domingo, fevereiro 25, 2007 

Helicóptero no ar é sinal de perigo. Ainda agora passou um. Tão ruidoso e tão baixinho que quase se diria querer entrar pela janela…
Para o dia de amanhã já circula um sms em inglês a aconselhar cuidado na movimentação pela cidade. É que amanhã é o dia do funeral do homem que morreu na sexta-feira (junto ao campo de refugiados do aeroporto) vítima de um tiro de um elemento internacional que, de acordo com a versão oficial, atirou para se defender.
Confesso que já deixei de pensar no perigo que pode surgir, mesmo quando eles chegam com pré-aviso. Se o fizer, nem sairei de casa.
Não estou a fazer-me valente e menos ainda quero parecer irresponsável. A verdade é que o perigo é constante, surge de onde e quando menos se espera e não sei como poderemos ser mais cuidadosos.
Os carros andam com os vidros partidos.
Mas, quem anda a pé também está em perigo. Uma pedrada, uma rama ambon e adeus, pessoa! Em menos de um ai!, se diz adeus à vida!
E quem fica em casa também pode ser apanhado por um qualquer incidente. Como, por exemplo, incendiarem-lhe a casa…
Provavelmente fará algum sentido arranjar um carro que voe! Mas, mesmo assim, quase de certeza os “engenheiros” de ocasião que se comprazem a descobrir novas armas de arremesso cada dia que passa, podem muito bem inventar uma arma mais forte do que aquela que aparecia há dias na primeira página do STL e que era um fisga gigante, ao qual adaptavam um pedregulho igualmente gigante. A arma era do tamanho do polícia internacional que a mostrava!
Há dias alguém me dizia que o melhor era ir para a montanha. Lá pelo menos… pois sim, mas e no regresso da montanha, existiria ainda casa na cidade? Basta recordarmo-nos do que aconteceu àqueles que deixaram as suas casas no ano passado.
Em resumo, não está a ser fácil viver em Timor, ouve-se dizer a todos quantos – e são muitos! – estão cansados desta crise da qual não se vislumbra um fim!

quarta-feira, fevereiro 21, 2007 

Mais motins

Ontem de manha quando vinha na motoreta com a minha mulher para a Faculdade, pelas oito horas, deparei-me com uma multidao compacta de jovens na zona de Fatuhada, na Estrada de Comoro. Deixaram-nos passar, e as microletes que iam a nossa frente, por um estreito corredor que abriram no meio deles. Uma prima da minha mulher que passou pelo mesmo sitio pouco depois contou-nos que nessa altura ja tinham posto fogo a um carro do Governo. Aparentemente tinham mandado sair os ocupantes, apos o que incendiaram o carro. Parece que uma moca foi autorizada a voltar a entrar na sua viatura e a sair de la com ela depois de demonstrar que o veiculo, apesar de ser parecido com os do Estado, era de uma ONG.
No inicio da tarde, apos as aulas, quando me preparava para voltar para casa o ambiente ja lembrava o de ha uns meses atras, com sms's a avisar sobre locais onde tinha havido ataques. Regressamos ao lar, com a atencao apreensiva destes momentos, espreitando concentradamente o menor sinal de perigo na estrada, mas a via estava desimpedida. No percurso vimos carros carbonizados, o alcatrao cheinho de pedras em muitos sitios, montes de estilhacos de vidros...
Ja em casa, telefonemas para familia e amigos que conduzem no seu trabalho viaturas pertencentes ao Estado, a ver se estava tudo bem. Depois comecou a chover, torrencialmente. A maior chuvada deste ano. O meu jardim ficou alagado, na minha rua a agua corria como numa ribeira. Alguns dizem que foi um aviso divino, Deus a dizer aos mortais desorientados de Timor que esta farto de tanta violencia.
Nos mercados nao ha arroz, a base da alimentacao dos timorenses. E provavel que a tensao continue a aumentar.
Hoje no caminho para ca, pela estrada de Comoro, havia militares australianos espalhados por todo o percurso. Os tanques blindados voltaram as ruas. Havia muito menos transito do que o habitual. Tenho estado a receber mensagens de telemovel de alunos que me perguntam se vou dar aulas. Respondo que sim, e vou terminar por aqui porque a primeira aula comeca dentro de quinze minutos. Mais um dia em Timor-Leste...

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Lá diz o ditado português que “casa onde não há pão, todos ralham e ninguém tem razão”.
Hoje vi o ministro da Agricultura um bocado alterado, sem conseguir disfarçar a irritação ao responder na televisão às questões dos jornalistas sobre o motivo da crise destes dias; a falta de arroz.
Concordo que a situação não seja de total carência de alimentos, idêntica à de África, e que há mandioca, fruta, legumes…
Num jornal diário, é ainda o ministro que vem dizer que “o governo não faz milagres”. Claro que não. Aliás, acho mesmo que é tido como certo que os milagres são um exclusivo de Deus. Mas, pode bem acontecer que, perdido o norte, haja quem pense estar no mesmo patamar divino da arte dos milagres.
O que, sendo mais humano, me parece algo bizarro é que o Ministério da Agricultura não tenha percebido a tempo que o stock de arroz estava no fim, sendo preciso importá-lo a tempo e horas de evitar tanta zanga…

À saída de uma casa comercial, um grupo de jovens - num momento de pausa de ingrata tarefa de limpeza e saneamento dos colectores a céu aberto que atravessam a cidade, resolveu atirar para o ar, em tétum, naturalmente: “o malai vem para cá encher a barriga e nós é que morremos à fome. É melhor irem-se embora”.
Olhei à volta e não havendo nenhum malai de verdade, percebi que a tirada me era dirigida, pelo que resolvi retorquir, obviamente, também em tétum: “que malai vem cá encher a barriga e que malai tem de se ir embora?”
Como se calculará, o grupo sentiu-se de imediato apanhado. Mas, mesmo assim, foi acrescentando umas coisas, entre as quais que os malais tinham tomado conta do país e provocavam a fome entre a população (que raio de argumentos!).
Reparei que o pessoal à minha volta estava um bocado aflito aconselhando-me a que os deixasse falar… sozinhos. Antes de me afastar, resolvi perguntar-lhes se tinham ideia de que no estrangeiro, onde existem timorenses que ali são malais, também podia acontecer que um dia alguém tivesse a ideia de mandar sair os timorenses do seu país. E nem esperei pela resposta.
Com este pequeno incidente xenófobo e racista, recordei-me que um dia, talvez em 2000 ou 2001, na Avenida Fontes Pereira de Melo, em Lisboa, quando ia apanhar um táxi, ouvi um senhor de uma certa idade, encostado a uma parede, dizendo alto “olhem para eles, vêm para a nossa terra, ficam com os nossos empregos e ainda andam de táxi!”.
Olhei à minha volta, mas não havia mais ninguém; percebi que eu era a visada. Eu é que estava a afrontá-lo andando de táxi!
Primeiro ri-me. Depois, percebi que, mesmo sentindo-me bem portuguesa, nem todos o entendem assim…
O que não me passou pela cabeça é que, passados uns anos, no meu outro país, Timor-Leste, haveria de aparecer alguém a chamar-me malai!
E isso, claro, entristece-me sobremaneira. Para além de que me incomoda imenso o ressurgir do racismo e da xenofobia em Timor, o que me leva, por outro lado, a ter de dar alguma razão àqueles que, menos românticos que eu, pouco ou nada acreditam no milagre da miscigenação.

 

Sinais de trânsito em Díli


Às vezes repetimos as coisas duas vezes quando ninguém nos liga...

 

Da arte do cumprimento

As pessoas cumprimentam-se de maneiras diferentes pelo mundo. Os japoneses fazem vénias, os tibetanos põem a língua de fora, os maoris da Nova Zelândia encostam os narizes. Mas os europeus espalharam o aperto de mão por todo o lado.

Na primeira vez que estive na Guiné-Bissau ficava um bocado embaraçado de cada vez que um homem me apertava a mão e depois não largava mas continuava a conversar mantendo o cumprimento, assim numa espécie de mãos dadas entre gajos. Ora, eu sou um moço de ideias modernas, tolerante, auto-educado para o multiculturalismo, para o respeito pela diferença, porém os padrões culturais do meu país de origem e do meio social em que nasci vinham aí à superfície e gritavam-me dentro da cabeça que isto de um gajo estar a bem dizer de mãos dadas com outro gajo não é uma coisa normal. Depois habituei-me. Aliás, chegou a acontecer-me encontrar em Lisboa um colega português com quem tinha participado num projecto levado a cabo na Guiné e termos ficado assim, mantendo o aperto de mão, enquanto púnhamos um pouco a conversa em dia. Isto porque ambos estávamos habituados a conviver um com o outro não num contexto português mas guineense, e na Guiné-Bissau é comum dois amigos, heterossexuais, caminharem pela estrada de mãos dadas, ou comprimentarem-se e continuarem de mãos unidas enquanto conversam. Duas amigas também podem fazê-lo com naturalidade. Mas é extremamente raro ver um casal de namorados ou cônjuges a passear assim de mãos dadas, um homem e uma mulher não mostram afeição ou carinho em público como nós fazemos na Europa. Aqui em Timor esses gestos também são mais ou menos tabu, os namorados caminham ao lado um do outro, mas (quase) nunca abraçados ou de mãos dadas. Ninguém vê um beijo na boca, dois amantes unidos num abraço num jardim. Aqui essas coisas fazem-se às escondidas. Os casais mais velhos nas zonas rurais caminham frequentemente numa ordem hierárquica, o marido à frente e a mulher e os filhos uns passos atrás.

Dois homens cumprimentam-se, não como na Guiné, mas com um aperto de mão breve. Contudo um abismo separa a prática local e a da minha terra natal. Quando era miúdo fui ensinado que um aperto de mão deve ser firme, olhando francamente nos olhos o outro indivíduo. Alguns tipos preferiam exibir a sua força ao cumprimentar alguém, tentando quase esmagar a mão do outro como um torno. Por vezes o prosaico e casual “apertar o bacalhau” assumia o carácter de uma curta competição de masculinidade. Cá em Timor, actualmente, isso seria uma tremenda falta de educação. Uma grande parte dos timorenses dá um aperto de mão como o dos indonésios, um delicado e breve agarrar os dedos, que o meu avô classificaria sem mais delongas como efeminado (e agora sou eu que estou a ser eufemista, o meu avô não sabe destas palavras de vinte e cinco tostões, usaria concerteza um termo mais vernáculo...). Bastantes indivíduos levam a mão direita ao peito depois de cumprimentar outros homens, num gesto que também parece ter sido deixado pelos indonésios, e que se encontra por outras paragens do mundo islâmico. Um aperto de mão mais enérgico pode ser visto entre membros de alguns grupos de artes marciais, com a posição da mão esquerda a contribuir para a identificação grupal como companheiros das mesmas lides.

Entre duas mulheres ou entre uma destas e um homem dão-se dois beijinhos nas faces. Mas é mais complicado que isto. Um cumprimento mais formal é o tal “aperto de dedos”. Um meio-termo é uma forma em que se aperta a mão (dedos) e se dão simultaneamente os dois ósculos. Os beijinhos, apenas, funcionam como modelo menos formal, mas a ordem é contrária à portuguesa, o que leva a que eu, que convivo maioritariamente com timorenses, ande muitas vezes a chocar narizes com malais que beijam primeiro a face direita, ao passo que aqui se começa pela esquerda. Aconteceu-me uma coisa parecida na Holanda, onde se dão três beijos em sucessão.

As criancinhas pedem a benção aos mais velhos como forma de cumprimento, pegando-lhes na mão e levando-a aos lábios. Os timorenses de todas as idades e classes sociais fazem a mesma coisa aos padres.

Outros costume javanês que por cá ficou é a forma como as pessoas se curvam, com uma mão para a frente e outras para trás, enquanto dizem “com licença”, ao passar à frente de alguém ou entre dois indivíduos.

Agora, com todas estas cortesias e salamaleques por que Diabo é que os jovens persistem em andar à pedrada e à catanada uns aos outros?!?

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terça-feira, fevereiro 20, 2007 

Dia agitado, o de hoje!
O grupo de estudantes era da Universidade da Paz manifestava-se e sobre a paz pregava. O jovem que leu o comunicado parecia acreditar convictamente no que estava a ler. Se não tivesse visto as imagens anteriores ao aparecimento do jovem, ter-me-ia deixado levar pela conversa. É que a TV também mostrou que antes da pregação da paz, tinha havido pedradas, vidros partidos…
Noutra imagem, o ministro do Desenvolvimento falava igualmente convicto. E a TV também nos mostrou umas quantas pedras a caírem na sala do ministro que teve de acabar o discurso mais depressa do que pensava.
Também o Palácio do Governo fechou as portas mais cedo. Por ordem de Ramos Horta que, sem aceitar trabalhar sob pressão, mandou os funcionários para casa.
A manhã já não começou nada bem. Mais um homem que morreu esta madrugada devido a mais um confronto entre grupos rivais, num bairro aqui bem próximo de minha casa.
Hoje também foi o dia do anúncio do candidato presidencial da FRETILIN às eleições presidenciais e de debate no Parlamento sobre a ratificação do tratado de partilha de recursos petrolíferos entre Timor e Austrália e a distribuição de arroz.
E, por causa do arroz, o ministro e o vice-ministro da Agricultura foram retirados do ministério antes que a multidão que se aglomerava junto dos armazéns entrasse no edifício e houvesse um sério revés. Foz la iha, foz la iha, foz la iha… (Não há arroz… ) ouve-se repetidamente em cada canto…
A tensão é muita. Sente-se. Não por causa dos recursos petrolíferos que um dia nos tirarão da miséria. Mas sim, porque falta o arroz, a base da alimentação dos timorenses. E, com a barriga vazia, quem terá serenidade para pensar no dinheiro do petróleo que chegará sabe-se lá quando?
Por outro lado, se nem sequer se conseguiu abastecer o país de arroz para que não se chegasse ao ponto em que estamos hoje, quem vai acreditar que haverá saber, visão e arte de bem negociar -obviamente, a nosso favor - o melhor sobre os recursos petrolíferos?

domingo, fevereiro 18, 2007 

Eu dou-vos o arroz!

Havia uma imensa multidão num edifício próximo da ponte de Comoro. Na rua, dois carros da tropa australiana posicionavam-se. Olhando com mais atenção, percebi que a multidão se aglomerava à porta do que me pareceu um armazém. Presumi que estavam à espera da distribuição de arroz.
É preciso dizer-se que, há já umas semanas, não há arroz no país e a população
começa a ficar nervosa, sem grandes alternativas para a substituição do que constitui a base da sua alimentação, agora que o milho, embora mais nutritivo, foi destronado da casa dos timorenses nos anos da ocupação indonésia. Nessa altura, cada funcionário público recebia uma determinada quantidade arroz como complemento do seu vencimento. Mas, não só por isso. Também porque há pouco milho cultivado e o seu preço é bastante mais elevado que o do arroz.
Numa terra de rumores e de histórias, são muitas as razões com que se pretende justificar a falta do ouro branco das nossas mesas.
Para uns, a falta do arroz tem origem na escassez do produto nos países produtores como o Vietname; dizem outros que o arroz que era destinado ao mercado de Timor-Leste entrou efectivamente no país mas, saiu pela fronteira, rumo ao Timor indonésio e daí para as províncias indonésias cheias de problemas resultantes do mau tempo que aí se fez sentir;
para outros, tem a ver com a burocracia da administração timorense intimamente ligada ao atraso na ordem de importação.
Mas, há quem avente outra explicação: o arroz está armazenado, só é distribuído para certas zonas e tem destinatário preferencial. Outros há que acrescentam que o arroz dos armazéns do Estado se esgotou nos campos de refugiados.
Há mais: existe outra corrente para quem o arroz pode servir de moeda de troca: dás-me o teu cartão eleitoral, dou-te um quilo de arroz...
Não sei qual destas versões que circulam na cidade é verdadeira. Se calhar, nenhuma delas o é.
Mas, nada disto aconteceria se tivesse havido alguma organização e previsão;
por outro lado, o grau de sigilo, de arrogância e de superioridade que envolve todo o e qualquer acto da administração pública, resulta nisto.
Era mais fácil prevenir que remediar. Só que, em Timor-Leste, ninguém perde tempo em previsões...
Surgiu desnecessariamente um foco de instabilidade e, não tarda, face ao desespero
pela inexistência de alternativas, a população irá reagir à boa maneira timorense actual que é exteriorizar a sua indignação através de violência. E depois, de dedo esticado, castigadores, poderosos, não venham dizer, à laia de ameaça às "crianças" mal comportadas “vejam lá, olhem que eu dou-vos o arroz!”. Porque será, de novo, tarde demais…

sexta-feira, fevereiro 16, 2007 

Manda quem pode...

Díli poderia ser uma cidade bonita se tivesse havido algum interesse em a tornar aprazível nos tempos da ocupação. Mas, quem aqui estava não tinha obviamente intenções de embelezar o que quer que fosse.
E por isso a cidade cresceu desordenada, mal dimensionada, feia. Salvam-se a baía que é obra da Natureza e os edifícios do tempo português.
Foi-se a ocupação, veio a independência. Faria sentido que a reconstrução do país também passasse por Díli. Mas não. Continuou o crescimento anárquico, sem um plano director.
Díli é um amontoado de casas e casinhotos, com mercados de rua onde há uma sombra, com os passeios todos estragados, com barracas com paredes de zinco, sem água, sem ruas iluminadas, com esgotos a céu aberto. Todos vêem mas, são tantos os problemas do país que é natural que também se pense que a solução pode ficar para depois. Sim, não é prioritário.
Apesar de tudo, ainda há quem queira fazer alguma coisa pelo seu país, procurando contribuir para a reconstrução da “nossa Nação”, da “nossa” cidade. E talvez por isso às vezes, quem tem boa vontade, esquece-se de que nem sempre é possível participar no esforço da reconstrução.

E depois...

Defronte do restaurante nasceu uma esplanada igual a tantas outras esplanadas espalhadas pelos passeios da cidade e “ocupando... terrenos do Estado”. Nunca ninguém tinha dado por elas, embora se enchessem de manhã e de tarde por quem quisesse um cafezito ou qualquer outra coisa como ver pasar as modas!
Até que o adiministrador que é o que aqui se equipara a presidente da câmara deu autorização que lhe fora pedida pelo interessado para que uma dita esplanada fosse construída. E de repente todos as viram, às esplanadas.
Vieram os fiscais das obras públicas, os funcionários da poderosa Direcção de Terras e Propriedades, a ministra dos Transportes tomou posição e todos os proprietários de restaurantes com esplanadas receberam carta avisando-os de que era melhor deitá-las abaixo porque se não tivessem a iniciativa de as desmanchar, eram eles que o faziam ou levariam os comerciantes a tribunal.
Percebeu-se: O administrador de Díli não manda. As Obras Públicas mandam um pouco mais. O Ministério da Justiça sim, manda muito!
Ficou toda a gente à espera do lobo mau. Que chegou há dias em carta enviada a um restaurante pela Direcção de Terras e Propriedades.
Antes que o lobo mau comesse alguém, obedeceu-se à sua ordem.
Os vasos com palmeiras estão encostados à varanda. A esplanada quase não existe.
De repente tive a sensação de que vivia numa cidade modelo, num país em que tudo se faz de acordo com as leis, em que todos cumprem, em que todos são iguais. Pensei por momentos habitar um país em paz total, tranquilo, seguro e estável. Mas, naturalmente, foi apenas um momento muito pequenino o da minha ilusão.
Porque, a cidade onde vivo continua a ser insegura, com as casas a cair aos bocados e muitas delas destruídas desde 1999. De noite, as ruas ficam desertas. Nos campos de deslocados continua a haver refugiados. Diz-se que continua a haver armas espalhadas pelo país. Continua a morrer gente sem se saber bem porquê. O desemprego continua a ser da ordem dos 90%. Os porcos, as galinhas, os cabritos e as vacas continuam passeando-se pela cidade.
E continua a haver vândalos a entrar em restaurantes armados de facas, ameaçando quem lá está por umas cervejolas. Mas, claro isso, são as pessoas vulgares que vêem. Porque muitos, dos que podem tudo, andam com o nariz no ar a olhar apenas a frontaria dos edifícios no nobre intuito de contribuir para aumentar o seu ego e não perdem tempo a olhar ao seu redor...
Da esplanada, retiraram hoje o telhado, vai desaparecer totalmente. Está, pois, cumprida a ordem.
Até porque convém que não nos esqueçamos que “manda quem pode, obedece quem deve!” E ainda porque o respeitinho é muito bonito!

terça-feira, fevereiro 13, 2007 

A tensão ao rubro em Timor-Leste

Um jovem, irmão de uma outra vítima mortal da semana passada, foi esquartejado dentro de casa. Foi “tetak”, como se diz em tétum. Ou seja, cortado aos pedacinhos.
Um padre vinha de Liquiçá acompanhado por muita gente com o objectivo de testemunhar no Tribunal onde decorre o julgamento sobre a alegada distribuição de armas. Na rotunda do aeroporto, um grupo apedreja os de Liquiçá. Resultado, uns quantos feridos e um morto, um antigo elemento das Falintil. Diz quem viu que “até lhe saltaram os miolos”. Outro acrescenta “que morte inglória! Tinha uma bala no cropo do tempo da guerrilha e acaba por morrer com uma pedrada!”.
Ontem mesmo, depois do incidente do aeroporto, mataram um jovem em Liquiçá e incendiaram a casa do pai.
No Bairro Pité, não se dormiu. Os vândalos atacam-se à pedrada e com pedaços de vidro. Uma jovem que ontem mesmo se mudou com os seus familiares para a zona da Praia dos Coqueiros – mas a casa ficou guarada pelos pais para que a não queimem! – esclarece que são todos vizinhos, que se conhecem desde miúdos mas, agora, espiam-se e estão à espera da primeira oportunidade para atacar...
Em Santa Cruz, são os moradores de um lado da rua contra os do outro lado.
Timor a ferro e fogo. Em nome de quê, Santo Deus?

domingo, fevereiro 11, 2007 

Coimbra tem mais encanto
Na hora da despedida...

A noite prometia e fizemo-nos à estrada. Cruzámo-nos com quatro blindados. Em Fatu-Hada, para não variar, muitas pedras pelo caminho… No Bairro Pité, houve problemas. Violência. Como todos os dias…

A sala estava repleta. De portugueses, a maioria, mas de alguns timorenses também. Todos preparados para ouvir o coro “Alma de Coimbra”.
Fez-se silêncio! E bateram-se, muitas, vibrantes palmas!
Em momentos como este, percebo bem quão profundas são as raízes portuguesas deixadas em Timor. Tal como constato quão agradável e enriquecedor é o sentimento partilhado de afecto por duas pátrias. O meu e o de todos quantos, como eu, são mestiços de português e timorense.
Não sei se irá parecer lamechice transmitir o que sinto. Mas apetece-me partilhar este sentimento.
Esta noite, enquanto ouvia cantar “Coimbra tem mais encanto”, “Foi Deus”, “Coimbra” ou “Amália”, voltei a sentir o que tantas vezes me acontece que é não saber, em determinado momento, se sou mais daqui, se sou mais dacolá… Nunca sei se sou mais timorense, se mais portuguesa … Sou de certeza, as duas coisas!
Esta noite, as capas negras, guitarras, violas, pianista e um coro fantástico de vozes fizeram-me voar até Portugal, a quase 19 mil quilómetros de distância… Emocionei-me, naturalmente! Acompanhei, ainda que para dentro, só para mim, os fados que bem conheço. Recordei os amigos, o ambiente, os cheiros, Lisboa, o Tejo, Coimbra…
Deu-me um ataque de saudade! Será apenas portuguesa, a saudade? Ou será a “Sôdade” de Cesária Évora, de Cabo Verde, outro dos momentos altos da noite?
Foi uma noite inesquecível. Pelo fado, certamente. Pelo que senti, obviamente. Mas, especialmente porque, estando Timor-Leste a atravessar um crise difícil, um grupo conceituado tenha vindo a Díli cantar, indiferente ao perigo. É um verdadeiro acto de coragem e de generosidade, cantar duas, três vezes por dia, para todo o tipo de público, timorense e internacional. Na Catedral, na Escola Portuguesa como no Centro juvenil Padre António Vieira ou na Fundação Oriente.
E tal como me senti portuguesa ao ouvir a Alma de Coimbra, sinto-me agora completamente timorense ao transmitir a minha gratidão por se terem lembrado de nós, timorenses.
Por terem entendido que não somos apenas violentos, nem gostamos só de apedrejar quem passa, nem somos totalmente ignorantes nem selvagens.
Também gostamos de poesia e de música! De fado, também, pois claro!
Obrigada, Alma de Coimbra!

sexta-feira, fevereiro 09, 2007 

Semáforos na cidade

É normal em qualquer parte do Mundo mas, aqui em Díli, é notícia: os semáforos que estavam a ser colocados há bem mais de um mês, fizeram a sua aparição triunfal em algumas artérias da cidade!
Comentei o facto com um colega que, encolhendo, os ombros lhes vaticinou um período curto de vida. Dizia ele que o mais certo era serem partidos na primeira oportunidade. A primeira oportunidade, está-se mesmo a ver, resultará da loucura momentânea de alguém que, de imediato, criará moda. Espero que o meu interlocutor esteja enganado!
O trânsito na cidade é completamente caótico. Vai-se sempre pelo caminho mais curto e o interesse individual sobrepõe-se sempre ao colectivo. Por isso se ultrapassa quando, como e onde se quer, se faz inversão de marcha conforme o apetite, se pára no meio da via para conversas com o condutor do lado (seguindo ou não na mesma direcção); E como temos todo o tempo do Mundo, andamos devagar, muito devagar...
Um dia destes, ali para os lados de Fatu-Hada, com medo de apanhar uma pedrada (depois de ter sabido que uma amiga minha fora apedrejada e teve a sorte de ficar “apenas” com o pescoço completamente negro porque o vidro amorteceu a pancada) acelerei o carro e, achando que ia a uma grande velocidade, resolvi olhar para o mostrador: ia a 60km à hora!
O facto de andarmos devagarinho não significa que haja segurança. Pelo contrário, de tão devagar, as pessoas distraem-se, conversam, olham a paisagem, talvez até adormeçam e quando dão por isso, zás! Já está!!! Depois, é só esperar que a multidão que de imediato se junta não se ponha contra nós, que a polícia chegue depressa.
Se a coisa azedar, o melhor mesmo é ir à esquadra ou, quem esteja para aí virado, negociar umas notitas como indemnização pelos danos causados. A interpretação de “danos causados” varia conforme a hora e a disposição de cada um. Olha, remira-se a motoreta, o táxi, o automóvel à coca de um risco, uma mancha, qualquer coisa! A indemnização também depende do “estatuto” do causador do acidente. Se for estrangeiro, piora um bocado. Se for timorense, a forma como está vestido e o carro em que se faz transportar também conta.
Lembro-me de uma cena a que assisti em Comoro quando uma camioneta de mudanças transportando bens de um internacional teve o azar de se aproximar de meia dúzia de pés de milho. O dono da horta gritava desvairado contra a sua má sorte ao mesmo tempo que exigia a “módica” quantia de $400 USD de indemnização. Depois de duas horas, o senhor desembolsou $200 USD! No dia seguinte, o milho continuava verde...
Imagine-se se há o azar de alguém bater numa motoreta que transporte pai, mãe, filho, filha e ainda um saco com qualquer coisa lá dentro. Pode bem acontecer que, na queda, a família se suje, ficando cheia de poeira e o conteúdo do saco se espalhe...
Claro que o veículo de duas rodas não devia servir para transportar uma família de quatro pessoas e a obrigatoriedade do uso do capacete não deveria ser apenas para o condutor. Mas isso é outra história e não faz parte deste departamento!

quarta-feira, fevereiro 07, 2007 

Trabalho...

O anúncio do arquivamento do processo de investigação ao alegado envolvimento do antigo Primeiro-Ministro suscitou natural manifestação de regozijo entre os seus familiares, amigos e correligionários de partido.
Quem não reagiu bem foi o Movimento de Unidade Nacional para a Justiça. Diz que a Justiça não funciona. E hoje, defronte do Palácio do Governo, lá estão agumas dezenas de manifestantes exigindo a saída dos juízes da CPLP/Maputo que assinaram a notificação. Manipulação da Justiça e neocolonialismo pela CPLP são as mensagens que ficam.
Se a Procuradoria-Geral da República considerou não haver evidências suficientes e se decidiu pelo arquivamento, lá tinha as suas razões para o fazer.
Agora, o que se compreende mal é que o número dois da PGR tenha vindo a público dizer que desconhecia a decisão e que, um dia depois, da Austrália onde está de visita, o PGR tenha reconhecido que a falta de provas ditara o encerramento da investigação.
Dará assim tanto trabalho planear o trabalho, o anúncio de decisões sérias, como é este caso, de forma a que elas surjam aos olhos do mais comum dos cidadãos como um facto normal e transparente?


segunda-feira, fevereiro 05, 2007 


O clima político está a aquecer!
Primeiro, com o conhecimento da data das eleições presidenciais e o aparecimento de muitos candidatos ao cargo ocupado por Xanana. Apontam-se os imensos erros de cada um deles. Virtudes, poucas. Não é difícil perceber-se que vão reacender-se as paixões.
Ainda não estava esquecida a descoberta do corpo decapitado, e a morte repentina de um deputado ainda jovem, aparentemente saudável criou de imediato mil histórias sobre as razões que a terão provocado. Primeiro, a família ia pedir autópsia, depois desistiu. Veneno, alvitrou-se em surdina. Porquê, para quê, como? Imagine-se o sururu!
Finalmente, a conferência de Mari Alkatiri sobre o arquivamento do processo no qual era acusado de estar envolvido na alegada distribuição de armas a civis e a exigência de um pedido de desculpas por parte de Xanana Gusmão e de Horta.
Amanhã será outro dia… E como será o dia de amanhã?
Espero que a noite seja boa conselheira e que, apesar de ter chovido muito pouco, o céu se cubra de cinzento bem escuro e dos céus jorrem cataratas de água, que caia uma chuva fortíssima, abundante que arrefeça os calores e os ânimos exaltados!
Para bem de Timor-Leste e de todos quantos aqui vivem.

sexta-feira, fevereiro 02, 2007 

Sr. Primeiro-Ministro José Sócrates

Mesmo que não seja difundida por todos os órgãos de comunicação social, chegam a Lisboa notícias diárias sobre a situação de insegurança que se vive em Timor-Leste, em particular na cidade de Díli. A insegurança sentimo-la todos os que aqui vivemos, incluindo os estrangeiros que passam pelos mesmos receios dos timorenses. Uns têm mais segurança, mas a verdade é que muitos foram apedrejados e feridos sem terem nada a ver com a história.
Não só na capital como espalhados pelos distritos vivem muitos estrangeiros; de entre estes, muitos, imensos portugueses que, em tempos idos foram apelidados de cooperantes, passando mais tarde a “expatriados”, uma palavra pouco simpática, feia e fria.
Quando se fala de expatriados, está a falar-se de portugueses. Assessores, diplomatas, funcionários da embaixada, militares, polícia, juristas, juízes, professores, secretárias, etc, etc, têm em Timor-Leste a sua residência temporária. Também os há que vieram um bocado à aventura, sem contrato de trabalho e os que vieram com contrato a tempo certo que se deram bem e por aqui ficaram. Aqui trabalham e aqui fixaram residência. Por último, há os luso-timorenses que não são expatriados e partilham os seus afectos por duas pátrias.

Se se excluirem os luso-timorenses como muitas vezes se tem feito, somam umas centenas os portugueses que aqui estão. Se os luso-timorenses forem incluídos, então o número chega aos milhares.
Timor-Leste não fica propriamente à esquina de Portugal.
Se eu fosse “expatriada”, gostaria de me sentir acarinhada pelos governantes do meu país. Quando se está longe, esses pequenos gestos de carinho e de lembrança da existência de cada um, caem muito bem.
Por que falo disto?
Porque tenho acompanhado pelas notícias que o senhor Primeiro-Ministro, Engº José Sócrates, está em Macau, depois de ter visitado a China e porque ouvi, precisamente a um expatriado, o comentário de que era pena que o Primeiro-Ministro, Engº José Sócrates, não tivesse aproveitado a oportunidade para vir a Díli.
Entendo que não é muito agradável vir a Timor, depois de se tomar contacto com a realidade macaense.
Compreendo que Portugal tem de investir no estrangeiro, que está em causa não perder o comboio do desenvolvimento económico, que há que reforçar a posição e o prestígio de Portugal no Mundo. E é justamente por isso que me custa entender o motivo pelo qual o senhor Primeiro-Ministro, Engº José Sócrates, não fez um pequeno esforço para vir a Timor-Leste...
Depois de ter estado na China e em Macau, o efeito do jet-lag já lá vai...
Percebo que seja dificil investir aqui, que a crise afugenta qualquer potencial investidor estrangeiro.
Insegurança? Não acredito que a GNR fosse descurar da segurança do senhor Primeiro-Ministro José Sócrates e da sua comitiva!
Também compreendo que Timor-Leste deixou de estar na moda e deixou de ser apetecível vir cá. Entendo que depois do ambiente de sedas e brocados, marfins e porcelanas, ópera chinesa ou jantares de catorze pratos, não é fácil enfrentar a triste realidade timorense, com as ruas mal cuidadas, os edificios públicos encardidos, a cidade desordenada, os refugiados, o discurso oficial repisando nas nossas dificuldades, quase obrigando a quem vem de fora a ter de oferecer solidariedade, o calor, os mosquitos, as moscas, a falta de conforto...
Se o senhor Primiro-Ministro foi a Macau não só pelo interesse económico mas também pelo fascínio que representa a presença portuguesa no Oriente, terei de perguntar se esta se esfumou em Timor-Leste... É que sem falar da História comum, de alguns edíficios públicos de traça portuguesa, da língua portuguesa a ser reintroduzida ou da religião católica, há os portugueses que somam centenas ou milhares, dependendo da interpretação do que é ser-se português em Timor...
E então, os portugueses que aqui vivem não mereceriam do senhor Primeiro-Ministro um desvio na sua rota? A sensibilidade, a solidariedade e a generosidade do Governo português pelos portugueses que estão fora do seu país, são valores fora de moda, estarão adormecidos,terão ficado esquecidos no Palácio de São Bento?
É pena!