Mas, até esses, tinham de esconder , lá bem no recôndito de si, o que pensavam, sem se permitirem o luxo de exteriorizar o que ia nas suas almas timorenses.
Era forçoso não manifestar displicência mas prudente concordância e discreto assentir de que tudo ia bem no Império… porque “Portugal não é um país pequeno: é grande o seu Mundo e maior a sua Alma!” .

terça-feira, junho 05, 2007 

Há poucos dados, mas está confirmado que a caravana do PSD que andava em campanha eleitoral pelo Leste foi atacada em Iliomar. Dos apedrejamentos ou das rama ambong resultaram três feridos.
Como as comunicações telefónicas são más e não há rede em diversos pontos - por experiência sei que se andam quilómetros atrás de quilómetros e o telemóvel se mantém mudo, sem rede, valendo então apenas como relógio, arredada que está a hipótese de jogar porque se pode ficar sem carga (há que não esquecer que nem sempre há energia eléctrica nos distritos) –, não há dados mais concretos sobre a ocorrência.
Já é tempo de os habitantes politizados do novo país do terceiro milénio se convencerem de que não chegaremos a lado nenhum se continuarmos a usar a violência como meio de difusão das nossas ideias! Corrijo, em vez de não chegarmos a lado nenhum, vamos chegar rapidamente ao Inferno cujo fogo está a ser ateado por nós!
Não compreendo como pode haver quem pense ser imortal, quem se esqueça da sua condição humana e se alcandore ao lugar de Deus, de Ser Superior, de planar no infinito sobre os demais mortais constituídos por quem pensa ou é diferente!
Apetece recordar-lhes que o poder que tão sofregamente ambicionam e pelo qual matam como quem esmaga uma formiga é transitório. Tão breve ou menos ainda que a sua passagem por esta Vida!

segunda-feira, junho 04, 2007 

Inversão de valores

Festa da Democracia. Ouve-se falar e vê-se muito na rádio e na televisão, as vezes suficientes para que se pense estarmos todos preparados para elas: para a Festa e para a Democracia.
Ambos os conceitos, os de Democracia e de Festa, devem ter sido mal interpretados no momento da recepção da mensagem e do seu significado. A má interpretação pode estar aliada a um qualquer erro ocorrido aquando do processo da sua interiorização.
Se as coisas não se tiverem passado dessa forma, então só nos resta concluir que, na realidade, há inversão de valores, por Festa se entendendo choro, dor, luto e violência e, por Democracia, intolerância, desrespeito, e radicalismo.
Ou ainda que quem transmitiu os valores da Democracia e da Festa deliberadamente passou a mensagem de que em Democracia e na Festa tudo vale. Até matar!
Só isso explica que, em plena campanha eleitoral, no comício do partido da sua eleição, dois homens , tenham sido mortos atingidos - em Uato Lai e em Ossu, no distrito de Viqueque - por vários tiros de alguém louco, irresponsável, um assassino que anda à solta, quiçá mascarado de anjo ou de pessoa responsável, protegido por uma farda que, sendo azul, ao invés de transmitir tranquilidade apenas provoca medo, imenso medo!
Alguém mascarado de polícia, personalidade louca, apaparicada por quem igualmente tão louco quanto ele, confunde tudo, inconsciente ou propositadamente, sem cuidar de saber que, dos seus ensinamentos e das suas confusões assassinas, resulta mais um motivo para que a mal restruturada sociedade timorense - saída de um longo e violento conflito - interiorize a violência, o ódio, a vingança e a intolerância como sendo as mais fantásticas e correctas manifestações de Democracia em Festa!

sexta-feira, junho 01, 2007 

O futuro de Timor-Leste




As crianças são o futuro de Timor-Leste!
Umas, coloridas, limpas, arrumadinhas, bem vestidinhas, não existem senão em pano e são apenas bonecas! Vieram da ilha de Ataúro. Vale a pena visitar na Fundação Oriente esta belíssima exposição de bonecas!
Pena é que os governantes deste país não se lembrem de que as crianças do futuro de Timor-Leste têm direito a brincar com carrinhos ou bonecas!
... Brincar será no futuro um direito; um dia mais tarde, talvez possam brincar! Sim, porque hoje, os tempos são outros! Hoje, a grande maioria das crianças timorenses trabalha.
De manhã, vão à escola. À tarde, trabalham, contribuem para a depauperada economia familiar e juntam uns trocos para comprar cadernos e lápis.
Este menino de 10 anos é vendedor por conta de outrem e, se conseguir vender o gorro de lã que lhe foi entregue por alguém de etnia chinesa (segundo as suas palavras), ganhará uns cêntimos, quase 50 e se, a grão e grão, poupar alguma coisinha, sempre poderá um dia comprar uns chinelinhos para substituir os que traz calçados…
Este garoto vendedor de bananas aparenta uns onze anos. Mas tem 15 anos! Anda descalço e embora o alcatrão esteja a ferver mantém o passo ligeiro e apressado! Quanto mais depressa vender a mercadoria, mais depressa poderá descansar.
Timor-Leste assinou a Convenção dos Direitos da Criança logo nos primórdios da independência e os governantes lembram-se de que elas, as crianças, existem e são o futuro de Timor-Leste pelo menos uma vez por ano, invariavelmente no Dia da Criança que hoje, 1 de Junho, se comemora.
Mas não foi certamente para festejar o seu dia que dezenas de crianças calcorrearam hoje as ruas carregados de bananas, tangerinas, legumes, etc, etc… Nada disso! Elas trabalham e precisam de vender para poderem comer e estudar!
Com este tipo de vida, entregues a si próprias, com fome, sede, mal vestidas, sem descanso, sem tempo para brincar, para estudar, para estar com a família, as crianças chegarão algum dia ao futuro?
Elas, as crianças que são o futuro de Timor-Leste, conseguirão preparar-se para agarrar o futuro? Como?