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domingo, dezembro 10, 2006 

Nem tudo é mau no meu país

É um lugar comum, torna-se repetitivo, cansativo mas, infelizmente, são assim os nossos dias. Lá terei de dizer uma vez mais que esta situação cansa e que continuo a não compreender o porquê de tanta violência.
Recordo o dia de emoções profundas de um Outubro longínquo, de muitas felicitações por parte dos meus amigos aquando da atribuição do Prémio Nobel da Paz e, depois, no dia 10 de Dezembro de 1996, a emoção maior partilhada com os meus amigos no jornal Público , ao vermos o Bispo Ximenes Belo e José Ramos Horta receberem o Prémio Nobel da Paz.
Passaram dez anos e tudo mudou. No fim de um dia que deveria ser de paz, pelo menos em recordação da atribuição do Nobel da Paz a dois timorenses e do respeito e simpatia que em todo o Mundo o pequeno e sofrido Timor inspirou, sobreveio a confusão. E, uma vez mais, a violência, o desvario.
Prefiro, pois, falar de rosas, da língua, de tradições e de sonhos. Pelo menos fico com a sensação de que nem tudo é mau no meu país.

Venilale foi eleita terra dos estudantes. Disse-me a Joana, professora natural de Venilale na escola profissional local, que “foi escolha do Ministério da Educação porque as crianças vão todas para a escola” de que é símbolo a belíssima Escola do Reino de Venilale.
Meti conversa com algumas delas. De tétum, quase nada falam. Explicam-se em tom cantado em cairui ou midik, o dialecto local. Mas cantam em bom português “oh, mãezinha do céu” e outras tantas canções infantis e, quando se lhes pergunta o nome, a resposta vem pronta “chamo-me…”
Também uma senhora, já de um certa idade, em conversa de circunstância naquelas horas intermináveis que precedem um funeral, dizia-me orgulhosa que “já não me lembro de muitas palavras mas ainda falo português”.
Quando eu era miúda, a minha mãe, que era natural de Venilale, e as minhas irmãs mais velhas falavam de Venilale como sendo a vila das rosas que desabrochavam de roseiras que ladeavam a estrada e da temperatura amena, primaveril bem diferente da de Díli. Hoje, não há rosas, mas Venilale, embora pobre, continua a ser um lugar aprazível, tranquilo.
Ali, há paz o que, nos dias de hoje, é o mais importante. Ali as tradições ainda são o que eram.
Tudo continua a ser feito como se o tempo não passasse, como se o tempo tivesse parado. E a título de exemplo, não seria possível em Díli mas, em Venilale, o funeral a que assisti há dias realizou-se já o sol desaparecera e terminou às 20H30! Porque a defunta merecia respeito e a urna não podia ir aos solavancos numa carrinha, ainda que se poupasse tempo. Em vez disso, montanha acima, por carreiros, e sobre padiola em bambu foi transportada por jovens que entoavam canções recordando a avó que partira. Antes disso, passaram muitas horas da manhã e tarde, a abrir a cova de mais de metro e meio de profundidade para o que se serviram de duas miseráveis pás; depois disso foram ainda os mesmos jovens que voltaram a colocar a terra, pacientemente, com as duas pás e, quem as não tinha, com as mãos…
Acredito que Venilale tem algum encanto. No ano passado, duas jovens licenciadas da cosmopolita Cascais que se haviam oferecido para trabalho voluntário, foram parar a um colégio de freiras justamente em Venilale. Vinham a Díli de vez em quando e, se não tinham outro transporte melhor, viajavam nas “biskotas”, os autocarros de transporte público que faziam o trajecto em seis horas (!!!), com muitos outros passageiros acompanhados de sacos de feijão, fruta, legumes, de galos, cabritos, um porquito… todos muito juntos uns dos outros para melhor aproveitamento do espaço, todos munidos da maior paciência do Mundo, para ultrapassar ou esquecer o desconforto do calor e os solavancos da estrada.
Adaptaram-se bem ao novo tipo de vida com os condicionalismos normais em lugares do interior de Timor-Leste (por exemplo, energia eléctrica, das seis à meia-noite), à alimentação – experimentaram folhas de qualquer coisa fritas em polme de farinha, uma inovação gastronómica do colégio de que eu, que sou timorense, nunca antes ouvira falar - e fizeram tantos amiguinhos entre os alunos e professores que, ainda antes de partirem, já estavam cheias de saudades. Fartaram-se de chorar elas e os que ficaram…
A Maria casou-se entretanto, mas a Marta voltou e trabalha agora no Hotel Timor.
O Augusto Lança, pelos vistos, também ficou preso a Timor! E pela maneira entusiástica como fala, acredito que vontade de voltar não lhe falta, especialmente a Venilale, mesmo que lá nunca tenha visto rosas!

Tambem eu tive a felicidade de conhecer Venilale onde residi algum tempo com minha mulher e filhas. Posso dizer reconhecido ao bom povo que tão bem me acolheu e aos meus, bem hajam por tudo. Vou morrer com Venilale e as suas gentes no coração. Que Deus e os homens de boa vontade vos ajudem nos dificeis caminhos do futuro.
António Miguéns (ex administrador de posto)

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